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"É nas cidades que a sociedade se organiza, porque políticos reagem à pressão da sociedade"

Geólogo Marco Moraes, especialista em mudanças climáticas, avalia pautas dos candidatos nas eleições municipais deste ano

27 ago 2024 - 05h00
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Marco Moraes é autor do livro 'Planeta Hostil', que fala sobre mudanças climáticas
Marco Moraes é autor do livro 'Planeta Hostil', que fala sobre mudanças climáticas
Foto: Divulgação

A corrida eleitoral começou e já é possível ouvir alguns candidatos falando sobre o enfrentamento de tragédias climáticas, a exemplo do que ocorreu no Rio Grande do Sul e em outras regiões do Brasil. No entanto, ainda falta um olhar mais cuidadoso e propostas mais elaboradas sobre como os políticos estão dispostos a lidar com as mudanças climáticas nos municípios, e como prevenir problemas -- não apenas buscar soluções quando eles acontecerem.

É o que diz o geólogo e escritor Marco Moraes, doutor pela Universidade de Wyoming (EUA) que há quase 40 anos atua como pesquisador do Centro de Pesquisa da Petrobras (CENPES). Desde 2017, quando deixou a vida corporativa, ele se dedica a estudar os problemas do planeta, e escreveu o livro 'Planeta Hostil', lançado neste ano pela editora Matrix.

Em entrevista ao Terra, ela destaca a importância de os cidadãos incluírem a pauta ambiental na lista de cobranças, além de pautas já lembradas nas eleições municipais -- como educação, saúde e mobilidade.

"Quando a gente fala em transformação ambiental, crise ambiental, as chuvas intensas são a mais visível delas, mas as ondas de calor também estão causando muita destruição, mortes, principalmente afetando a saúde das pessoas, mas também causando crises hídricas em muitas cidades", afirma.

Leia a seguir a entrevista completa!

Terra - Do ponto de vista das mudanças climáticas, do enfrentamento de catástrofes naturais e da urbanização, o que os eleitores devem esperar das propostas de candidatos a vereadores e prefeitos em todo o Brasil?

Marco Moraes - A gente fala muito nas cidades, embora municípios envolvam também as áreas rurais, boa parte da discussão vai envolver o futuro das cidades e seus habitantes. No Brasil já são 61% das pessoas morando em cidades, onde vai se dar a grande batalha entre a humanidade e as transformações do planeta. A gente tem visto chuvas intensas e todas as suas consequências, como inundações, alagamentos, deslizamentos, e vivemos aqui a tragédia no Sul esse ano. Eu moro em Petrópolis, no Rio de Janeiro, a gente teve duas tragédias terríveis em sequência, em 2022. Então, me parece que está muito claro que as cidades precisam agir, e agir muito mais rapidamente para mitigar, ou seja, reduzir o impacto desses eventos, e se adaptar também, porque os eventos vão continuar, e vão ficar cada vez mais graves. Tem que haver um esforço das cidades, dos municípios, nesse sentido. E eu acho que a população tem que buscar e cobrar de candidatos que tenham propostas para isso.

Lembrando que quando a gente fala em transformação ambiental, crise ambiental, as chuvas intensas são a mais visível delas, mas as ondas de calor também estão causando muita destruição, mortes, principalmente afetando a saúde das pessoas, mas também causando crises hídricas em muitas cidades. E também toda a questão de incêndios e queimadas que a gente está vendo, que também afetam não só as áreas silvestres, mas também as áreas urbanas. Acho que a grande preocupação dos eleitores é com candidatos que estejam comprometidos com o esforço de mitigação, adaptação, preparação das cidades para enfrentar essas transformações que são muito sérias, muito graves e já estão diante de nós.

E o que devemos cobrar, na prática, dos candidatos?

Na prática, as cidades precisam de planos em três eixos principais. Um é de mitigação e adaptação. Mitigar é reduzir o efeito. Por exemplo, criar um plano de escoamento de águas que faça com que as chuvas, não só as que ocorreram, mas as que vão ficar mais graves no futuro, que a água tenha um caminho; em vez de destruir casas, que ela possa de alguma forma ser canalizada. E aí existem algumas soluções que não necessariamente custam caro para fazer. Por exemplo, o conceito de cidades-esponjas, se criar áreas alagáveis, que são áreas de lazer durante a maior parte do tempo, mas que podem absorver a água; plantar árvores, criar áreas verdes que permitem a absorção da água. Mitigar e adaptar é o primeiro ponto.

