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Como o fogo no Pantanal devastou um santuário de araras-azuis

Estância no Mato Grosso do Sul que é sede de projetos ambientais teve 80% de sua área queimada

15 ago 2024 - 03h10
(atualizado às 08h16)
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Uma visão de drone mostra fumaça subindo de um incêndio no Pantanal, a maior área úmida do mundo, em Corumbá, estado de Mato Grosso do Sul, Brasil, 12 de junho de 2024.
Uma visão de drone mostra fumaça subindo de um incêndio no Pantanal, a maior área úmida do mundo, em Corumbá, estado de Mato Grosso do Sul, Brasil, 12 de junho de 2024.
Foto: Reuters/Ueslei Marcelino

Comandado pela bióloga Neiva Guedes, o Instituto Arara Azul atua no Pantanal há quase 30 anos. Ele foi criado para garantir a reprodução e a permanência das aves em seu habitat, protegendo-as do tráfico de animais e de outros riscos. Nesse período, conseguiu aumentar a população de araras-azuis e até expandi-las para outras regiões do bioma.

Mas, nos últimos anos, o trabalho de conservação realizado pelo instituto convive com mais uma ameaça recorrente: o fogo.

Embora incêndios façam parte até certo ponto do ecossistema do Pantanal, Guedes descreveu o evento que atingiu a propriedade onde está a base principal da organização, no Mato Grosso do Sul, nos dias 1.º e 2 de agosto, como algo sem precedentes.

"Foi um fogo avassalador, numa velocidade e impacto que a gente nunca viu, queimando árvores centenárias", disse ao Estadão.

Muitas dessas árvores são justamente a base da alimentação das araras-azuis. Elas são especialistas (se alimentam apenas de determinadas espécies) e comem os frutos das palmeiras acuri e bocaiúva, que podem levar um ano e meio ou mais para produzir novos frutos. Até lá, o projeto planeja suplementar a alimentação das aves.

Segundo Guedes e o proprietário da área, Roberto Klabin, o incêndio consumiu quase 80% da Estância Caiman entre o fim de julho e o início de agosto. Além do santuário das araras, a fazenda de 53 mil hectares no Município de Miranda (MS) abriga outros projetos ambientais, como Onçafari e Instituto Tamanduá.

De acordo com a coordenadora do Instituto Tamanduá, Flávia Miranda, foram resgatados uma onça, dois tamanduás, três antas e um jabuti com ferimentos após os incêndios. A maioria não sobreviveu. O instituto planeja instalar um hospital veterinário em sua casa base na Caiman para melhorar o atendimento emergencial aos animais.

A chuva e a frente fria que chegaram ao Pantanal na semana passada ajudaram a controlar o fogo na parte sul do bioma. As organizações estão atuando em conjunto para monitorar e cuidar dos animais afetados.

Segundo Flávia Miranda, o Instituto Tamanduá ainda estava reabilitando filhotes que perderam suas mães nos incêndios de anos anteriores. Com a aproximação do fogo em 2024, tiveram que retirá-los da vida livre e recolocá-los em cativeiro.

"Se a gente colocar na balança de um projeto de conservação, é voltar para a estaca zero, começar de novo tudo que a gente fez desde 2020?, lamentou.

A Caiman já havia sido afetada pelo fogo em 2019, quando teve em torno de 60% de sua área queimada. Na época, segundo levantamento do Instituto Arara Azul, metade dos ninhos ativos com filhotes ou ovos foi atingida.

Em 2024, o fogo chegou quando as aves ainda estavam no início do período de postura de ovos.

Além do monitoramento, os técnicos do instituto estão adotando medidas de mitigação para garantir a reprodução das araras, como a recuperação e instalação dos ninhos e de cintas metálicas nas árvores para evitar a subida de predadores.

O bioma vive o ano mais seco de sua história e vem enfrentando focos de incêndio desde maio e junho, iniciados antes do período de maior seca, normalmente concentrado de agosto a outubro.

A área queimada ainda não superou os 3,9 milhões de hectares de 2020, mas, como lembra o diretor do SOS Pantanal, Gustavo Figueirôa, o bioma ainda tem meses de seca pela frente.

"As condições climáticas esse ano estão piores para queimar do que em 2020, então o cenário é pior. O que vai fazer a diferença para passar ou não do número daquele ano é a resposta aos incêndios", disse.

Controlado na região do Pantanal Sul, onde está a Caiman, o fogo agora atinge áreas do Pantanal Norte, no Mato Grosso, incluindo a maior reserva natural privada do bioma, a RPPN Sesc Pantanal.

"O que preocupa agora, principalmente, é o foco do Pantanal Norte, que começou na reserva do Sesc e está descendo com força. Já devastou muitas áreas e está quase chegando no Parque Estadual Encontro das Águas", alertou o diretor da SOS Pantanal.

O parque também foi atingido em 2020 e 2021 e abriga o maior santuário de onças pintadas do mundo.

Em nota, a reserva informou que "o Polo Socioambiental Sesc Pantanal trabalha desde o início deste mês para o controle dos focos de calor" em conjunto com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Mato Grosso, Prevfogo/Ibama e fazendas no entorno.

Estadão
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