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COP-28: o que esperar de EUA, União Europeia e China? Como as guerras e o petróleo atrapalham?

Verba para transição energética e adaptações à crise climática travam sucesso de acordos para cortar emissões de gases estufa; recente cooperação Washington-Pequim reacende esperança

3 dez 2023 - 09h11
(atualizado às 09h36)
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A Cúpula do Clima (COP-28) das Nações Unidas começou na quinta-feira, 30, sob ceticismo. Não bastasse a inação dos países mesmo diante de desastres naturais cada vez mais frequentes, sobretudo no último ano, os líderes mundiais se reúnem em Dubai em meio a dois confrontos internacionais de grande porte. A guerra na Ucrânia e o conflito entre Israel e o Hamas têm drenado recursos financeiros e aumentado a desconfiança em negociações multilaterais.

O lançamento de gases do efeito estufa na atmosfera bate recordes e 2023 foi o ano mais quente já registrado - pelo menos até agora. Governos e empresas anunciam planos de transição energética, mas o ritmo das mudanças desaponta cientistas, que veem um consumo insustentável de combustíveis fósseis.

A escolha dos Emirados Árabes Unidos, um dos maiores produtores globais de petróleo, para sediar a conferência climática deste ano reforça o desalento sobre o compromisso com uma economia descarbonizada.

Além disso, países ricos prometem ajudar os mais pobres na adaptação às mudanças climáticas, mas têm resistido em ampliar o repasse de recursos. Em 2009, na COP de Copenhague, as nações desenvolvidas haviam prometido ajuda financeira na ordem de US$ 100 bilhões anuais a partir de 2020, mas isso foi descumprido.

Líderes de países emergentes - entre eles o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) - têm reforçado a cobrança por esse dinheiro nas negociações globais. A conferência global deste ano começou com uma sinalização positiva: o acordo sobre um fundo de perdas e danos para ajudar países vulneráveis ao aquecimento global, com mais de US$ 400 milhões de doações de nações desenvolvidas.

O anúncio, logo no 1º dia, é "inédito na história das COPs", segundo o negociador-chefe do Itamaraty na reunião, o embaixador André Corrêa do Lago. Embora importante, a medida é vista como tímida diante da urgência da crise.

Donos do petróleo são os anfitriões

"Essa COP não deve ter grandes resultados. A agenda não vai avançar muito, tanto na questão dos financiamentos quanto na redução dos combustíveis fósseis", prevê o diplomata brasileiro Rubens Barbosa, especialista em negociações climáticas.

"Até porque a COP está sendo realizada em Dubai e isso é sintomático", destaca Barbosa. O sultão Al-Jaber, que está presidindo o evento, também comanda a empresa estatal que produz 3% de todo o petróleo consumido no mundo - o que tem ameaçado a credibilidade da COP.

Entre os grandes produtores de petróleo, de acordo com o especialista em mudanças climáticas Eduardo Viola, professor de Relações Internacionais da FGV e do Instituto de Estudos Avançados da USP, "há uma defesa da tecnologia de captura e estocagem de carbono. Uma tecnologia cara, mas que permitiria redução (de emissão de carbono) não tão drástica".

Para Barbosa, outra evidência dessa contradição é o Brasil receber convite para integrar a Opep+. Essa é uma espécie de grupo expandido, que agrega os 13 membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e mais dez países, entre eles Rússia, México e Malásia. Na COP-28, Lula disse que a participação brasileira no grupo é importante para convencer países produtores de petróleo a reduzirem a exploração de combustíveis fósseis.

O presidente francês, Emmanuel Macron, foi um dos poucos líderes ocidentais a apelarem abertamente pelo fim do carvão, do petróleo e do gás. Segundo ele, essa deveria ser a "prioridade máxima" para os países desenvolvidos eliminarem gradualmente os combustíveis fósseis.

Já o rei Charles III falou sobre a urgência de lutar contra a crise climática na abertura da conferência, mas o Reino Unido atravessa contradições internas. Em dezembro de 2022, o governo aprovou a abertura da primeira mina de carvão em três décadas.