O segundo é aumentar a sustentabilidade, tornar a cidade mais bem integrada à natureza, e isso envolve tanto os eventos climáticos como, por exemplo, corredores para a biodiversidade. As árvores ajudam a reduzir a temperatura, reduzir os chamados pontos quentes da cidade, que vão se agravar e ser um problema com o calor. A energia limpa, muitos veículos urbanos podem ser eletrificados, como ônibus, caminhões de lixo, ônibus escolares, além do incentivo à população para usar bicicletas, bicicletas elétricas, carros elétricos... Criar essa infraestrutura. A poluição está dentro desse contexto também e é um problema grave nas cidades. Essas coisas têm que estar visíveis nas propostas e depois no plano de governo.

E, finalmente, o trabalho com as pessoas. As pessoas precisam estar convencidas do que precisam fazer, ter educação ambiental, conscientização de que essas coisas todas podem atingi-las ou já estão atingindo.

A respeito das áreas que apresentam risco de desmoronamento, ou que requerem reurbanização, como devemos olhar para esse assunto na hora de escolher um representante?

A cidade precisa de um plano, de um planejamento urbano sustentável. Ou seja, primeiramente, mapeamento de risco, saber as áreas mais ameaçadas, e, depois, um plano sobre como reurbanizar essas áreas. Recentemente, num artigo, eu lembrei de dois projetos que já foram executados no Brasil. O chamado 'Favela Bairro', no Rio de Janeiro, foi um projeto premiado no mundo, cujo objetivo era integrar a favela na cidade e reurbanizando a área, e, naturalmente, removendo as pessoas das áreas de risco e fazendo obras. A gente foca na favela como exemplo, porque são geralmente áreas muito críticas. Em São Paulo, houve, no tempo do controverso Paulo Maluf, o tal 'Projeto Cingapura', cujo objetivo seria reproduzir uma experiência muito bem sucedida em Singapura, em que eles pegaram as pessoas que ocupavam as favelas e cadastraram essas pessoas e criaram prédios, com áreas verdes, removendo as pessoas das áreas de risco e tornando aquelas áreas como pequenos bairros autossuficientes. Em São Paulo, não deu certo, faltou infraestrutura.

Então, tem que haver um projeto de urbanização sustentável nas cidades, ou seja, retirar as pessoas que moram em áreas de risco, prevenir para tornar áreas de risco, áreas de menos risco. Veja, eu falei em favela, mas, por exemplo, muitas inundações, alagamentos que vimos aqui em Petrópolis, vimos em Porto Alegre, afetam a cidade inteira, as moradias, os negócios. Então, isso tudo tem que ser pensado. Quando acontecer alguma coisa, como é que a cidade vai estar preparada para isso? Envolve não só um plano de emergência para o desastre, que é uma coisa importante, mas a reurbanização, certamente modificação do quadro urbano da cidade.

Na sua visão, nessas eleições está se falando mais sobre propostas para o enfrentamento de catástrofes climáticas, a exemplo do que aconteceu no Rio Grande do Sul? Ou mesmo com esse acontecimento ainda faltam propostas nesse âmbito?

Falta proposta. A gente não tem, em nenhum lugar que eu tenha visto, um plano realmente completo para o enfrentamento. Há uma diferença entre você recuperar e reconstruir. Reconstruir, a princípio, significa refazer no mesmo local o que foi destruído. Só que muitas áreas que são afetadas por esses eventos não devem ser reocupadas, quando a gente sabe que os eventos extremos vão voltar, vão voltar piores e vão afetar novamente essas áreas. Então, é preciso um plano com uma visão que a gente tem da segurança, por exemplo. Quando você pensa em segurança, até lembro daquela 'Lei de Murphy': se alguma coisa pode dar errado, vai dar errado. A gente tem que pensar no pior cenário, não ficar ali torcendo para que a coisa não aconteça.

Então, vamos conceber o que aconteceria com a cidade com uma chuva mais intensa do que nunca houve, com uma onda de calor mais intensa, com uma crise hídrica mais intensa. Esse plano eu não estou vendo em nenhum lugar sendo apresentado, proposto. Como é que nós estamos preparados para eventos extremos?

Alguns candidatos agora falam no termo "cidade resiliente", que tem aparecido pela primeira vez nos debates políticos. O que isso significa e qual é a importância desse assunto?

Resiliente é um termo que está sendo muito usado atualmente, que vem lá da engenharia de materiais, que significa um material que volta à forma inicial depois de sofrer um choque, uma deformação. Quando aplicado às cidades ou a outros aspectos da natureza ou da vida humana, significaria nós termos condições de nos recuperar mais rapidamente quando há um evento extremo. Mas, como a gente estava lembrando, a resiliência tem que ser vista num contexto de que é preciso modificar, de que as coisas vão ficar diferentes. Então, nós vamos ser capazes de ser, tornar a cidade menos suscetível aos eventos climáticos. Mas a cidade tem que ser transformada para que isso aconteça. Então, é resiliente no sentido de que a cidade não vai voltar, não deve voltar a ser igual como era antes, mas deve ter maneiras de se tornar menos suscetível aos eventos climáticos.

