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Peixes que surgem do céu? Pesquisadores descobrem espécies curiosas na Caatinga

A falta de conhecimento sobre os animais contribui para seu declínio, pois as pessoas não percebem sua presença em poças temporárias

4 jan 2024 - 05h00
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Resumo
Um grupo de pesquisadores brasileiros reconheceu novas espécies de peixes no semiárido brasileiro, conhecidos como 'peixes das nuvens' devido à crença de que eles 'caem do céu'. O grupo ainda tem procurado conscientizar a população da importância da conservação desses animais, que se concentram na Caatinga do RN e CE.
Hypsolebias gongobira, macho encontrado na Caatinga
Hypsolebias gongobira, macho encontrado na Caatinga
Foto: Foto: reprodução @peixesdacaatinga

Imagine uma área caracterizada pela presença do clima semiárido, quente e seco, e, de repente, o surgimento de diversos peixes em locais isolados da região. Recentemente, um grupo de pesquisadores brasileiros identificou novas espécies dos chamados "peixes das nuvens" na Caatinga do Rio Grande do Norte e do Ceará. A espécie é conhecida assim pois moradores locais acreditam que esses peixes 'caem do céu' na região.

Em entrevista ao portal Terra, o biólogo Telton Pedro Anselmo Ramos, administrador da página Peixes da Caatinga, explicou que, durante a chuva, as poças enchem, dando origem aos peixes, levando as pessoas a pensarem que eles 'surgem do céu'.

“Na verdade, o que ocorre é que essa espécie de peixe tem um ciclo de vida único e muito interessante. Eles colocam os ovos e os enterram no substrato. Quando a lagoa enche, esses ovos eclodem, e aí a população se estabelece”, detalha.

Cientificamente, esses animais são chamados de peixes anuais ou killifishes, em inglês. Telton destaca que, geralmente, o habitat dessas espécies está próximo aos rios. Durante as chuvas, os níveis aumentam, fazendo com que a água alcance diferentes regiões da várzea do rio, o que leva ao aparecimento desses seres.

Os peixes dessas espécies só ficam vivos durante a cheia desses ambientes e, devido a isso, o tempo de vida exato ainda não é conhecido, mas estima-se que, após o aumento do nível da água, eles eclodem e começam a se reproduzir em cerca de 15 dias a 1 mês. Durante um período de 2 a 3 meses, eles se reproduzem enquanto a lagoa está cheia, desaparecendo antes ou durante a secagem completa.

Ao todo, o grupo - composto pelos pesquisadores Telton Pedro Anselmo, Yuri Abrantes, Diego de Medeiros Bento e Sérgio Maia Queiroz Lima - identificou três espécies:

  • Hypsolebias antenori - já conhecida e que agora está restrita à bacia do rio Jaguaribe (CE);
  • Hypsolebias gongobira - espécie nova que ocorre na bacia do rio Pacoti (CE);
  • Hypsolebias bonita - espécie nova que ocorre na bacia do rio Apodi-Mossoró e arredores (RN).

Animais ameaçados

Devido à expansão urbana e à falta de reconhecimento por parte das comunidades, a destruição dos habitats da espécie, muitas vezes imperceptíveis, é causada por atividades como o tráfego de cavalos e tratores nos locais. A falta de conhecimento sobre essas espécies contribui para seu declínio, pois as pessoas não percebem sua presença nas poças temporárias. 

Uma das ações do grupo, além de produzir conhecimento científico e identificar as espécies ameaçadas, é construir ações de educação ambiental para destacar os impactos que afetam essas espécies, mesmo aquelas não listadas oficialmente. 

“Procuramos conscientizar sobre a diversidade de peixes na Caatinga, que, muitas vezes negligenciada como uma região árida. Pouca gente sabe, mas o bioma abriga mais de 400 espécies de peixes. Utilizamos plataformas como o Instagram e outras redes sociais para compartilhar essas informações”, explica Telton.

Com ações na comunidade local, escolas e em eventos científicos, o grupo vem conscientizando e apresentando a espécie para a população local, que até então desconhecia a origem e o surgimento dos peixes.

Além das ações pelas redes, Telton também participa de avaliações de espécies ameaçadas de extinção em reuniões com pesquisadores em São Paulo, na sede do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), para avaliar o estado de conservação das espécies ameaçadas no Brasil. 

Nas conversas e trocas com o grupo, o pesquisador relata que a falta de conhecimento é apontada como um grande obstáculo para a conservação, pois as pessoas tendem a preservar aquilo que conhecem. 

Para a reportagem, o pesquisador ainda ressaltou a importância da educação ambiental e da pesquisa, e explicou como surgiu a criação da página Peixes da Caatinga. “O [perfil no] Instagram foi criado como parte do Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Peixes Rivulídeos Ameaçados de Extinção, um projeto nacional de conservação para peixes anuais. Reuniões com pesquisadores, como aquelas realizadas no ICMBio em São Paulo, têm o objetivo de avaliar o estado de conservação das espécies ameaçadas no Brasil. A iniciativa visa superar a falta de conhecimento sobre a biodiversidade da Caatinga, destacando a importância da preservação”, acrescenta.

Poças de água onde os peixes são encontrados na Caatinga
Poças de água onde os peixes são encontrados na Caatinga
Foto: Foto: reprodução @peixesdacaatinga

Outro pesquisador do grupo, Yuri Abrantes acredita que a importância de pesquisar essas espécies em extinção reside no aumento do conhecimento sobre a biodiversidade que esse bioma abriga, bem como, no conhecimento das espécies ameaçadas. “É na Caatinga onde está concentrada a maior riqueza de espécies de peixes das nuvens do Brasil, na qual grande maioria consta na lista vermelha da fauna ameaçada. Então continuar pesquisando e produzindo conhecimento sobre esses organismos é imprescindível para o desenvolvimento das estratégias de conservação”.

Junto com órgãos ambientais federais como o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Peixes (CEPTA-ICMBio), o grupo vem ajudando a conservar a fauna, motivado não por um apelo estético ou filosófico, mas pelo reconhecimento de que cada ser vivo desempenha seu papel no ecossistema, e que a ausência de qualquer espécie pode implicar no desequilíbrio ecossistêmico. 

Apesar da existência de incentivos federais à pesquisa científica, os recursos financeiros são limitados e distribuídos por meio de poucos editais de âmbito nacional, resultando em uma competição intensa por esses recursos escassos. 

Na entrevista, Yuri relatou que, diante desse cenário, pesquisadores buscam financiamentos privados no Brasil, como os oferecidos pelo Instituto Serrapilheira, Fundação Boticário e Fundo Brasileiro para Biodiversidade (FUNBIO), além de buscarem grandes empresas internacionais para o desenvolvimento de seus trabalhos. “Enquanto isso, as alterações ecossistêmicas provocadas pelo homem avançam numa velocidade superior em relação à ciência da conservação. Isso demonstra que não estamos sabendo fazer o dever de casa”, lamenta.

Fonte: Redação Terra
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