Meio ambiente: Alemanha confirma bloqueio de R$ 156 milhões e põe em xeque acordo Mercosul-UE
Além dos cortes, decisão do Ministério do Meio Ambiente da Alemanha coloca em risco 38 projetos em andamento no Brasil; sobre acordo entre sul-americanos e europeus, pasta disse que mais importante que reiterar compromissos é cumpri-los e afirmou que regras sobre sustentabilidade "são essenciais".
O Ministério do Meio Ambiente da Alemanha confirmou nesta segunda-feira (12) que decidiu congelar investimentos de até 35 milhões de euros (ou R$ 156 milhões) em projetos de preservação ambiental no Brasil.
Em novo episódio da sequência de atritos entre países europeus e o Brasil sobre a proteção de ecossistemas, a pasta também colocou em dúvida o apoio alemão ao acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia, cujo capítulo sobre sustentabilidade seria "essencial", segundo o ministério.
Além dos impactos sociais e ambientais, a controvérsia sobre o aumento brusco no ritmo de desmatamento na Amazônia desde o início do governo de Jair Bolsonaro traz problemas diplomáticos para o Brasil.
Junto ao corte milionário em investimentos e de possíveis impactos no acordo assinado por sul-americanos e europeus após 10 anos de negociações, o governo da Alemanha afirmou que "já discute" mudanças no financiamento do Fundo Amazônia, lançado em 2008 como o maior projeto da história de cooperação internacional para a preservação da floresta amazônica.
Em nota enviada por um porta-voz à reportagem, a ministra alemã do Meio Ambiente, Svenja Schulze, afirmou que "a política do governo brasileiro na Amazônia gera dúvidas sobre se o país ainda busca uma redução consistente nas taxas de desmatamento".
"Somente quando esta clareza for restaurada, a colaboração no projeto pode ser retomada", continuou.
Os investimentos bloqueados faziam parte de uma verba do governo alemão destinada a projetos ligados a clima e biodiversidade em países em desenvolvimento - a Iniciativa Internacional para o Clima.
De acordo com o porta-voz do ministério alemão, "uma chamada para avaliação de projetos de até 35 milhões de euros criada especificamente para o Brasil está bloqueada".
"Um pré-requisito para a cooperação dentro do programa é que o parceiro político (Brasil) apoie o conteúdo dos projetos. Na situação atual, há dúvidas consideráveis sobre isso e, por enquanto, nenhum outro projeto novo será financiado."
Entre 2008 e 2018, este programa do Ministério do Meio Ambiente da Alemanha investiu em torno de 95 milhões de euros (ou 424 milhões de reais) em projetos bilaterais com o Brasil, segundo o porta-voz.
'Incentivos para o desmatamento na América do Sul não devem existir'
Segundo a BBC News Brasil apurou, existem 38 projetos financiados pela Alemanha que já estão em andamento. Eles se dedicam a temas como biodiversidade e clima na Mata Atlântica, desenvolvimento de tecnologias e combustíveis limpos, redução em emissões de carbono em áreas urbanas, proteção de mananciais, entre outros.
A partir de agora, a continuidade dos projetos já iniciados será avaliada "caso a caso".
Questionado no domingo sobre o tema, o presidente Bolsonaro disse que o Brasil não precisa dos recursos. "Ela [Alemanha] não vai mais comprar a Amazônia, vai deixar de comprar a prestações a Amazônia. Pode fazer bom uso dessa grana. O Brasil não precisa disso", afirmou.
"Você acha que grandes países estão interessados na imagem do Brasil ou em se apoderar do Brasil?", prosseguiu Bolsonaro, dias depois da substituição do presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) pelo oficial da Aeronáutica Darcton Policarpo Damião.
Ricardo Osório Galvão, que dirigia o órgão, foi exonerado após ser criticado pelo presidente por ter divulgado dados sobre desmatamento medidos pelo instituto.
