Lula cita seca para justificar obra em rodovia na Amazônia
Asfaltamento de trecho da BR-319 foi suspenso na Justiça por risco de degradação ambiental na região; governo federal defende conexão por estrada diante de agravamento das secas
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que o governo federal quer retomar a reconstrução e asfaltamento da BR-319, que liga Porto Velho a Manaus, na Amazônia. Segundo ele, o Executivo fará reunião com senadores, governadores e ministros para retomar as discussões sobre a rodovia. Em julho, a Justiça Federal mandou suspender a licença prévia para reconstruir e asfaltar o trecho do meio da BR-319.
"Vamos fazer [a reconstrução da BR-319] com a maior responsabilidade e queremos construir uma parceria de verdade [entre os governos federal e do Estado]", acrescentou. Segundo o presidente, a BR-319 é uma é "estrada olhada pelo mundo", uma vez que lideranças globais defendem a preservação da maior floresta tropical do planeta.
"Queremos a Amazônia não como santuário da humanidade, mas como patrimônio soberano desse País e estudar a riqueza da biodiversidade para que os povos daqui vivam e ganhem dinheiro por conta da preservação da Amazônia", afirmou.
Estrada foi construída na época da ditadura
A BR-319 foi construída em 1973, no regime militar, e permaneceu trafegável durante 15 anos. A partir de 1988, no trecho de floresta mais densa, a rodovia começou a desmoronar e está praticamente intransitável há mais de três décadas.
A Manaus-Porto Velho foi construída na época da ditadura em um contexto de ocupar a Amazônia de forma a garantir o controle estratégico sobre a região. A estrada foi aberta com a derrubada da mata e construção do leito carroçável entre 1969 e 1976, quando foi inaugurada pelo então presidente, o general Ernesto Geisel. O asfaltamento dos trechos principais logo começou a se deteriorar.
Hoje, apenas o trecho entre Porto Velho e Humaitá, no sul do Amazonas, com 180 quilômetros, está pavimentado e em boas condições. Quem sai de Manaus também percorre sem grandes problemas cerca de 220 km. Daí em diante, a estrada tem trechos de asfalto destruídos e a maior parte em terra. Há também pontes avariadas.
Após décadas de abandono, em 2019 foi publicado edital de licitação para contratar o projeto básico e executivo de engenharia para a pavimentar o trecho do meio. A licença prévia para o trecho foi emitida pelo Ibama em 2022.
Naquele ano, na campanha eleitoral, o então candidato Lula já havia acenado com a retomada das obras, durante entrevista a uma rádio de Manaus. Ele disse ser "plenamente possível" fazer a conexão rodoviária.
Em abril de 2024, o Observatório do Clima entrou com ação civil pública pedindo a revogação, com o argumento de que foram desconsiderados dados técnicos, análises científicas e pareceres do próprio Ibama elaborados ao longo do licenciamento, apontando o risco de destruição da floresta.
Na liminar, a juíza Maria Elisa Andrade disse que a licença prévia contraria 15 anos de "reconhecimento técnico categórico" de que a obra é ambientalmente inviável. "Não estamos a tratar de outra questão senão a inviabilidade ambiental do empreendimento da BR-319, independentemente de quem seja responsável por tais políticas públicas de controle e prevenção do desmatamento", escreveu.
Logo, prosseguiu a magistrada, "não se trata de 'pré-condicionantes ao licenciamento', mas de verdadeira inviabilidade ambiental da obra, até que o cenário de governança ambiental e fundiária seja drasticamente fortalecido por diferentes atores públicos".
Segundo ela, o Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (Eia-Rima) foi subdimensionado. "Em última análise, o subdimensionamento dos impactos ambientais de grandes empreendimentos tende a esvaziar compromissos nacionais assumidos para mitigar a crise climática", afirmou.