Esterilização de mosquito: método curioso pode conter casos de dengue na Europa
Progressão alarmante de arboviroses no continente europeu tem ligação direta com crise climática
A pouco mais de 7 mil quilômetros do Brasil, a Europa vê os casos de dengue e da febre do Nilo Ocidental aumentarem de forma alarmante. O que as duas doenças têm em comum é o vetor: um mosquito. Para tentar conter o avanço das ocorrências, um laboratório espanhol adotou um método de esterilização de mosquitos da espécie Aedes albopictus.
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Conhecido como mosquito-tigre-asiático, o Aedes albopictus é uma espécie diferente da que os brasileiros estão mais familiarizados, o Aedes aegypti. Os dois, no entanto, funcionam como hospedeiros de doenças como dengue, zika e chikungunya.
Para entender de que maneira funciona o método de esterilização adotado pela Espanha, é importante saber como um 'bichinho' tão pequeno se torna vetor de doenças tão perigosas.
Como um mosquito transmite a dengue?
Há quem chame de mosquito, pernilongo, muriçoca, maruim... Independentemente do nome dado ao inseto, a verdade é que eles têm seu lugar no meio ambiente. Isso porque os 'bichinhos' são polinizadores e fazem parte da cadeia alimentar, servindo de alimento para outros animais.
No entanto, nem toda espécie é indefesa. Diferente dos pernilongos comuns, os Culex quinquefaciatus, os Aedes aegypti podem transmitir a dengue e outras arboviroses, nome dado às doenças causadas por vírus transmitidos, especialmente, por mosquitos.
Porém, essa espécie não é a única "vilã" doos seres humanos. O "primo" do aegypti, o Aedes albopictus também pode ser transmissor de enfermidades como zika, chicungunya e a Febre do Nilo Ocidental, cada vez mais comuns na Europa.
Não é qualquer mosquito destas espécies que pode transmitir as arboviroses para os seres humanos. O processo é feito através da fêmea. Isso porque, depois da cópula com os machos, elas passam a carregar os ovos fecundados e, para garantir o desenvolvimento e a maturação deles, as fêmeas precisam de sangue.
É neste período em que os humanos correm o risco de serem picados por fêmeas infectadas.
"Se o mosquito da dengue estiver infectivo, poderá transmitir o vírus neste processo", explica a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Justamente pela transmissão ocorrer a partir de fêmeas fecundadas é que a esterilização de machos entra como uma alternativa para conter o avanço das arboviroses.
Como funciona a esterilização de mosquitos?
O método pode ser realizado de diferentes formas. Na Espanha, quem faz o processo é o Centro de Controle Biológico de Pragas, financiado pelo governo regional em Valência, na comunidade autônoma Valenciana.
Por lá, os responsáveis pelo processo utilizam um acelerador de elétrons para esterilizar mosquitos machos. A técnica usada já era conhecida pelos cientistas do Centro de Controle Biológico de Pragas e era aplicada nas chamadas moscas-das-frutas.
O processo é feito com o mosquito da espécie Aedes albopictus, o maior vetor de arboviroses da Europa, em estágio de pupa. Esta fase do desenvolvimento é considerada a intermediária entre a larva e o adulto, até a metamorfose completa. Após a separação de pupas por sexo, os cientistas usam a radiação para esterilizar os machos.
Depois do processo, são liberados cerca de 45 mil mosquitos machos esterilizados toda semana pelo Centro de Controle Biológico de Pragas de Valência.
Dessa forma, eles conseguem "acasalar" sem que ocorra a fecundação. Além de evitar arboviroses, o método visa reduzir a população geral de mosquitos. O laboratório é o primeiro na Europa a utilizar o acelerador de elétrons em mosquitos-tigres, os Aedes albopictus.
No Brasil, um método diferente de esterilização foi implementado pelo Governo Federal no mês passado. Por meio da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, o Ministério da Saúde oficializou o uso de Estações Disseminadores de Larvicidas como estratégia nacional para o controle do Aedes aegypti e do Aedes albopictus, transmissores da dengue e outras arboviroses.
"A armadilha atrai as fêmeas do Aedes aegypti para colocar ovos e, ao pousar, elas se impregnam com o larvicida presente nas estações. Essas fêmeas, impregnadas com larvicida, ao visitarem outros criadouros, acabam contaminando outros recipientes com o inseticida, o que impede o desenvolvimento das larvas e pupas, reduzindo a infestação e, por conseguinte, o avanço da doença", explica a Fiocruz.
Dengue na Europa tem ligação com crise climática
A estratégia usada pelo Centro de Controle Biológico de Pragas de Valência, na Espanha, faz parte de uma preocupação geral do continente europeu com o aumento dos casos de dengue e outras arboviroses na região.
Dados recentes do Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC, na sigla em inglês) indicam a progressão alarmante de pessoas infectadas com o vírus, além de surtos locais da febre do Nilo Ocidental e da dengue, transmitidas pelo Aedes albopictus.
Um relatório publicado pela ECDC mostra que, em 2023, a Europa registrou 130 casos de dengue, contra apenas 71 casos em 2022. Para se ter uma noção do quão preocupante os números são no continente, entre 2010 e 2021 a Europa registrou 73 casos no total.
Em comunicado oficial, a diretora do ECDC, Andrea Ammon, citou as mudanças climáticas como principal culpado. "A Europa já percebe como as mudanças climáticas criam condições favoráveis para que espécies invasivas de mosquito se espalhem por áreas anteriormente não afetadas e infectem mais pessoas com doenças como a dengue", explicou.
"Medidas de proteção individual, combinadas com medidas de controle de vetores, detecção precoce de casos, vigilância em tempo real, mais pesquisas e atividades de sensibilização são fundamentais em áreas da Europa onde há maior risco", advertiu Ammon.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as mudanças climáticas impactam diretamente na transmissão da dengue por aumentar as chuvas, a umidade e a temperatura. Vale lembrar que as arboviroses são mais comuns em regiões tropicais e subtropicais, o que não é o caso da Europa.