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COP: por que é importante e quem discute racismo na cúpula do clima?

Onze líderes comunitárias participam da Conferência do Clima, em Dubai, para incluir a questão racial nas discussões sobre crise climática

10 dez 2023 - 09h10
(atualizado em 11/12/2023 às 14h32)
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Cidade foi tomada pelas águas após forte chuvas
Cidade foi tomada pelas águas após forte chuvas
Foto: Reprodução/Facebook

Quando chove forte, as ruas da Vila Brasilândia - assim como acontece em muitos bairros de São Paulo - ficam alagadas por causa do transbordamento dos córregos. Quem mora nos morros, na parte alta, não está livre dos transtornos: ali, o risco é de deslizamentos de terra. As dificuldades são grandes também com as ondas de calor porque as casas são baixas, muito próximas umas das outras, o que dificulta a circulação de ar. E faltam áreas verdes. 

A situação na zona norte de São Paulo indica que os eventos climáticos afetam todas as pessoas, mas não na mesma proporção. Chuvas, alagamentos, secas, vendavais, deslizamentos de terras atingem de forma ainda mais dramática os mais vulneráveis, que são maioria nas áreas de risco.

E as mulheres negras sofrem ainda mais por conta do peso histórico do machismo e do racismo, que se traduz em dificuldades de acesso à saúde, educação e emprego. Além disso, são as principais responsáveis pelo trabalho do cuidado, em casa e nas comunidades, e chefiam boa parte dos lares.

Para fazer um alerta global sobre os efeitos da crise climática sobre o maior segmento populacional do Brasil, onze mulheres negras - líderes de favelas, comunidades quilombolas, de terreiro, pesqueiras, agrícolas e ribeirinhas - participam da Conferência do Clima (COP), em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, entre os dias 30 de novembro e 12 de dezembro. O grupo "Rede Vozes Negras pelo Clima" quer incluir a perspectiva racial na discussão sobre mudanças climáticas.

A Rede é parte do projeto Mulheres Negras e Justiça Climática, da Anistia Internacional Brasil, que apoia o grupo em programas de capacitação e de desenvolvimento e procura denunciar o racismo ambiental, mas também as soluções encontradas.

As líderes vão apresentar um relatório que mostra como o racismo ambiental se materializa na dificuldade de acesso à água, meio ambiente saudável e falta de saneamento básico, exposição a inundações (risco hidrológico) ou a deslizamentos (risco geológico) em 11 territórios diferentes espalhados por dez estados brasileiros. A estratégia do grupo é reivindicar uma agenda climática antirracista e pautar compromissos dos países com a questão até 2025, quando o Brasil sediará a COP-30, em Belém (PA).

O clamor é mais do que necessário. Não estão previstas discussões sobre as consequências do racismo ambiental na vida das populações negras entre as mais de 200 atividades anunciadas pela conferência nos 12 dias do evento. Por outro lado, painéis sobre gênero e direitos indígenas estão contemplados.

"Atualmente, as políticas para o clima não nos reconhecem, nem aos nossos territórios, como parceiros na proposição de soluções de adaptação e mitigação climática", explica Marilza Barbosa, que representa o Coletivo de Mulheres do Morro do Sossego, na Baixada Fluminense (RJ).

Outra porta-voz é a paulistana Amanda Costa. Líder do coletivo jovem PerifaSustentável, que luta por justiça climática nas periferias urbanas, a ativista é influencer e apresentadora do programa sobre crise climática #TemClimaParaIsso?. A jovem de 26 anos ajuda a desenvolver o projeto Climate Quebrada, ação de formação e intervenção comunitária para jovens da escola municipal Teotônio Vilela.

"Minha expectativa com a COP é fazer com que a nossa realidade local seja visibilizada internacionalmente. A crise climática já chegou aos territórios periféricos e já é uma realidade na Brasilândia".

Vulnerabilidade dos negros está presente em várias capitais, diz estudo

A vulnerabilidade das pessoas negras não se trata de um problema localizado. Estudo realizado no ano passado pelo Instituto Pólis mostra que, nas cidades de São Paulo (SP), Recife (PE) e Belém (PA), os efeitos da crise ambiental se manifestam de forma desigual, impactando desproporcionalmente pessoas negras, famílias de menor poder aquisitivo e domicílios chefiados por mulheres com renda de até um salário mínimo.

Esses grupos também são os mais afetados por problemas de saúde coletiva, como surtos epidemiológicos decorrentes da precariedade dos sistemas de fornecimento de água e tratamento de esgoto e amplificados pela crise climática.

Na cidade de São Paulo, 37% da população é negra; nas áreas com risco de deslizamento, a proporção é de 55%. Mulheres que ganham até um salário mínimo, responsáveis pelo domicílio, são 8,4% da capital paulista, mas 12,6% nas áreas com risco geológico.

"O estudo mostra que os impactos ambientais nas cidades são socialmente produzidos: não são apenas fruto de eventualidades climáticas, mas sim resultado da negligência do poder público", afirma Ana Sanches, pesquisadora do Instituto Pólis. "A distribuição das consequências desses impactos se dá de forma desigual no território urbano. Esse desequilíbrio é, em parte, a expressão da injustiça socioambiental e do racismo ambiental nas cidades", completa.

Em Recife (PE), onde 68% das pessoas que vivem em áreas de risco são negras, a pauta ambiental do coletivo Ibura mais Cultura se tornou mais urgente após as chuvas do ano passado. Das 132 mortes no estado, cerca de 50 se concentraram no bairro Ibura, na periferia da capital.

Ali, muitas casas não têm saneamento básico ou abastecimento regular de água. A área também corre risco de deslizamento das encostas. "É essencial que as pessoas mais impactadas pela crise climática possam ajudar a propor soluções", afirma Lídia Lins, advogada e coordenadora do coletivo.

* Este conteúdo foi produzido em parceria com a Rede Vozes Negras pelo Clima

Estadão
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