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Argentina vai copiar Trump e abandonar Acordo de Paris? Saída da COP afeta negociações?

Especialistas criticam governo Milei no país, que sofre com seca, ondas de calor e outros extremos climáticos; Alckmin e Marina lamentaram decisão

14 nov 2024 - 08h03
(atualizado às 13h26)
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ENVIADAS ESPECIAIS A BAKU - A vitória de Donald Trump para a Casa Branca aumentou a tensão para a Cúpula do Clima (COP-29) em Baku, no Azerbaijão. Isso porque, na 1ª gestão (2017-2021), o republicano tirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, pacto global para frear a alta de temperaturas. A saída da delegação da Argentina da conferência na quarta-feira, 13, gerou críticas e o temor de de que o país também copie a desistência do acordo climático.

O governo Javier Milei já havia chamado a atenção recentemente por ter sido o único a votar contrariamente a uma resolução sobre direitos dos povos indígenas na assembleia geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Nas redes sociais, republicou notícias e elogios sobre a saída da delegação da COP-29. Já críticos chamaram a decisão de "suicida", com impactos negativos sobretudo para a nação sul-americana, e de subordinação ao futuro governo Trump.

Nesta quinta-feira 14, o negociador-chefe da conferência, Yalchin Rafiyev, não quis comentar sobre o tema ao ser questionado por jornalistas, dizendo se tratar de questão exclusivamente bilateral, entre a Argentina e as Nações Unidas.

Já o principal nome à frente do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano (Pnud), Achim Steiner, disse que a saída de um país não interferiria significativamente nas negociações, diante do caráter resiliente das COPs ano a ano.

Diferentemente do Brasil, a Argentina não tem tido um papel mundialmente tão expressivo na discussão climática nos últimos anos, ainda mais depois da posse de Milei, em 2023. Por isso, a notícia não tem sido vista como um baque para o andamento das negociações da COP, que são centradas em financiamento climático (recursos de países ricos para as nações em desenvolvimento).

Há, contudo, dúvidas se a decisão será sucedida de um abandono do Acordo de Paris, após a provável saída dos Estados Unidos no próximo ano. Na prática, questiona-se se outros países negacionistas ou não alinhados à agenda climática mundial possam repetir o gesto.

Alckmin e Marina comentam a decisão: 'sociedade vai cobrar'

Questionado por jornalistas nesta quinta, o vice-presidente do Brasil, Geraldo Alckmin (PSB), lamentou a decisão de Milei. "O negacionismo frente à mudança climática é muito ruim. A ciência está aqui para ajudar a humanidade", afirmou ele, que está na COP-29 para agendas oficiais, como chefe da delegação brasileira. "Está nítida a questão das mudanças climáticas, e a sua repercussão até na economia. Mas isso não vai mudar as relações de Estado (do Brasil com o vizinho)", completou.

Já a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou se tratar de decisão de impacto político e simbólico. E os maiores prejudicados serão os que ficarem "trancados pelo lado de fora", segundo ela.

"Muitas pessoas podem até concordar com posições em relação à questão de costumes, mas não querem ver a vida de suas famílias ameaçada, não querem ver seus negócios sendo prejudicados. Aqueles que estão saindo do Acordo de Paris, se recusando a fazer o dever de casa em benefício da vida, do planeta e de si mesmos, não ficarão impunes em relação à cobranças que suas sociedades irão lhes fazer e já estão fazendo", defendeu.

Nesse cenário, que alguns avaliam como um dos mais difíceis em décadas em termos de negociações geopolíticas internacionais, ganha protagonismo o papel da sociedade civil (empresas, organizações variadas e cidadãos) e dos governos subnacionais (estados, prefeituras e afins) no cumprimento das metas climáticas.

Um exemplo frequentemente citado é o movimento "We Are Still In" ("Ainda estamos dentro", em tradução livre), tomado por alguns estados e empresas após a saída temporária dos Estados Unidos do Acordo de Paris, em 2017.

Por enquanto, parte dos especialistas minimiza a possibilidade de mais saídas do acordo climático, considerando que os Estados Unidos são referência mundial aquém do seu potencial em termos de sustentabilidade e corte de gases estufa.

Entende-se, inclusive, que o próprio vácuo deixado por Trump fortaleceu o papel da China enquanto liderança mundial em algumas das discussões ambientais. E, para além de questões ideológicas, há entendimento de parte da sociedade civil (e de empresas) da importância social e econômica de uma transição verde, com potencial de atração de recursos para países em desenvolvimento.

