De Camboriú a Ponta Negra: quais são os prejuízos para cidades que aumentam as praias
Geógrafo marinho detalha processo de 'engordamento de praias' e alerta para prática
Cartão-postal do Recife, a praia da Boa Viagem já não é a mesma que inspirou Alceu Valença nos versos de La Belle de Jour em 1992. De lá para cá, o mar tem avançado em direção à cidade a ponto da prefeitura ter aberto um edital para realizar obras de alargamento da faixa de areia em março deste ano. Além do local que serviu de cenário para a canção, estão inclusas no projeto as praias do Pina e de Brasília Teimosa.
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A pouco mais de 500 quilômetros de Pernambuco, o Rio Grande do Norte também demonstrou interesse na operação, conhecida como 'engorda'. No último dia 12, a prefeitura de Natal entregou um documento ao Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte (Idema), solicitando a liberação do engordamento na praia de Ponta Negra. Na terça-feira, 16, o órgão devolveu o pedido com oito quesitos em aberto.
Quem também é conhecida pelas obras de alargamento das faixas de areia é Balneário Camboriú, famoso destino turístico de Santa Catarina. No entanto, apesar de parecer uma intervenção desnecessária e puramente 'estética' à primeira vista, a engorda de praia é uma opção para conter avanços da água do mar nas cidades, diminuir a erosão costeira e até melhorar a experiência de moradores e turistas.
Para entender o assunto, o Terra ouviu Eduardo Bulhões, geógrafo marinho e coordenador do GeoCosteira, a unidade de Estudos Costeiros da Universidade Federal Fluminense.
Para quê alargar as praias?
Parece uma solução nova, mas não é. Lá em 1993, Chico Buarque falava de amor na canção Futuros Amantes, quando se questionou em verso: "quem sabe, então, o Rio será alguma cidade submersa?". O trecho se refere a um sentimento, mas bem que poderia ser sobre o avanço da água do mar na Zona Sul da capital fluminense no século XX, que fez com que a praia de Copacabana recebesse uma operação de 'engordamento' da faixa de areia no final dos anos 1960.
Também chamado de 'recuperação artificial de praias' ou 'preenchimento artificial de praias', o procedimento nada mais é do que uma intervenção que visa recompor o estoque de areia de uma praia ou de uma faixa dela. De acordo com o geógrafo, a alternativa é adotada em todo o mundo para substituir a construção de muros, espigões e quebra-mares.
Os motivos para as gestões municipais optarem pelas engordas são diversos.
"Os mais comuns são reduzir a ameaça de avanço do mar sobre as cidades e devolver à população uma praia recreativa com uma faixa de areia mais confortável para o fluxo de pessoas", explica Eduardo.
Apesar das várias causas possíveis, a mais importante delas é a erosão costeira. Considerado um risco à população, o fenômeno torna a praia cada vez mais vulnerável à ação de ondas, e oferece cada vez menos proteção ao que está à sua retaguarda, como calçadões, quiosques, ciclovias, avenidas, ruas e edifícios.
Um relatório divulgado pelo MapBiomas em 2021 mostra a importância de dar atenção à preservação das praias e ao controle da erosão costeira. De 1985 a 2020, houve redução de 15% de praias, dunas e areais no Brasil. Isso corresponde a cerca de 70 mil hectares. O documento feito pelo projeto aponta ainda a pressão imobiliária como um dos motivos para número tão expressivo.
Como é feito o alargamento?
O geógrafo marinho garante que o processo é mais simples do que parece. Geralmente, a obra consiste na dragagem - que é a limpeza ou escavação do local -, no transporte e na deposição das areias.
"Esses projetos têm a finalidade de absorver a energia das ondas, e a forma com que eles fazem isso é movimentando areias para várias direções, inclusive para a zona submarina", detalha Eduardo Bulhões.
No entanto, outros procedimentos podem encarecer e até inviabilizar a operação.
"Algumas etapas operacionais partindo do design do sistema e das distâncias do transporte podem ser complexas e caras, cabendo estudos para definir o melhor cenário e design da nova praia, sobretudo em função da posição da fonte de extração de areias", considera o especialista.
No Recife, por exemplo, o valor da licitação aberta em março é de, no máximo, R$ 4,1 milhões. Com o valor, a prefeitura pede que a empresa responsável pela obra faça estudos em cerca de 9,3 quilômetros de faixa de areia, em uma área de compreende os bairros de Boa Viagem, Pina e Brasília Teimosa.
Quanto tempo dura uma engorda?
Assim como toda obra, as engordas precisam de manutenção. Segundo Eduardo, a operação precisa de uma revisão em até 10 anos, prazos geralmente previstos durante as etapas iniciais do projeto.
"Variam em razão do volume inicial de areias adicionado e das taxas anuais de erosão, ou seja, da velocidade da perda de areias naquela determinada praia", detalha.
Um exemplo de alargamento de faixa de areia que não precisou nem de manutenção foi o da praia de Copacabana. O projeto feito entre 1969 e 1971 aumentou a distância entre a fachada dos prédios e a praia de 21 para 73 metros.