A onda de negacionismo sobre as mudanças climáticas é um fator que ainda tem força nessas eleições, na sua opinião? Como o eleitor pode combater?

O negacionismo tem ficado mais sutil. As pessoas não negam abertamente a existência de mudanças climáticas, mas tentam, por um lado, minimizá-las. Aquela frase típica, quando faz uma onda de frio e a pessoa fica perguntando: 'Ah, cadê o aquecimento global? Está fazendo tanto frio'. O frio, na verdade, é fruto da própria mudança climática. E isso vai plantando dúvida na cabeça das pessoas. Essa é a abordagem que está sendo usada pelo negacionismo. Como nós estamos tratando de sistemas muito complexos, é difícil fazer previsões exatas sobre a proporção das coisas, quando e com que intensidade. A ciência não pode fazer previsão exata, ela tem que estabelecer cenários e probabilidades.

Então, o negacionismo continua, sim, presente, não escancarado, plantando dúvida. A gente tem que entender que tem uma coisa muito grave acontecendo, que os sinais estão em toda parte, e essa conscientização das pessoas é fundamental.

A questão ambiental afeta diretamente a saúde e a educação, mas só agora está se falando nisso, agora que temos exemplos práticos de tragédias, isso está entrando no discurso político...

Falando muito, mas ainda fazendo muito pouco. Isso não é só no Brasil, mas no mundo. Você vê as COPs, aquela conferência da ONU para o meio ambiente. Muita coisa que foi acordada nas COPs não foi realizada. A emissão de gases de efeito estufa não reduziu, pelo contrário, aumentou. Então, o que eu tenho visto é muito discurso, porque é uma coisa popular, é uma coisa que as pessoas sabem que é real, estão preocupadas. Mas a gente tem que ter esse cuidado de separar o discurso da prática.

A mudança climática deve ser tratada como um problema do presente, e não mais do futuro. O senhor acredita que é importante escolher candidatos que tenham essa mesma visão?

Eu acho fundamental. A gente está elegendo... Se olhar para um plano maior, por exemplo, o Congresso propõe uma série de projetos que pioram a condição de sustentabilidade e de preservação ambiental do País. Há uma série de projetos em andamento nesse momento, pela chamada bancada ruralista e outros, e muitos políticos que têm uma visão de curto prazo de modelo econômico que não é sustentável. O Brasil com um modelo econômico somente baseado em commodities, em produtos agrícolas e extração mineral, dá dinheiro para uma parcela da população, mas não é o que vai dar uma vida melhor para os 200 milhões de habitantes que nós temos. No momento, o Congresso está dominado por uma pauta anti-ambiental. E mesmo o governo federal, apesar de todo o discurso, não está resolvendo as coisas.

É nas cidades que a sociedade se organiza e faz pressão, porque políticos reagem à pressão da sociedade. Então, é agora, na próxima eleição, que a gente tem que começar a mudar esse jogo. A gente tem que começar a votar já em pessoas comprometidas com a pauta ambiental, e isso está ao alcance de todos nós que vamos votar. Podemos dar um primeiro passo nesse sentido.

Fale do seu livro, 'Planeta Hostil', que traz para uma linguagem mais acessível o problema das mudanças climáticas. Como surgiu essa vontade de escrever sobre isso?

A minha vontade surgiu quando eu deixei a vida corporativa. Eu trabalhava na Petrobras, onde se discute muito essa questão da influência dos gases de efeito estufa, que, no meu entender, está resolvida. São os humanos que causam, e estão causando o atual aquecimento. Mas a minha pergunta, que eu fazia, era: 'Afinal de contas, o que está acontecendo com o planeta? O que é realmente grave? O que é alarmismo? Com o que nós devemos nos preocupar?'. Então, o livro traz uma visão abrangente das transformações do planeta. As mudanças, o aquecimento global e as mudanças climáticas são uma parte importante, mas eu falo sobre a degradação dos oceanos, que é outra coisa muito grave, sobre a crise hídrica. Há uma crise hídrica mundial já afetando muitas, muitas pessoas. A perda de solos férteis, nós temos que alimentar 5 bilhões de pessoas e estamos destruindo solos.

Poluição química, poluição plástica, há muitas coisas que realmente me deixaram muito preocupado. Então, eu procurei dar uma descrição acessível às pessoas em um livro, não com linguagem científica complicada, mas de maneira que o leitor tivesse uma visão mais completa possível dessas transformações que nós, humanos, estamos causando ao planeta e afetando negativamente a nós mesmos. A proposta do livro é que, no mesmo lugar, você encontre uma descrição realista do que está acontecendo e, a partir daí, dependendo da esfera de influência de cada um, cada um de nós possa contribuir com um esforço de mudar esse estado de coisas, e as pessoas possam tomar decisões mais embasadas.

Fonte: Redação Terra
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