Entenda como se forma a nuvem de gafanhoto
Pesquisador da Embrapa explica que proliferação da praga pode ter um ciclo que vai de 8 a 15 anos a partir de longos períodos de temperaturas altas; confira outras hipóteses
As imagens das nuvens de gafanhotos se deslocando na região sul da América do Sul chamam a atenção e despertam a curiosidade. Mas, afinal, como elas se formam?
Segundo o entomologista Dori Edson Nava, do Núcleo de Fitossanidade da Embrapa Clima Temperado, unidade de pesquisas localizada em Pelotas (RS), que acompanha a movimentação dos insetos, há basicamente três hipóteses: ondas de temperaturas mais elevadas, que favorecem a proliferação; vitória na luta natural desses insetos contra outras espécies no meio ambiente; e componentes econômicos, quando, por exemplo, o produtor agrícola reduz o uso dos controles recomendados de pragas, provocando o aumento da população.
"Quando o valor de mercado dos produtos agrícolas é bom, o produtor segue todas as regras de controle. Mas quando há anos nos quais há secas e o preço dos produtos cai, e isso desestimula o produtor, que reduz os controles recomendados, fazendo com que o inseto aumente a sua população", afirma Nava.
Para o entomologista, a aglomeração dos insetos é um problema ambiental regional, que pode ter um ciclo que vai de 8 a 15 anos a partir de longos períodos de temperaturas altas. Segundo ele, há ocorrência de temperaturas mais elevadas nos últimos quatro anos na região que vai do norte da Argentina à Bolívia, passando pelo Paraguai. Isso projeta, portanto, uma possível existência de pragas ainda por um período de mais 4 a 5 anos, segundo o pesquisador da Embrapa.
Nestes casos, segundo Nava, em vez dos dois ciclos reprodutivos anuais (verão e inverno), o gafanhoto pode produzir uma terceira geração de filhotes no ano. Ele lembrou que a Argentina já registrou em 2020 "outras cinco ou seis nuvens" e que há pelo menos outras duas aglomerações do inseto em formação. "Uma, na província de Formosa, na Argentina, e uma outra, mais recente, que se formou num parque no Paraguai."
Segundo o entomologista, na atual nuvem que observamos na Argentina, a população de gafanhotos aumentou muito na região do Chaco, o inseto ficou sem comida e foi estimulado a migrar. "Ele tem um comportamento gregário, consegue formar grupos, essas nuvens, e ele migra para se alimentar e também para se reproduzir", contou.
O pesquisador argumentou que os técnicos que acompanham a movimentação das nuvens na Argentina informam que a nuvem que está em Formosa, próxima da divisa com Assunção, capital do Paraguai, é ainda maior do que aquela que atualmente preocupa as autoridades em Entre Ríos. "Pelo que o pessoal tem comentado nos grupos, essa é maior e tem cerca de 20 km2", disse Nava.
A novidade neste caso é que essa nuvem estaria se deslocando não no sentido do Brasil, nas indo na direção da província de Santiago Del Estero, para o lado da Cordilheira dos Andes, localizou o pesquisador. A outra nuvem, do parque no Paraguai, foi encontrada há uma semana, mas ainda não foi dimensionada.
"O local é de difícil acesso, com vegetação baixa, espinhosa, uma área semidesértica no Paraguai", explicou Nava. O deslocamento dos insetos e uma eventual chegada deles ao Brasil preocupa autoridades do Ministério da Agricultura.
Ele argumentou ainda que, nesta época do ano, há poucas culturas no campo. O plantio de soja, milho, arroz, por exemplo, segundo Nava, só vai começar a partir de setembro e outubro. "O que se tem agora são os cereais de inverno, trigo, centeio e cevada, pastagens e algumas frutíferas", afirmou.
Nava não quis fazer projeção de prejuízos. "Ainda não dá para quantificar prejuízos", alegou. "Fala-se de um milhão de dólares por dia, mas esse é o cálculo levando-se em conta a pior situação no pior cenário. É preciso aguardar", afirmou.
Segundo ele, as próprias autoridades argentinas dizem que a nuvem assusta mais do que o estrago que ela faz, ela impressiona mais pelo tamanho do que o dano causado. Mas é preciso acompanhar", alertou.
Nava lembrou ainda que os últimos ciclos de nuvens de gafanhotos aconteceram nos anos 40, há 70 anos. "Naquela época, chegou ao centro do País, mas não se tinha nem como saber o tamanho exato das nuvens, que poderiam ser muito maiores do que as atuais", disse. "Hoje, temos condições e técnicas de acompanhar a nuvem, fazer o controle.
Lá atrás, nos anos 40, ainda estavam surgindo os primeiros inseticidas e praticamente não havia os produtos que existem hoje e as formas de controle e monitoramento", explicou.
Dados da Embrapa
O gafanhoto em movimento na Argentina é do filo Artropoda, classe Insecta, ordem Orthoptera e família Acrididae. A espécie se chama Schistocerca cancelatta. É gafanhoto migratório sul-americano, não tem cor vistosa, podendo ter uma tonalidade marrom escura. Chegam a medir cerca de 7 a 8 cm, na fase adulta. Na fase jovem, evoluem do tamanho de um mosquito até atingir entre 4 e 5 cm. Podem viver cerca de dois meses. Os machos são menores que as fêmeas.
Eles não são preocupação para o aparecimento de doenças, não trazendo seu contato prejuízos para os humanos. Esse gafanhoto passa por três estágios de desenvolvimento: ovo, ninfa (jovem) e adulto.
As fêmeas fazem a postura no solo e os ovos são colocados numa espécie de estojo. Desses ovos, eclodem as ninfas. As ninfas têm cinco fases de desenvolvimento. Conforme avança o desenvolvimento das ninfas, há um aumento do consumo de folhas.
Elas consomem mais folhas que os adultos. Os jovens não têm asas desenvolvidas, mas possuem o terceiro par de pernas do tipo saltatório (a locomoção é por meio de saltos), por isso a partir do terceiro momento são chamadas de saltões, locomovendo-se por pequenas distâncias. É nessa fase que se deve fazer o controle. Os adultos se alimentam de cerca de 400 espécies vegetais. Ao migrar, o gafanhoto adulto pode chegar a percorrer cerca de 150 Km por dia, dependendo da velocidade do vento.