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Exportações de manganês são operadas com notas frias e extração ilegal

Empresas utilizam endereço de minas desativadas em outros Estados para 'esquentar' produto que é obtido em áreas não autorizadas no Pará

18 abr 2022 - 05h10
(atualizado às 07h38)
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Marabá, na região Sudeste do Pará, é hoje um dos epicentros do mercado clandestino de manganês
Marabá, na região Sudeste do Pará, é hoje um dos epicentros do mercado clandestino de manganês
Foto: Divulgação/ABPM / Estadão

A exportação de um dos principais minérios encontrados em terras brasileiras, o manganês, insumo que alimenta a produção mundial do aço e toda a indústria siderúrgica, tem sido marcada por esquemas fraudulentos montados para driblar órgãos de controle. Com o uso de notas fiscais frias, empresas omitem os verdadeiros locais de onde retiram milhares de toneladas do minério, promovendo saques em unidades de conservação florestal, terras indígenas e até áreas de concessões privadas. Para trás, deixam um rastro de destruição ambiental e prejuízos bilionários.

O Estadão levantou informações sobre um esquema que domina boa parte da extração de manganês no Pará. Municípios como Parauapebas, Curionópolis e Marabá, na região Sudeste do Estado, são hoje o epicentro deste mercado clandestino, em uma área já conflagrada pelo desmatamento ilegal, garimpo e grilagem de terras. O plano consiste em utilizar, sistematicamente, documentos de extração emitidos em outros Estados, onde sequer há minas com atividades de exploração, para camuflar a verdadeira origem do material extraído.

A reportagem teve acesso a documentos de transporte de cargas que são utilizados por caminhoneiros, para que possam trafegar com o minério. A partir desses documentos de autorização logística, foi possível acessar as notas fiscais usadas e que maquiam as fontes de origem das explorações ilegais.

No dia 16 de dezembro do ano passado, a empresa CNB Minerações, dona de uma mina de manganês em Cavalcanti, cidade localizada na região da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, emitiu uma nota fiscal "com fim específico de exportação".

No papel, a empresa previa o envio de 5 mil toneladas de manganês para a Ásia, ao preço de R$ 2,4 milhões. A se basear nas informações contidas no documento, centenas de caminhões deixariam o interior de Goiás abarrotados de minério para, nas primeiras semanas de janeiro, seguirem até o complexo industrial de Marabá, no Pará, em viagens de 1.300 quilômetros de distância.

De lá, percorreriam ainda um segundo trecho de mais 600 quilômetros, até finalmente desembocarem nos terminais do porto de Vila do Conde, em Barcarena, onde o manganês seria colocado em navios, com destino para a Ásia. Ocorre que a origem desse minério só existia no papel.

Nenhum grama de manganês extraído pela CNB Minerações saiu de Cavalcanti, pelo simples fato de que a mina da empresa localizada no município goiano está inativa e já foi exaurida há cerca de 20 anos, depois de ser explorada por décadas, desde o início dos anos 1970. Ainda assim, papéis da empresa foram usados para "legalizar" o minério explorado clandestinamente em regiões do entorno de Marabá.

A reportagem encaminhou essas informações e documentos à Agência Nacional de Mineração (ANM), órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia (MME) responsável pela fiscalização do setor. A ANM confirmou a veracidade de todas as informações, informou que tomou conhecimento do caso e que "já comunicou à Polícia Federal sobre esta exportação da CNB". O órgão declarou ainda que "providências estão sendo tomadas no sentido de instaurar a caducidade do título minerário da CNB".

Não foi um caso isolado. Outras empresas são suspeitas de utilizarem o mesmo caminho para exportar manganês do Pará e dar um ar de legalidade a extrações clandestinas. Em agosto de 2020, a própria ANM chegou a apreender 70 mil toneladas do minério no porto de Vila do Conde, um volume avaliado em cerca de R$ 60 milhões. Mais da metade dessa carga - 37 mil toneladas - estava em nome da Sigma Extração de Metais, empresa que, conforme os documentos sobre a apreensão, sequer tinha autorização para extrair manganês. Mesmo assim, a Sigma havia emitido uma nota fiscal de origem no Estado de Goiás para fazer sua exportação, quando todas as evidências colhidas - como a característica do material - apontavam para as terras do Pará.

Em outubro de 2020, outros casos voltaram a ser identificados, quando mais 146 mil toneladas do minério ilegal foram bloqueadas no porto do Pará, prestes a embarcarem rumo à China. Foi o maior volume já apreendido, numa operação que contou com atuação da Polícia Federal, Ibama, Receita Federal, ANM e Marinha. Os 186 contêineres que seriam enviados à Ásia estavam carregados de manganês de origem ilegal, extraídos em áreas irregulares no Pará e vendidos com notas fiscais "esquentadas" por empresas que detém autorizações de lavra inativas em outros Estados, sem exploração.

A reportagem procurou, insistentemente, as empresas CNB e Sigma para se manifestarem sobre o assunto, mas não conseguiu encontrar nenhum representante das companhias. Foram questionadas ainda as prefeituras das cidades paraenses de Marabá e Curionópolis, além do governo do Pará. Não houve nenhuma manifestação a respeito do assunto.

A PF já instaurou cerca de 100 inquéritos que investigam o esquema criminoso na extração do manganês. As investigações são desdobramento da operação Migrador, que, desde 2018, tem desvendado o modus operandi da exploração clandestina no Pará.

A Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Mineral (ABPM) afirmou que "a extração ilegal de manganês na região sudeste do Pará é problema grave que precisa ser tratado urgentemente pelo governo, porque envolve danos ambientais e sonegação fiscal".

Segundo a associação, se a extração ocorresse de forma ordenada, poderia apoiar o desenvolvimento econômico e social da região. "É preciso não só uma atuação firme da Agência Nacional de Mineração em sintonia com demais órgãos, como Receita, Ibama e Polícia Federal para coibir esta atividade, mas também uma ação de conscientização e transformação destes agentes em mineradores regulares. Para a ABPM, o potencial da região e sua tradição mineral poderiam atrair investimentos e contribuir para melhorar a qualidade de vida dos moradores da região, com empregos, renda e divisas."

Estadão
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