"Ele (Policarpo Damião) vai apresentar os números para mim, se forem alarmantes, antes de tomar a decisão (de divulgar). Até para eu me preparar para responder para vocês. Isso tem reflexo no mundo todo", disse Bolsonaro no dia 7.
Só nos 9 estados amazônicos, as áreas sob alerta de desmatamento cresceram 278% na comparação entre julho de 2018 e julho de 2019, segundo o Inpe - um salto de 596,6 km² para 2.254,9 km².
Estes alertas são repassados a fiscais do Ibama, que por sua vez tomam providências para comprovar e controlar o desmatamento.
O porta-voz do país governado por Angela Merkel afirma que "é bom que o governo brasileiro tenha repetidamente reiterado seu compromisso com o Acordo de Paris" - referindo-se ao acordo para redução das mudanças climáticas assinado em 2015.
Mas isso não é suficiente. "Mais importante que isso, é necessário, no entanto, que o Brasil efetivamente cumpra os objetivos climáticos adotados pelo acordo", diz o porta-voz do ministério alemão.
"É precisamente este compromisso que se exige expressamente no texto do Acordo de Livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul. Do ponto de vista do ministério do meio ambiente da Alemanha, o capítulo de sustentabilidade do Acordo de Livre Comércio é um componente essencial."
Detalhes sobre as regras ligadas a sustentabilidade que deverão ser cumpridas para que o acordo seja ratificado ainda não foram fechados pelos países europeus e sul-americanos.
"Atualmente, há apenas versões preliminares. Assim que os textos finais estiverem disponíveis, verificaremos conclusivamente se os padrões de proteção acertados também são atendidos de maneira clara".
"Novos incentivos para o desmatamento na América do Sul não devem existir", continua a nota oficial, que informa que a posição do governo da Alemanha já foi comunicada ao governo brasileiro.
'Agronegócio se prejudica'
O governo alemão também mandou um recado para o agronegócio brasileiro - parte importante da base que ajudou a eleger Bolsonaro.
"O aumento no desmatamento não é um problema apenas para o clima global. A agricultura brasileira também se prejudica, porque o corte de árvores também destrói a biodiversidade, os recursos naturais e a abundância de água", diz a nota enviada à BBC News Brasil.
Nos últimos 11 anos, o governo alemão doou cerca de US$ 100 milhões (ou R$ 380 milhões) para o Fundo Amazônia. A principal responsável pelo financiamento é a Noruega, que doou cerca de US$ 1,2 bilhão (ou R$ 4,6 bilhões, em valores corrigidos) para o fundo.
As doações são condicionadas, entre outros fatores, ao controle das taxas de desmatamento na floresta. Quanto menores, mais verbas são doadas pelos países-membros.
Hoje, os recursos são aplicados em 103 projetos ligados à proteção ambiental nos Estados amazônicos, como ações envolvendo tribos indígenas e programas contra queimadas.
Em junho, o ministro do Clima e Meio Ambiente da Noruega, Ola Elvestuen, afirmou em nota enviada à BBC News Brasil que o Brasil não pode fazer "mudanças na estrutura do Fundo Amazônia sem o consentimento" do governo norueguês.
A autoridade do país europeu admitiu que o encerramento do fundo é uma possibilidade real, mas disse que o objetivo do país é continuar a parceria com o Brasil.
O governo alemão também comentou o tema. "Do ponto de vista do Ministério Federal do Meio Ambiente, a participação da Alemanha no Fundo Amazônia também deve ser revista. Além da Alemanha, a Noruega e a petroleira brasileira Petrobras também estão pagando recursos substanciais que o Fundo consegue investir em medidas para reduzir as taxas de desmatamento."
"Uma decisão sobre como proceder em relação ao Fundo Amazônia deverá ser coordenada com os outros doadores do ponto de vista do ministério. Nós já estamos falando sobre isso", afirmou o porta-voz.
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