Produção a todo vapor

Especialistas dizem que houve, sim, alguns avanços desde a COP de 2015, quando foi assinado o Acordo de Paris, cujo objetivo era limitar o aquecimento global a níveis relativamente seguros. Os Estados Unidos, a União Europeia e algumas outras nações conseguiram reduzir emissões (ainda que não em volume significativo) e aumentar o uso de energias renováveis, particularmente nas áreas de transporte e eletricidade.

No entanto, os EUA também estão produzindo volume recorde de petróleo e foram o principal exportador de gás natural no 1º semestre. A China está investindo pesado em energia renovável, mas, por outro lado, está construindo novas usinas movidas a carvão.

"Os Estados Unidos aumentam a produção de petróleo, enquanto a produção de carvão cai cada vez mais. O carvão foi substituído por gás, por isso as emissões caíram nos últimos anos", explica Eduardo Viola.

"O presidente (Joe) Biden não queria aumentar a produção de petróleo, mas a partir da invasão russa à Ucrânia tudo mudou. Com isso, os EUA são favoráveis às medidas de proteção ao clima, mas ao mesmo tempo aumentam a produção de petróleo. Uma contradição", aponta Viola. Biden é uma das principais ausências no evento de Dubai, após ter ido a duas COPs seguidas. Os principais representantes da Casa Branca este ano são a vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, e John Kerry, enviado especial para o clima.

Segundo Viola, Pequim tem seguido um caminho parecido em relação aos combustíveis fósseis. "A China aumenta a produção de energia renovável, mas aumenta também o consumo de combustíveis fósseis - no caso, carvão. Produz muitos veículos elétricos, mas a eletricidade é basicamente produzida por carvão."

Parte do problema, dizem os analistas, está relacionada ao próprio formato das reuniões climáticas das Nações Unidas, que demandam acordos por unanimidade. Ou seja, um único país pode colocar tudo a perder. Outro ponto é que nenhum dos acordos tem força de lei.

Guerra atrasa transição energética

A guerra da Rússia contra a Ucrânia teve um papel fundamental: alterou toda a cadeia de produção de petróleo "A guerra mudou tudo, inclusive no mercado de energia", ressalta Viola.

"A Rússia oferecia energia para a Europa e isso acabou. Foi uma mudança estrutural. A União Europeia, que tinha posição de vanguarda em defesa do clima e reduzia emissões desde 2006, neste ano aumentou as emissões, porque tiveram que reativar suas usinas de carvão. O plano de continuar reduzindo emissões continuamente está estancado."

Rubens Barbosa concorda com o colega. "As guerras mudam o foco, fazem os países mudarem. Está todo mundo pensando em Israel, na Rússia, e o meio ambiente fica prejudicado", afirma ele, que foi embaixador do Brasil no Reino Unido e nos EUA. "A Europa teve de abrir mão da energia (limpa) e, por causa da guerra, o carvão passa a ser usado novamente", acrescenta.

O principal objetivo da conferência é avaliar o progresso feito para limitar o aquecimento global em até 1,5°C antes dos níveis pré-industriais (antes de 1850). Acima desse teto, a adaptação humana às ondas de calor, secas, tempestades e incêndios cada vez mais frequentes será extremamente difícil. As temperaturas já aumentaram, em média, 1,2ºC e, para muitos cientistas, já é praticamente impossível manter um patamar aceitável.

Uma notícia recente, entretanto, oferece alguma esperança. Há duas semanas, EUA e China, os dois maiores emissores de CO², concordaram em acelerar os esforços para aumentar o uso de fontes renováveis de energia em lugar dos combustíveis fósseis, embora não tenham estabelecido metas ou prazos.

"A coisa mais importante que aconteceu recentemente foi que durante a conferência de São Francisco, há duas semanas, China e Estados Unidos retomaram a cooperação climática, que estava suspensa desde agosto de 2022?, lembrou Viola. "Vamos ver o que de concreto isso significa."

Estadão
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