Apenas 7% dos rios da Mata Atlântica têm boa qualidade
Levantamento aponta que mais de 20% são considerados ruins ou péssimos; em São Paulo, lago do Ibirapuera melhora e se torna destaque positivo
Regular, ruim e péssimo. Esse é o retrato da condição da água nas bacias hidrográficas da Mata Atlântica. Um dos biomas mais ameaçados do país, e onde se desenvolveram as principais cidades brasileiras, tem apenas 7% de pontos considerados de boa qualidade, de acordo com levantamento da SOS Mata Atlântica.
Realizada anualmente, a pesquisa divulgada nesta terça-feira, 22, Dia Mundial da Água, foi conduzida pelo programa Observando os Rios e mediu a qualidade da água em 146 pontos de coletas de 90 rios e corpos d'água em 65 municípios de 16 estados abrangidos pelo bioma. As coletas e medições ocorreram entre janeiro e dezembro de 2021. Os resultados apontam que 106 (72,6%) dos locais analisados apresentaram qualidade da água regular; 26 (17,8%), ruim e 4 (2,7%), péssima.
Ou seja, mais de 20% dos pontos de rios analisados não tinham condições para usos múltiplos da água, como na agricultura, na indústria ou para o abastecimento humano. Nenhum lugar teve média de qualidade considerada ótima.
De acordo com o levantamento, "a perda de qualidade da água e de condição para usos múltiplos e essenciais pode ser consequência de uma série de fatores presentes no bioma e no País, como a poluição, as precárias condições de saneamento, além da degradação dos solos e das matas nativas em suas bacias hidrográficas".
Há ainda um fator que se soma ao descontrole e à falta de aplicação das políticas ambientais, os eventos climáticos extremos, como as secas e inundações -cada vez mais frequentes e com maior intensidade. "Não estamos numa situação nada confortável", diz o coordenador do programa Observando os Rios, Gustavo Veronesi. "Menos de 50% da população tem acesso a esgoto tratado. A seca diminui a vazão dos rios e aumenta a concentração de poluentes."
A escassez hídrica que atingiu o País é a pior das últimas décadas nas regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste. O diagnóstico torna ainda mais preocupante o que o último relatório do Painel Intergovernamental sobre o Clima (IPCC), da ONU, aponta: grandes períodos de estiagem cada vez mais frequentes em algumas regiões do mundo e do Brasil, como o Nordeste.
A região já sofreu ao menos um mês de estiagem 65% a mais entre 2010 a 2019 em comparação com 1950-1959 e a previsão do painel de cientistas é que as mudanças climáticas já em curso impulsione ainda mais esse fenômeno.
A metodologia utilizada pela pesquisa reúne aos indicadores físicos, químicos e biológicos, parâmetros de percepção que permitem que a sociedade realize o levantamento, de acordo com a legislação, utilizando parâmetros do Índice de Qualidade da Água (IQA), o principal método em uso no País, como temperatura da água, temperatura do ambiente, turbidez, espumas, lixo flutuante, odor, material sedimentável e peixes, além de coliformes fecais, oxigênio dissolvido (OD) e demanda bioquímica de oxigênio (DBO).
Ao todo 97 grupos de monitoramento participaram da pesquisa nos Estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Sergipe e São Paulo.
O levantamento aponta a necessidade de equalização de interesses no uso da água e o fortalecimento dos processos de gestão e governança já previstos na Lei das Águas do Brasil. A pesquisa também ressalta que a medida provisória editada pelo governo federal em 2021, chamada de MP da Crise Hídrica, segue na contramão dessa lógica.
Além de enfraquecer a construção de soluções coletivas, a MP, diz a pesquisa, "desrespeita a Política Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e concentra as decisões sobre uso da água no Ministérios de Minas e Energia (MME), retirando atribuições da Agência Nacional de Água e Saneamento Básico (ANA) e do IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) sobre a regulação da água".
Nem tudo, no entanto, são más notícias. O levantamento mostra que a qualidade da água melhorou em 13 pontos analisados e manteve estabilidade nos indicadores em 88, em relação a 2020. Destaca-se o ponto de análise do lago do Ibirapuera, onde a água foi de regular para boa, com a possibilidade da existência de seres vivos na água. Em 2021 também houve relatos do aparecimento de peixes na parte superior do rio Pinheiros.
Segundo Gustavo Veronesi, a mudança de condição da água em um dos principais cartões postais de São Paulo é resultado direto de obras de saneamento no córrego do Sapateiro, que forma o lago do Ibirapuera. Presidente da Sabesp, Benedito Braga, explica que a melhora também vem da instalação de uma Unidade de Recuperação de Qualidade para a água que corre para ele. "Estamos trabalhando no próprio córrego (com ligações de esgoto) e o resultado é que a água do lago melhorou", afirma.
No rio Pinheiros a situação varia de pontos de péssima qualidade da água a ruim. No entanto, o rio apresenta duas realidades distintas. Segundo Braga, a presença de peixes na parte superior do Pinheiros (da antiga Usina de Traição até a Billings) não espanta, uma vez que as ligações de esgoto naquele trecho do rio já foram feitas. Ele explica, que duas novas Unidades de Recuperação de Qualidade para a parte inferior (da usina até o rio Tietê) serão entregues até setembro. As obras de saneamento no rio Pinheiros, diz Braga, já realizaram a ligação de esgoto em 554 mil imóveis, o que representa 1,6 milhão de pessoas atendidas.
A condição do Tietê, na capital, em relação a 2020, é de relativa estabilidade. O período de pandemia do coronavírus, que mudou os hábitos das pessoas e diminuiu o ritmo da atividade econômica, teve influência na qualidade de suas águas. Relatório prévio do SOS Mata Atlântica mostrou que, em 2020, a mancha de poluição somou 150 quilômetros de extensão e, pela primeira vez desde 2010, não foram registrados trechos com água de péssima qualidade.
O novo relatório aponta estabilidade e melhora em alguns pontos de análise, diz Veronesi. "Em alguns pontos como Santana do Parnaíba já é possível ver melhoras resultantes de obras de sanemanto", afirma. No maior rio da capital, diz a Sabesp, o projeto Tietê já levou saneamento a 12,4 milhões de pessoas desde 1992, quando teve início.
Relatório da CNI aponta atrasos e retrocessos na política da água no Brasil
O sistema de gestão hídrica no Brasil evoluiu pouco e, em alguns pontos, regrediu, diz relatório da Confederação Nacional da Indústria (CNI) que será lançado em junho. Entre os retrocessos, mostra a pesquisa inédita, estão o agravamento de problemas de contingenciamento e o desvio de finalidade dos recursos arrecadados com as outorgas
Segundo a CNI, há gargalos que dificultam a aplicação da Política Nacional de Recursos Hídricos, como os planos de bacia, enquadramento e outorga. A implementação da cobrança pelo direito de uso dos recursos hídricos é um dos pontos mais preocupantes porque não promove o incentivo ao uso múltiplo (irrigação, indústria, doméstico, pesca e pecuária) racional, "não exprime o valor econômico do bem público, nem consegue financiar a gestão da bacia".
De acordo com o gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI, Davi Bomtempo, a segurança hídrica é essencial tanto para a sobrevivência humana quanto para alavancar a economia, com emprego e renda. "É preciso ter um gerenciamento das regras sobre as quantidades de outorgas para os diversos setores", afirma.