Estudo mostra campeões de desmatamento cada vez menos desenvolvidos na Amazônia
Cidades que mais desmataram a floresta desde 2018 são mais violentas, desiguais e têm menos oportunidades. Metade delas está concentrada no Pará, Estado com o segundo pior índice de progresso.
Os municípios campeões em desmatamento na Amazônia são os menos desenvolvidos da região, revelou a terceira edição do Índice de Progresso Social, IPS Amazônia 2021, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), publicado nesta segunda-feira (6).
De acordo com o IPS Amazônia 2021, dos 772 municípios amazônicos, os vinte que mais desmataram a floresta desde 2018 são mais violentos, sofrem mais com falta de saneamento básico e têm os piores índices de saúde, educação, acesso à informação e equidade de gênero.
"Em geral, vimos que onde tem muito desmatamento na Amazônia tem muita pobreza e baixo progresso social", explica o autor principal do IPS 2021, Adalberto Veríssimo, pesquisador do Imazon.
O IPS é um índice criado em 2013 por acadêmicos de grandes centros de pesquisa do mundo para analisar as condições sociais e ambientais de países, Estados e municípios.
Diferente do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o IPS considera que medidas de desenvolvimento baseadas apenas em indicadores econômicos são insuficientes para atestar o progresso de uma região.
"Crescimento econômico sem progresso social resulta em degradação ambiental, aumento na desigualdade, exclusão e conflitos sociais", explica trecho da publicação.
Veja abaixo os dez municípios onde houve maior desmatamento da Amazônia desde 2018 e que tiveram as piores notas no IPS (de zero a 100 pontos, em que zero indica o pior índice de progresso social):
1. Pacajá (PA) - 44.34 pontos
2. Portel (PA) - 46,25 pontos
3. Apuí (AM) - 47,49 pontos
4. Senador José Porfírio (PA) - 49,26 pontos
5. Novo Repartimento (PA) - 49,71 pontos
6. Uruará (PA) - 49,84 pontos
7. Anapu (PA) - 49,95 pontos
8. Novo Progresso (PA) - 51,60 pontos
9. Cujubim (RO) - 52,11 pontos
10. São Félix do Xingu (PA) - 52,94 pontos
Em 11º lugar aparece Altamira (PA), com 52,95 pontos. O município é líder em desmatamento no Brasil desde 2009.
Além do desmatamento, o documento destaca que estes locais também estão fortemente associados com conflitos sociais no campo e garimpo ilegal.
"Os dados mostram que o desmatamento da Amazônia não compensa nem para a economia, já que afugenta investidores, não promove inclusão social e esgota os recursos naturais da população, causando mais pobreza", diz Veríssimo.
O exemplo do Pará
Metade das vinte cidades com os piores índices de desenvolvimento social estão no Pará, Estado historicamente líder em desmatamento.
Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), de 1º de janeiro de 2018 a 20 de outubro de 2021 (período considerado no IPS), o Pará desmatou cerca de 16.714 km2, uma área maior que 2.340 campos de futebol.
Além disso, mesmo faltando dois meses para fechar 2021 (os dados foram atualizados até 21 de outubro), o desmatamento no Pará este ano (5.023 km2) já é o maior desde 2009 (5.367 km2).
Entre os nove Estados amazônicos, o Pará obteve a segunda pior nota do IPS Amazônia: em uma escala de zero a 100, o estado paraense somou apenas 52,94 pontos.
Roraima é o Estado com o menor índice de desenvolvimento social, com 52,37 pontos.
Se por um lado o desmatamento avançou nestas áreas nos últimos anos, não houve melhora no índice de progresso social nestes locais desde o último IPS, publicado em 2018.
"Áreas de desmatamento intenso tiveram uma estagnação no seu progresso social desde 2018. Em alguns municípios, o índice chegou a piorar. E em todos eles, os piores indicadores foram o de segurança e o de saneamento básico", explica Veríssimo.
A mensagem do IPS Amazônia 2021 é contrária à fala do ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, durante a Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP26, quando afirmou no discurso de líderes: "onde existe muita floresta, também existe muita pobreza".
"O IPS atesta que este modelo de desenvolvimento baseado em desmatamento e uso predatório dos recursos naturais (extração ilegal de madeira, garimpo de ouro) resulta em baixo progresso social", rebate Veríssimo.
A primeira edição do IPS, de 2003, já havia mostrado que regiões muito desmatadas tiveram um aumento inicial do IDH. Porém, à medida que os recursos naturais foram sendo esgotados, estes indicadores começaram a cair substancialmente.
Há riqueza onde existe floresta
Um estudo publicado em abril conduzido pelo professor associado da Universidade de Nova York, Salo Coslovsky, pesquisador do projeto Amazônia 2030, mostrou que explorar produtos da floresta que não envolvam desmatamento é um comércio internacionalmente lucrativo.