Embora a delegação argentina tenha deixado o evento, representantes de governos locais e organizações continuam participando de atividades por enquanto. Há, contudo, o temor de que não continuem na COP-29.

Popularidade e crise devem frear reação interna

A Argentina é signatária do Acordo de Paris desde 2016. À época, a Casa Rosada chamou a adesão de "momento histórico". Hoje, com a popularidade do governo Milei e a crise sociopolítica, entende-se que há pouco espaço para a discussão climática no país.

Santa Fé, Córdoba e Misiones estão entre as províncias que são referências no país vizinho do Brasil em políticas de sustentabilidade, mas muitas decisões dependem da liderança federal, como a transição energética para opções de menor impacto ambiental.

A organização Jóvenes Por El Clima Argentina lamentou a decisão. "Não estar representado na COP nos tira a credibilidade e a segurança jurídica, e impede diretamente a chegada de investimentos para a Argentina. Tudo ao contrário do que é um país sério", apontou.

"Outros países vão decidir pela gente", completou. A Argentina também tem sofrido com a emergência climática, com ondas de calor e chuva extrema, dentre outros extremos.

Diretor das organizações Top Social e Common Initiative, o argentino Oscar Soria classificou a decisão como mais uma mostra de uma política externa burlesca para agradar à extrema direita global. "É um grave retrocesso para a economia e o bem-estar dos argentinos: a crise climática está impactando severamente a economia, em especial pelas recentes secas, que afetaram as exportações agrícolas. É uma medida suicida", declarou em rede social.

Diretor executivo da Fundación Ambiente y Recursos Naturales (FARN) Argentina, Andrés Nápoli avaliou que a decisão terá "muitas implicações a nível interno", mas que não afetarão o restante da comunidade internacional. Isto é, não impactariam nas negociações da COP, mas, sim, ao próprio país, isolando-o no cenário mundial.

Uma parte dos especialistas locais também vê possível interferência, contudo, em negociações comerciais entre Mercosul e União Europeia. Dessa forma, poderia impactar em acordos a serem discutidos na reunião do G20, na próxima semana, no Rio de Janeiro.

'Mudanças minadas pelo governo Milei', diz relatório do Parlamento Europeu

Relatório do Parlamento Europeu de outubro apontou que a Argentina tomou algumas medidas positivas para mitigar as emissões nos últimos anos. Como exemplo, cita metas de energias renováveis e a implementação de imposto sobre carbono sobre alguns combustíveis fósseis. Porém, chama a situação de "complexa" desde a eleição de Milei.

"A implementação ineficaz e a falta de ambição limitaram os progressos. Mudanças incrementais - mas positivas - foram minadas pelo novo governo de Javier Milei, que emitiu o Decreto de Necessidade e Urgência, em dezembro de 2023, revogando leis ambientais, como a proteção de terras rurais, leis de mineração e a modificação da Lei de Gestão de Incêndio. Além disso, o governo propôs medidas substanciais cortes orçamentários para ciência e tecnologia", diz o relatório.

Presidente do Azerbaijão chama França de colonialista

Outra crise foi protagonizada pelo anfitrião do evento: na manhã de quarta, o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, acusou a França de ter cometido crimes "colonialistas" e que seria responsável por parte da crise climática em alguns de seus departamentos ultramarinos, como Martinica, Guadalupe, Guiana Francesa e Polinésia Francesa.

Na Nova Caledônia, na Oceania, protestos em maio acabaram com mortes confirmadas, o que chamou de "violações dos direitos humanos". O próprio Azerbaijão também é criticado pelo autoritarismo e prisão de jornalistas. O atual presidente está no poder há cerca de 20 anos, após substituir seu pai, Heydar Aliyev.

A declaração recebeu poucos aplausos de lideranças, mas não do secretário-geral da ONU, António Guterres, presente no evento. As falas ocorreram durante painel sobre os efeitos da crise climática em pequenos países insulares.

Depois disso, a ministra da Transição Ecológica da França, Agnès Pannier-Runacher, anunciou o cancelamento de sua viagem à COP-29 e chamou as declarações de "inaceitáveis". Os negociadores climáticos do país continuarão no evento. Antes disso, as relações entre os países já eram tensas, devido à proximidade francesa com a Armênia, país com histórico de anos de conflito com o Azerbaijão.

* A repórter Priscila Mengue viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade

Estadão
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