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A história de Miranda e Itapira: onças curadas de feridas graves em incêndios retornam ao Pantanal

Animais foram apelidados por biólogos após serem resgatados. Elas receberam bandagens nas patas e tratamentos avançados; colar de monitoramento acompanha recuperação no habitat

6 nov 2024 - 09h46
(atualizado às 13h48)
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O Pantanal foi acometido este ano pela maior série de queimadas da história. De acordo com um relatório divulgado em setembro pelo MapBiomas, entre janeiro e agosto foram 11,39 milhões de hectares consumidos pelo fogo, na maior área úmida continental do mundo. Esse número é 116% maior que o registrado no mesmo período do ano passado. Em relação à média dos anos anteriores, a área queimada no primeiro semestre foi 529% maior.

As consequências das queimadas são inúmeras: perda de vegetação nativa, agravo de doenças respiratórias, fumaça, e, claro, a morte de animais. Estima-se que, entre janeiro e agosto, 17 milhões de vertebrados tenham morrido em decorrência das queimadas. Entre os que não morrem, existem também os animais que ficam com ferimentos graves por entrar em contato com as chamas.

Esse foi o caso de duas onças-pintadas adultas encontradas na base Caiman, a cerca de uma hora de Miranda, no Mato Grosso do Sul. Apelidadas de Itapira e Miranda, ambas foram resgatadas com queimaduras de segundo grau nas patas, tratadas e, agora, devolvidas à natureza. Várias instituições uniram forças nessa tarefa: ONG Onçafari, Ibama, Instituto Nex No Extinction, Grupo de Resgate Técnico Animal Cerrado Pantanal (Gretap), Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (CRAS) e Hospital Veterinário Ayty.

A bióloga e coordenadora de Operações da Base Caiman do Onçafari, Lilian Rampim, afirma que são diversas as causas das queimadas no Pantanal. "A queimada acontece em função de alguns fatores que caminham de mãos dadas. No Pantanal, plantas e bichos funcionam de acordo com as estações. Com a seca brava que aconteceu, esse ciclo das águas foi quebrado; consequentemente, acaba se criando uma camada de muita matéria orgânica seca, que vira combustível e tudo é tomado pelo fogo."

Rampim afirma que, só na área da base Caiman, 85% da vegetação foi consumida pelo fogo. É lá que Itapira mora. A onça de dois anos é filha de Isa, uma outra onça-pintada reinserida no Pantanal em 2016. Com as queimadas, Itapira queimou as patas de forma grave, e não estava conseguindo se locomover adequadamente.

"Ela estava se arrastando para se deslocar de um ponto para o outro, usando a parte do antebraço aqui para evitar o contato das patas com o solo." Foi quando os biólogos do Onçafari perceberam as pegadas arrastadas de Itapira que resolveram resgatá-la.

A coordenadora explica que o Onçafari só recolhe animais que realmente precisam de intervenção. "A gente viu algumas onças que tiveram suas patinhas machucadas, mas a gente não interferiu, porque a gente sabia que elas mesmas conseguiriam se restabelecer. Onças curam suas feridas lambendo", explica ela.

Além de onças, a equipe resgatou outros animais, como antas. "Resgatamos a Melancia, que é uma anta que tinha na época tinha seis meses de idade, e o Valente que tem esse nome porque atravessou o fogo para correr, e teve as orelhas e mãos derretidas". Ambas as antas ainda estão sob tratamento, e serão devolvidas à natureza em breve.

Itapira foi encontrada no dia 7 de agosto, em uma manilha de alvenaria, utilizada para escoamento de água, em que os animais gostam de se refugiar. Para resgatá-la, o veterinário da equipe utilizou um dardo livre, com a dose certa de anestésico. Depois disso, ela foi levada para a base do Onçafari, onde recebeu cuidados básicos, como pomada para assaduras e uso de bandagens nas patas.

"Fizemos um teste para medir a extensão das feridas, e tava muito, muito queimado. As patas estavam inteiras vermelhas no sangue vivo. Nós fizemos um teste da exposição das garras, para ter certeza de que ela voltaria a caçar novamente, e graças a Deus o fogo não pegou tendões", conta Rampim.

Itapira, porém, como qualquer gato, não gostou das botinhas de bandagem, e tirava com frequência. Por isso, ela precisou ser enviada para o Instituto Nex No Extinction, em Brasília, onde recebeu tratamentos mais avançados, como ozonioterapia e laserterapia.

Depois disso, Itapira foi transportada de volta para seu habitat, e devolvida no dia 5 de outubro para a mesma manilha onde foi resgatada. Rampim conta que todos os animais reinseridos na natureza usam um colar de monitoramento, e que, por meio deles, o Onçafari tem acompanhado a onça, que está completamente recuperada.

Já Miranda foi resgatada no dia 15 de agosto em uma propriedade vizinha. Os habitantes locais perceberam que a onça-pintada estava em uma manilha havia três dias, sem se locomover. Eles perceberam que ela cheirava mal, e desconfiaram que moscas tinham pousado em seus machucados. Então, pediram ajuda ao Onçafari, que, com o apoio dos Bombeiros e outras instituições, resgataram a onça para tratamento.

"Por causa das queimaduras gravíssimas nas patas, ela não estava conseguindo lamber, e já tinha moscas com larvas; ela já estava tomada de bicheiras nas patinhas", relata Rampim.

Miranda foi levada para o Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (CRAS) de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, e permaneceu durante quase um mês e meio, quando também foi solta no mesmo local, sob monitoramento.

Agentes de controle de população

A bióloga do Onçafari destaca o quão importante é preservar a vida das onças-pintadas no Pantanal, como agentes de controle de população. "A onça é um controlador de ecossistema. Isso significa que um ambiente que tem uma onça-pintada, que é o topo de cadeia alimentar, é um ambiente controlado, onde nunca vai ter uma uma superpopulação de presas."

Para dar continuidade às ações do programa Recupera Pantanal, que se propõe a combater incêndios, resgatar animais feridos e prevenir novas queimadas no bioma, a ONG Onçafari está promovendo um leilão, que ocorrerá em 21 de novembro. O leilão conta com mais de 20 itens com lances iniciais a partir de R$ 600.

Estadão
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