"Desde que haja disponibilidade de areias em áreas próximas, a manutenção é um conceito fundamental nesses projetos", considera Eduardo.
Para o especialista, a efetividade de um projeto de alargamento de faixas de areia pode esbarrar nos gastos e na capacidade de manutenção, tornando a engorda uma opção pouco viável e satisfatória a longo prazo. Por exemplo, os custos tendem a subir na medida em que as fontes próximas de areias se acabam.
"No contexto da elevação do nível do mar, tais custos no médio e longo prazo se tornarão impeditivos e, por fim, caso se mantenha o objetivo de proteger as edificações, a solução final acabará sendo uma obra rígida, como um muro, culminando com o desaparecimento da praia", pondera.
Quais são os impactos positivos e negativos?
Mesmo cara e com manutenção necessária, a obra de engorda é uma opção por garantir a ampliação da praia sem comprometer a paisagem, fator importante em regiões turísticas como o Rio de Janeiro, Recife e Balneário Camboriú.
"Outro impacto positivo está relacionado à capacidade de uma praia recuperada em se adaptar ao novo cenário climático. Areias se movimentam e se adaptam à novas condições de ondas, ventos e marés de tempestade e isso é uma vantagem desses projetos em comparação a uma obra rígida", cita Eduardo.
O terceiro ponto que torna uma operação de engorda animadora é a possibilidade de regeneração do habitat. De acordo com o geógrafo, a vegetação pioneira tende a aparecer algum tempo após um projeto de recuperação artificial de praias.
No entanto, o 'lado ruim' da operação também deve ser destacado. Durante a obra, o ecossistema pré-existente no local é, basicamente, soterrado.
"A operação de engorda envolve dutos e maquinário pesado, o que pode gerar impactos no ecossistema próximo e na vizinhança (...) Esses impactos biológicos nas áreas sujeitas às operações de recuperação artifical de praias são normalmente negligenciados", alerta o geógrafo.
A realização de uma obra de engorda também não dá 100% de garantia de sucesso. Segundo o professor da UFF, a operação tende a dar errado quando algumas etapas dos estudos técnicos são puladas ou mal construídas. O uso de areias mais finas ou mais grossas que as originais da praia também pode causar perdas significativas. Porém, ele assegura que não há nada que não possa ser resolvido após a conclusão da obra.
"O exemplo da Praia Central, em Balneário Camboriú, é bom. Após 'concluído', o projeto sofreu essas críticas por boa parte de um setor da praia recuperada ter sido erodido durante temporada de ondas mais fortes. Isso não é necessariamente um 'dar errado', pois esse tipo de perda é normalmente previsto no projeto, mas esse fato chama a atenção para as formas de melhor comunicar detalhes importantes dessas operações para a opinião pública", destaca.
Eduardo se refere à megaobra realizada em 2021 no Litoral Norte de Santa Catarina. A intervenção, que custou R$ 66,8 milhões, contou com a perda de 70 metros de faixa de areia após a inauguração. A prefeitura de Balneário Camboriú garantiu que o ocorrido já estava previsto durante a obra.
Como evitar a necessidade de uma engorda?
A verdade é que não há como evitar um processo de erosão costeira, causa principal das obras de engordamento de praias no litoral brasileiro. Apesar de ser um movimento natural, a tal erosão acaba se tornando uma 'dor de cabeça' em áreas urbanizadas e as gestões terminam optando pelo alargamento artificial.
"O lado perverso é que a resposta normalmente dada a esse problema é artificializar ainda mais o litoral. Isso é perverso pois gera uma repetição do problema, às vezes até transportando a erosão para áreas no entorno", destaca o geógrafo.
Para evitar a realização de cada vez mais obras de engordamento de praias, Eduardo aposta na proteção dos ecossistemas costeiros através de leis ambientais.
"Em outros casos, uma solução inteligente é recompor tais ecossistemas, sobretudo em áreas urbanas. Tal processo não necessariamente evita a erosão, mas reduz sua velocidade e seus impactos negativos", considera.
Existem alternativas melhores
Para o geógrafo marinho, existem alternativas melhores que as engordas para conter o processo erosivo em litorais. De acordo com ele, a melhor opção é 'misturar' a proposta desse tipo de obra com conceitos que têm como princípio o respeito à natureza e ao ecossistema impactado com a intervenção.
"Esses preceitos apontam que a recomposição e a refuncionalização dos ecossistemas é o caminho para melhor adaptar o litoral frente aos desafios das mudanças climáticas e dos impactos negativos do avanço do mar", argumenta Eduardo.
Ele lista as opções:
- Recomposição de praias e dunas;
- Recomposição das áreas de restinga e manguezais;
- Recomposição de corais;
- Proteção dos ecossistemas remanescentes;
- Dimensionamento de estruturas rígidas e mecanismos de movimentação de areias para as praias.
"Vão gerar melhores resultados para a estabilidade do litoral do que simplesmente as operações sucessivas de engorda", afirma.