"Neste estudo, examinei todo o comércio exterior dos produtos da Amazônia e identifiquei que há cerca de 60 produtos compatíveis com a floresta", aponta Coslovsky.
O professor explica que "compatíveis com a floresta" são produtos retirados diretamente da floresta e dos seus rios, ou seja, recursos naturais que se encaixam em três categorias: pesca e psicultura; extração florestal não madeireira (a coleta de castanhas e do açaí, por exemplo); alimentos agroflorestais (modelo agrícola onde a produção de alimento preserva a floresta, beneficiando os dois sistemas).
"Identificamos que esses 60 produtos trazem US$ 300 milhões (R$ 1,7 bilhão) em receita anual para a Amazônia. Ou seja, a Amazônia já produz produtos compatíveis com a floresta de excelente qualidade e com preços competitivos no mercado global", afirma Coslovsky.
O estudo também identificou que, apesar de abrigar 30% das florestas tropicais do Planeta, a Amazônia brasileira é responsável por apenas 0,17% em um mercado de US$ 176,6 bilhões (R$ 1 trilhão) anuais.
"Se não é o Brasil, quem domina o mercado global de produtos originários de florestas tropicais? Descobriu-se que são países mais pobres que o nosso e com pouca infraestrutura, como Bolívia, Equador, Tanzânia e Vietnã. Alguns deles não têm nem mesmo saída para o mar", diz o professor.
"O desenvolvimento social e econômico da Amazônia independe de mais asfalto ou da construção de mais estradas no meio da floresta; de mais portos na região ou qualquer outro grande empreendimento. Países com bem menor infraestrutura e com trechos menores de floresta tropical estão dominando um mercado global em que o Brasil poderia ser líder", afirma Coslovsky.
Manter a floresta em pé também é essencial para o restante do Brasil, uma vez que a Amazônia regula o clima e o regime de chuvas de todo o país.
"Todo o Brasil precisa da Amazônia para levar chuvas para o Sul, Sudeste e Centro-Oeste, umidade essencial para as plantações dessas regiões", descreve o professor da UNY.
Áreas desmatadas não são produtivas
Dados do Inpe mostram que a Amazônia já perdeu cerca 20% de suas florestas originais, ao contrário do que afirmou o presidente Jair Bolsonaro em novembro, quando disse a investidores em Dubai que "os ataques que o Brasil sofre quando se fala em Amazônia não são justos. Lá, mais de 90% daquela área está preservada".
Além do dado mencionado pelo presidente não estar correto, somente 10% da área que já foi desmatada na Amazônia está sendo utilizada de forma realmente produtiva.
"As áreas desmatadas têm baixíssima produção. Muitas delas foram, inclusive, abandonadas após o desmatamento", explica Coslovsky.
Além de ajudar a acabar com o desmatamento ilegal, incentivar uma economia sustentável na região pode recuperar as áreas já degradadas.
"A Amazônia é muito grande e cada área requer uma solução O problema não é simples de resolver", pondera. "Mas muitas destas áreas desmatadas e abandonadas podem se tornar, por exemplo, agroflorestas".
O professor dá como exemplo a atual produção do cacau na região amazônica.
"O cacau está crescendo na Amazônia. O produto é típico da região tropical, então ele pode ser plantado em consórcio com outros alimentos típicos, como a banana, formando ali uma agrofloresta", afirma Coslovsky.
Desenvolvimento semelhante ao do Camboja
Em uma escala de zero a 100, o IPS Amazônia 2021 ficou em 54,59 pontos, uma ligeira redução em relação ao índice de 2018 (54,64 pontos), edição anterior do documento.
Em relação à média global, o documento do Imazon compara que, se a região amazônica fosse um país, a Amazônia estaria em posição semelhante ao Camboja, 40º pior país no ranking global do IPS.
Em relação à média nacional, o índice de progresso social na Amazônia também é menor que o índice do Brasil, que foi de 63,29 pontos.
Mato Grosso (57,94), Rondônia (57,20) e Amapá (54,96) são os estados com os índices acima do IPS Amazônia 2021 (54,49), enquanto que os demais estados têm índices abaixo da média. Nenhum dos nove estados da região, contudo, superou a média nacional.
"O IPS 2021 mostra que o desenvolvimento social na Amazônia é inferior ao do próprio Brasil, que também é baixo", alerta Veríssimo.
Para o pesquisador, o retrato da Amazônia atualmente é "de uma tempestade perfeita de destruição ambiental, subdesenvolvimento econômico e dos piores indicadores sociais do Brasil".
Os pesquisadores destacam que o IPS Amazônia não reflete as condições sociais e culturais específicas dos povos indígenas que habitam as Terras Indígenas e das populações quilombolas que ocupam Territórios Quilombolas. Para isso, segundo o Imazon, seria necessário um IPS específico para estes territórios.
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