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Temos um super El Niño?

Pico do fenômeno ocorre nos próximos meses. Veja como cada região do Brasil poderá ser impactada.

30 nov 2023 - 05h34
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Texto: Vinícius Lucyrio, meteorologista

O El Niño, fenômeno caracterizado pelo aquecimento anômalo do oceano Pacífico na faixa equatorial, está configurado desde junho, quando a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA, na sigla em inglês), dos Estados Unidos, declarou seu início oficial. A partir deste ponto, os efeitos na circulação atmosférica já começavam a ser mais perceptíveis. Apesar disso, o Pacífico Equatorial já estava em processo de aquecimento acelerado desde o mês de março, quando condições de águas muito quentes, com temperaturas muito acima da média, passaram a ser observadas na costa do Peru e do Equador. 

O que tem gerado muita discussão é: estamos sob atuação de um Super El Niño? Confira a explicações elaboradas pelo meteorologista Vinícius Lucyrio, da equipe de previsão climática da Climatempo.

Foto: Climatempo

El Niño de 2023 pode ser chamado de Super El Niño (Imagem: Getty Images)

Desde então, o El Niño vem ganhando força de forma gradual, e atingiu nesta semana o limiar para ser classificado com intensidade muito forte, quando o desvio das temperaturas na região do Niño 3.4 , que se localiza em uma porção mais central do Pacífico Equatorial, atingiu 2,1°C acima da média histórica. Todas as outras regiões de monitoramento estão com anomalias da temperatura da superfície do mar superiores a 1,5°C acima da média.

Foto: Climatempo

Regiões de monitoramento do El Niño (Fonte: NOAA)

Um super El Niño?

O que tem gerado muita discussão é: estamos sob atuação de um Super El Niño? A resposta é: depende do ponto de vista. Não há um consenso na comunidade científica sobre o que é de fato um Super El Niño. Alguns especialistas consideram o limiar de 2,0°C ou mais de anomalia positiva na região do Niño 3.4 para que o fenômeno atinja a categoria de 'Super', mas outros consideram 2,5°C como sendo este limiar.

Foto: Climatempo

Anomalia de TSM entre 19 e 25 de novembro de 2023 (Fonte: PSL - NOAA)

De qualquer forma, estamos com um fenômeno de muito forte intensidade, e que deverá se manter com esta força ao menos até o mês de janeiro.

Previsões de médio e longo prazo de diversos centros globais de previsão indicam o pico de intensidade do El Niño entre os meses de dezembro e janeiro, com uma força não muito acima do que está sendo observado agora.

Foto: Climatempo

Previsão probabilística do IRI/CPC; a probabilidade de manutenção do El Niño é superior a 80% até o trimestre março/abril/maio (Fonte: NOAA/IRI-CPC)

Considerando a maneira como o fenômeno começou a se configurar, lá entre março e abril, a intensidade atual e a abrangência deste aquecimento expressivo, além dos efeitos que ele têm causado, não se trata de um exagero ou mesmo erro chamar ele de "Super El Niño".

Outro ponto importante a se considerar é o chamado Índice Oceânico do Niño (ONI), que é a média trimestral das anomalias da temperatura da superfície do mar na região do Niño 3.4. No atual trimestre - setembro, outubro e novembro - não teremos este índice superior a 2,0°C, mas nos próximos trimestres, até janeiro, é altamente provável que este limiar seja ultrapassado. E, neste ponto, poderemos chamar categoricamente o fenômeno de Super El Niño.

Brasil terá ainda mais eventos extremos no verão?

Este pico de intensidade trará maior força aos eventos extremos no início do verão no Brasil?

A resposta, mais uma vez, é: depende. A grande preocupação da população está na seca na região Amazônica, das chuvas excessivas e seus enormes transtornos na região Sul, além da possibilidade de novas ondas de calor extremo. 

Os efeitos do El Niño são, geralmente, proporcionais à sua intensidade. Neste ano, além do El Niño, temos um contexto de aquecimento anômalo em quase todas as bacias oceânicas do planeta, acelerando o aquecimento da atmosfera e impulsionando ainda mais os efeitos do El Niño.

Como estamos praticamente no "topo" da intensidade do fenômeno, ainda haverá risco elevado para extremos climáticos, mas não há base para afirmar que eles serão ainda mais intensos, pois a diferença entre o que estamos observando agora e o pico de intensidade será relativamente pequena.

Entramos numa época do ano em que a umidade que escoa da Amazônia para outras regiões do país - principalmente para o Centro-Oeste e para o Sudeste - aumenta, e este fator acaba por inibir o crescimento e fortalecimento de grandes massas de ar seco e quente no Brasil Central, principal propulsor das ondas de calor observadas entre agosto e novembro. A umidade mais elevada acentua o calor, e traz condições de tempo muito abafado, favorecendo a ocorrência de pancadas de chuva especialmente nas tardes e noites.

O El Niño contribui com temperaturas mais altas do que o normal, mas a umidade dificultará extremos prolongados de calor  - que são mais prováveis em áreas do leste do país, entre a Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Teremos menos corredores de umidade atuando durante o verão, e portanto mais dias ensolarados e quentes, com pancadas de chuva isoladas no fim do dia.

Na Região Sul, ainda há risco elevado de transtornos por chuva excessiva em dezembro, principalmente no oeste e sul do Rio Grande do Sul, onde há expectativa de desvios mais expressivos em relação à média histórica.

Na Região Norte, seguirá a condição de chuvas abaixo da média, mas os volumes tendem a aumentar em todas as áreas, sobretudo no oeste do Amazonas e em Roraima. 

O Nordeste sentirá mais os efeitos durante o período chuvoso no norte da região, entre o Maranhão e Rio Grande do Norte, pois a atividade da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) poderá ser prejudicada, gerando menos chuvas sobre estas áreas.

Foto: Climatempo

Efeitos do El Niño no Brasil (Arte: Climatempo)

Até quando o El Niño ficará configurado?

Historicamente eventos de El Niño costumam durar menos do que de La Niña (fenômeno oposto, caracterizado pelo resfriamento anômalo do Pacífico equatorial), em geral até 12 meses. O evento atual, após atingir seu ápice entre dezembro e janeiro, perderá força de forma gradual, ainda se mantendo forte até fevereiro. Até abril, segue decaindo, e entre abril e maio o Pacífico Equatorial deverá passar para uma fase neutra, ou seja, sem aquecimento ou resfriamento anormais. Contudo, a resposta atmosférica poderá se prolongar além do outono, com efeitos ainda no início do inverno de 2024.

Climatempo
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