Livro discute bases para o desenvolvimento sustentável da Amazônia: 'Bioeconomia para Quem?'
Obra reúne 12 artigos assinados por 32 autores de instituições acadêmicas e de pesquisa das regiões Norte, Nordeste e Sudeste do País
Na cadeia de valor do cobiçado peixe pirarucu, uma das riquezas naturais da Amazônia, 50% dos ganhos são dos frigoríficos, 35% dos intermediários e apenas 15% dos pescadores. Na castanha-do-pará, 79% dos resultados financeiros vão para a indústria de beneficiamento e apenas 11% para as comunidades da floresta.
Embora a bioeconomia seja a grande esperança para combater as mudanças climáticas a partir da preservação da floresta e de seus povos originários, o mercado de produtos ligados à natureza "ainda carece de um modelo inclusivo de desenvolvimento na região Norte", como mostram os números acima, citados no recém-lançado livro Bioeconomia para Quem? - Bases para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia.
"Para dizer de forma ainda mais clara, são os ribeirinhos, contraditoriamente sem eira nem beira, em grande parte excluídos e mal remunerados", afirmam os organizadores da publicação, Adalberto Luis Val, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), e Jacques Marcovitch, ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP), na introdução.
As pesquisas sobre as cadeias produtivas e a bioeconomia inclusiva, sintetizadas no livro, foram desenvolvidas no âmbito de dois projetos de pesquisas apoiados pela Fapesp, ambos coordenados por Marcovitch. O estudo também conta com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
"Não está em questão, em suas páginas, a boa qualidade dos frutos nativos e dos peixes da região. A guisa de exemplo, o cacau amazônico é mais genuíno e capaz de conquistar os chamados mercados especiais. O sabor e a textura dos chocolates dele derivados são inegáveis. O que se discute é o modelo de comércio, a gestão econômica ou as práticas agrícolas, por exemplo", acrescenta Marcovitch.
Segundo ele, basta dizer que todos os ensaios sobre cadeia de valor publicados no livro, depois de longa e minuciosa análise, expõem um quadro em que se alinham prioridades, ações para evitar riscos e métricas a atingir.
Rios contaminados e crime organizado
Questionado se é possível listar os principais gargalos para o crescimento da bioeconomia inclusiva na Amazônia, o professor citou a contaminação dos rios pelo mercúrio do garimpo e a violência na região como algumas das questões graves "pendentes".
Todos os dias, segundo ele, milhões de ribeirinhos alimentam-se com peixes contaminados pelo mercúrio usado no garimpo ilícito e mesmo no garimpo artesanal permitido.
E o antídoto pode vir exatamente da floresta. Em busca de uma solução, a Embrapa, a Fiocruz e algumas universidades pesquisam efeitos de bioextratos da árvore "pau de balsa", visando estabelecer uma tecnologia com escala capaz de neutralizar este veneno. "Sabe-se que, na Suécia, concebeu-se uma tecnologia em que um eletrodo atrai para si os metais pesados (mercúrio) e purifica as águas", afirmou.
"Outro gargalo tão desafiador é a insegurança pública ocasionada pela ação do crime organizado. Gargalos a serem monitorados com dados mais precisos sobre demografia, trabalho, produção e condições de vida, rastreabilidade para fins sanitários e acesso aos benefícios por parte dos produtores", Marcovicth acrescenta.
Segundo os autores principais, "a complexidade em seu modelo de desenvolvimento, que a vastidão territorial acentua, exige resultados para muito além do desmatamento zero e das adaptações inerentes às mudanças climáticas. Insegurança pública e alimentar, queimadas, comércio nem sempre justo de frutos nativos ou peixes e precariedade sanitária - eis alguns fatores, entre dezenas de outros, que distanciam as populações ribeirinhas de um padrão sequer médio de bem-estar".
Uma questão de cidadania
Falando em desmatamento, os autores do capítulo "Bioeconomia Amazônica e Cidadania", os pesquisadores Olivia Zerbini, Patrícia Pinho, Ariane Rodrigues e Paulo Moutinho, lembram os seus estragos para o planeta e para a população, de uma forma geral, citando que a Amazônia Legal já perdeu mais de 80 milhões de hectares de florestas.
Segundo eles, "o desmatamento é um dos principais responsáveis pelas emissões brasileiras de gases de efeito estufa e, consequentemente, pelo aquecimento global, colocando o país entre os cinco maiores emissores globais".
Os pesquisadores também pontuam que as atividades econômicas ilegais associadas ao desmatamento e à degradação florestal reduzem a qualidade de vida e o índice de progresso social na região amazônica, aumentam os conflitos rurais e a violência, principalmente contra comunidades tradicionais, pequenos produtores e povos indígenas. E também afetam "a provisão de serviços ecossistêmicos, resultando na instabilidade do regime de chuvas, na redução da biodiversidade, na ameaça à segurança alimentar".
"Um livro com esses conteúdos é muito bem-vindo no âmbito do Programa Amazônia+10 (…) A lógica que todos buscamos, para barrar o desflorestamento, é exatamente valorizar as atividades das comunidades e populações tradicionais compatíveis com a floresta em pé", escrevem na "Apresentação" Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente da Fapesp, e Márcia Perales Mendes da Silva, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam), duas das instituições que integram a iniciativa liderada pelo Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa (Confap).
Serviço
O livro Bioeconomia para quem? Base para um Desenvolvimento Sustentável na Amazônia foi publicado pela Com Arte, editora-laboratório do Curso de Editoração da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, e teve apoio da USP, do Inpa, da UFPA e do Instituto Peabiru. A íntegra do livro está disponível neste link.