"Foi desesperador", diz filha de Chico Mendes sobre a morte do pai há 34 anos
Nascida no Seringal Cachoeira e separada do pai ao nascer, Ângela Mendes reclama de depredação da memória de Chico Mendes no Acre
Já se passaram 35 anos desde a morte de Chico Mendes (1944-1988), assassinado aos 44 anos, com um tiro no peito, na casa onde morava em Xapuri, interior do Acre. A filha mais velha do seringueiro e ativista ambiental, Ângela Maria Feitosa Mendes, parece ser uma das poucas pessoas preocupadas em preservar a memória dele, que virou música no clássico 'Xote Ecológico', de Luiz Gonzaga.
Hoje, presidente do Comitê Chico Mendes, ela também atua em defesa da Reserva Extrativista (Resex) que leva o nome de seu pai e das pessoas que lá habitam.
"Existe uma mentalidade de apagar a memória do meu pai. O legado dele tem sido depredado ao longo dos anos. A casa dele em Xapuri, por exemplo, está fechada há anos", reclama a ativista, durante entrevista ao Terra na região da qual se tornou guardiã.
A casa de Chico Mendes é tombada patrimônio histórico do Brasil, mas está fechado desde 2018 por risco de erosão e falta de segurança para visitantes. O espaço chegou a funcionar brevemente em 2017, dois anos após uma enchente histórica que atingiu o estado e prejudicou a estrutura da casa, mas logo foi fechado. A expectativa, segundo ela, é que a casa seja reaberta em breve após muita luta em prol do legado do pai.
Na época, o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) justificou que existia um projeto de restauração desde 2014, mas, devido ao incidente, precisou passar por modificações. A Secretaria de Estado de Obras Públicas do Acre afirmou, em recente nota ao Terra, que a casa de Chico Mendes foi reformada pelo Iphan, com recurso federal. Agora, a Prefeitura de Xapuri negocia a reabertura da casa e a utilização de outros imóveis para apoio aos turistas.
Mas, segundo Ângela, esse não é o único atentado à memória de seu pai. Em julho de 2022, uma estátua de Chico Mendes localizada no centro de Rio Branco, capital do Acre, foi derrubada por vândalos. Apesar de ter sido colocada novamente na praça Povos da Floresta doze dias após o ocorrido, apenas um reparo na base da calçada foi feito.
Sem contar a pressão de fazendeiros na Resex, além de desmatamento e insegurança, devido à presença de facções que usam a área como rota de tráfico de drogas. As reservas extrativistas constituem uma área protegida por lei com o objetivo de manter os meios de vida e a cultura das populações tradicionais da região. Por meio do extrativismo, os moradores das Resex criam animais de pequeno porte, praticam agricultura de subsistência e produzem borracha.
A existência de cooperativas na região da Resex Chico Mendes é um elemento forte da sustentabilidade pregada por Ângela Mendes.
"É uma maneira segura de viver da floresta sem precisar necessariamente derrubar árvores", destaca.
Atualmente, a Cooperacre e a Cooperxapuri são as principais cooperativas que atuam no território como intermediárias. Elas transportam o que é produzido pelos moradores da Resex e revendem para fornecedores nacionais e internacionais.
Convivência com o pai, Chico Mendes
O cuidado de Ângela Mendes com a floresta é como uma lembrança viva do próprio pai, com quem não teve a oportunidade de conviver muito tempo. Ainda bebê, ela foi levada pelos tios do Seringal Cachoeira, onde morava com os pais, para morar em Xapuri, devido a problemas de saúde.
"Naquela época, existia uma doença conhecida como 'doença da criança'. Minha mãe teve outro bebê que faleceu com essa mesma doença", explica,
Ela teve a dimensão de quem era o pai aos 16 anos, quando o viu estampar capas de jornais mundo afora. Aos 17 anos, Ângela passou a lutar ao lado de Chico no combate ao desmatamento da Floresta Amazônica e na preservação ao meio ambiente.
"Eu ouvia as pessoas falarem do meu pai, eu sabia que era ele e admirava muito ele", destaca.
Dois anos depois dessa reaproximação, a separação definitiva: Chico Mendes havia sido assassinado no quintal da casa onde morava. Ângela tinha 19 anos quando perdeu o pai.
"Foi uma situação desesperadora. Eu não convivi muito com ele e eu já tinha um trauma por conta disso. As notícias de que ele estava sendo ameaçado chegavam pra mim de forma muito impactante. A gente estava em uma retomada de relação. Foi muito sofrido", lembra.
Se naquele 22 de dezembro de 1988 morria Chico Mendes, nascia também o seu legado, por meio do Comitê Chico Mendes. Ângela esteve à frente do projeto, mas se afastou logo depois de descobrir que estava grávida. Como havia muita pressão política e disputas para entender quem daria continuidado ao legado do ativista, ela preferiu cuidar da saúde.
Ângela voltou à instituição em 1992 e não saiu mais. Desde 2016 são desenvolvidos projetos como o 'Jovens do Futuro' e o 'Conecta Resex', e, além de capacitar jovens da Reserva Extrativista Chico Mendes para levar a comunicação da floresta para o mundo, o comitê celebra anualmente a Semana Chico Mendes.
Há 33 anos, entre 15 e 22 de dezembro - datas do nascimento e morte do líder seringueiro -, o instituto promove a discussão de pautas ambientais por meio de debates e palestras. Em 2022, o tema foi "Amazônia e Emergência Climática: Reflorestando o Pensamento a Partir das Vozes da Floresta".
"A carta que meu pai deixou é atemporal. Os jovens pelo mundo já estão fazendo coisas incríveis, só precisam manter a constância e a continuidade", destaca.