Quem são os 'caçadores de insetos' nas copas das árvores da Amazônia?
Projeto BioDossel quer sequenciar o DNA de 600 mil exemplares de insetos para entender a biodiversidade de insetos que habitam entre 7 e 28 metros da copa das árvores
A fauna da copa das árvores é um continente a ser descoberto, disse o biólogo William Beebe em 1917 em excursão à Guiana Francesa. Mais de um século depois esse ambiente ainda permanece desconhecido, mas um grupo de mais de 400 pesquisadores quer mudar isso.
O Projeto BioDossel busca estudar de forma sistemática e profunda os insetos que habitam o dossel - altura entre 7 e 28 metros da copa - das árvores na Amazônia. Sob coordenação de José Albertino Rafael, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), o projeto busca responder diversas perguntas sobre esses animais. Entre as mais importantes estão de que forma essas espécies são afetadas pela ação humana e como é a biodiversidade vertical da floresta.
Albertino destaca que só se conhece um milhão de espécies de insetos no mundo, mas é razoável estimar que esse número deve ultrapassar 5 milhões e pode chegar a 10 milhões. Para o coordenador, é assustador pensar em como se conhece tão pouco dos insetos, enquanto seres humanos continuam queimando e dizimando as espécies.
"Como nós estamos fazendo as coletas (de insetos no dossel) nesse momento, esse é um banco de dados muito útil para daqui a seis, dez anos fazer novas coletas e ver qual o impacto do aumento da temperatura, da diminuição de chuvas, das queimadas na população dos insetos."
O projeto começou a partir de um estudo publicado na revista Nature em 2022 que trazia os resultados de uma investigação da fauna na copa das árvores na Amazônia. Foi uma mostra pontual, que trouxe um resultado surpreendente, como define Albertino.
Por meio do estudo, os pesquisadores concluíram que 61,6% das espécies que faziam parte da amostra não eram coletadas no solo, e a maioria se tratava de insetos ainda não descobertos.
Albertino conta que a 28 metros do chão os insetos são muito abundantes e bastante diferentes das espécies do solo, já que, no alto da árvore, há grande quantidade de folhas, flores e frutos. Eles, por sua vez, outros animais que os predam ou mesmo parasitas, o que forma um ecossistema próprio ainda desconhecido pela ciência.
O material genético de cerca de 600 mil exemplares de insetos será sequenciado para o Projeto BioDossel. "Isso é algo que nunca foi feito no mundo até hoje", relata o coordenador. Até setembro de 2025, os pesquisadores farão a captura dos animais em três pontos diferentes da floresta: a norte de Manaus, a oeste do Rio Negro e a sul do Rio Solimões.
Armadilhas irão reter insetos de cinco estratos em diferentes alturas da árvore: a 0, 7, 14, 21 e 28 metros. Cada armadilha irá capturar entre 15 mil e 20 mil exemplares, que serão coletados pelos pesquisadores a cada 15 dias e enviados a laboratórios.
Mas como analisar tantos animais de uma forma eficiente e financeiramente viável? Para isso, os pesquisadores decidiram utilizar o método e fluxo de trabalho do Museum für Naturkunde, de Berlim. "Eles estão nos apoiando quanto à metodologia de extração e sequenciamento de DNA", diz Albertino.
O projeto conta com parcerias de laboratórios da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), além de sequenciar o material também no INPA.
Geralmente, após a coleta do animal, há uma triagem em que formiga, besouro, moscas, gafanhotos são separados. Em seguida, os cientistas analisam o material genético e os identificam.
No Projeto BioDossel, é diferente. Antes da triagem, há a extração e sequenciamento do DNA. Sequências idênticas, que indicam espécies iguais, são reunidas em potes e, somente a partir desse, ponto grupos de formigas, besouros, moscas são separados. Os especialistas os recebem já agrupados e irão informar a qual espécie pertence ou se trata-se de um animal ainda não descoberto.
O professor do Departamento de Biologia da FFCLRP Dalton de Souza Amorim lidera um dos laboratórios que irá sequenciar os exemplares. Ele é responsável também por analisar moscas capturadas pelo projeto. "Mas eu não consigo descrever espécies novas de grilos, gafanhotos, mariposas e borboletas. Então a gente precisa de uma rede de especialistas trabalhando com material", explica.
Uma solução para o mundo
Ao analisar os insetos que habitam o planeta, é mais fácil observar os que estão ao chão do que aqueles que vivem há 28 metros de altura. No caso do artigo publicado em 2022, os pesquisadores aproveitaram uma torre metálica do INPA para instalar armadilhas semelhantes a uma rede mosquiteira em cascata. O tamanho amplo delas, 4,5 metros de largura e 2 metros de altura, torna a captura mais eficiente.
No entanto, para coletar insetos em outros pontos da floresta foi preciso pensar em outra solução. Os pesquisadores decidiram ancorar as armadilhas nos galhos de árvores emergentes, que têm o dossel maior do que as demais.
Segundo Amorim, esse sistema deve se tornar uma solução em todo mundo. "De modo geral, o pessoal usa armadilhas muito pontuais, mas não tinha um método de coleta em massa que pudesse mostrar a biodiversidade", explica.