Seca na Amazônia: cidade já raciona água e teme falta de comida e remédio
Governo do Estado do Amazonas declarou emergência em 20 municípios por causa da falta de chuvas
Um caminhão improvisado com duas caixas d'água tem sido usado para matar a sede de ao menos 7 mil pessoas que vivem em bairros afetados pela estiagem severa no município de Envira, no Amazonas, a 1,2 mil quilômetros da capital Manaus. O período de seca na Amazônia começou no fim do mês passado e vai até o início de novembro. Até o momento, o governo do Estado já declarou emergência em 20 municípios.
Segundo a Defesa Civil de Envira, um dos quatro poços que abastecem a cidade secou, ocasionando o racionamento. O caminhão tem distribuído até 30 mil litros de água em três bairros afetados, de segunda a sexta-feira. As caixas d'água, porém, só têm capacidade para 10 mil litros. Por isso, são necessárias três idas por dia em cada bairro.
"Começamos com a distribuição de água na segunda, quarta e sexta, mas, devido à demanda, agora estamos indo em todos os dias úteis da semana. Pelo nosso cronograma, avaliamos que outro bairro deve entrar na lista", disse o secretário da pasta ao Estadão, Ismael Dutra.
Outra preocupação do município é com o abastecimento de alimentos. Mais da metade do setor comercial do município é abastecido pelo município de Feijó (AC), com as mercadorias sendo transportadas pelo rio Envira. "Hoje, o rio está medindo 1,15 metros na foz do Jurupari e as embarcações já não estão conseguindo chegar", comenta o gestor.
Falta de medicamentos na zona rural
Em 2023, o ápice da seca na região aconteceu em setembro, conforme o gestor. Neste ano, o cenário mais crítico já é visto agora, quando não só falta água na região urbana do município, mas também alimentos e medicamentos para a zona rural.
"Temos pedido há pelo menos dois meses que os ribeirinhos se mudem para a sede do município durante a seca, porque fica muito difícil chegar nessas localidades. Algumas comunidades já estão isoladas. A situação mais crítica é a dos alimentos, porque eles não conseguem pescar, perdem a plantação por falta de água e não conseguem ir até a sede comprar alimentos", descreve o secretário.
De acordo com ele, além das 7 mil pessoas afetadas na zona urbana, há outras 3 mil prejudicadas com a seca na área rural, incluindo populações tradicionais. O total (10 mil) já é mais da metade da população do município (17 mil), segundo o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Uma das comunidades isoladas é a aldeia Macapá, no rio Acuraua, que abriga cerca de 500 indígenas do povo Kulina. "Não conseguimos ajudar todas as comunidades e precisamos da ajuda dos governos. A aldeia Macapá, por exemplo. Antes você chegava lá em uma viagem de 4 horas. Hoje essa mesma distância é percorrida em três dias em uma canoa pequena que só comporta duas pessoas", comenta Ismael.
Crise hídrica histórica
A seca histórica do ano passado afetou mais de 600 mil pessoas só no Estado do Amazonas, onde todos os 62 municípios declararam situação de emergência. Para ele, que pede por ajuda, o cenário deste ano já se configura como uma crise humanitária.
"Tenho 33 anos e nunca vi isso acontecer. A minha mãe, com 64 anos, diz o mesmo. Ver os nossos rios tão secos é algo que mexe muito com a gente. É uma crise humanitária similar ao que o País viu no Rio Grande do Sul. Somos o último município do Amazonas, ficamos muito longe da capital e não estamos acostumados a ver esses fenômenos", disse ao Estadão o secretário da Defesa Civil de Envira, Ismael Dutra.
Desde o fim do ano passado, instituições que monitoram a Bacia Amazônica têm alertado para o risco de uma seca tão severa como a de 2023 se repetir neste ano. No início do mês, o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam) estimou que o nível dos rios pode chegar próximo ou ultrapassar a mínima histórica em 14 estações da região, afetando as bacias dos rios Madeira, Mearin, Negro, Solimões, Tapajós e Tocantins/Araguai.
"Muito provavelmente, vamos ter um período de seca bastante significativo, próximo do que aconteceu em 2023, quando ocorreu a maior estiagem da história da região, considerando que os valores das cotas, neste momento, estão mais baixos do que os níveis registrados no ano passado", disse o analista do Censipam, Flavio Altieri, durante o anúncio do prognóstico.
Até quarta-feira, 17, o rio Negro, em Manaus, media 26,17 metros. A cota está mais de um metro abaixo do nível observado em outros anos para o mês de julho. A cota também estava abaixo do que foi medido no mesmo dia do ano passado, quando o nível alcançou 27,46 metros em 17 de julho.
Estado de emergência em 20 municípios
No último dia 5 de julho, o governo do Amazonas instituiu o Comitê de Enfrentamento à Estiagem e decretou emergência em 20 municípios - todos localizados nas calhas dos rios Solimões, Juruá e Purus. Outro decreto colocou 22 municípios e a região metropolitana de Manaus em "situação de emergência ambiental".
"Nós nos antecipamos. Lá no ano passado, a gente trouxe esse aprendizado, por exemplo, cesta básica, água e filtros, tudo isso já conta com processo licitatório", informou o governador Wilson Lima (União Brasil) na coletiva de anúncio das medidas.
A seca do ano passado, no Amazonas, isolou comunidades ribeirinhas e ocasionou falta de água potável, alimentos e medicamentos. O município de Rio Preto da Eva, na região metropolitana de Manaus, precisou racionar água. Já a cidade de São Gabriel da Cachoeira, a 852 quilômetros da capital, fez racionamento de energia elétrica.
A Zona Franca de Manaus, principal motor econômico do Estado, registrou um gasto adicional de mais de R$ 1 bilhão em transporte, segundo o Centro das Indústrias do Amazonas (Cieam). A maioria dos insumos utilizados nas fábricas é importada de países da Ásia e chega ao Polo Industrial via transporte de navios.