Geração de lixo sobe 11% no Brasil em uma década
País produz hoje 79 milhões de toneladas de resíduos por ano ante 71,2 milhões em 2010
Passados dez anos da promulgação da lei que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), em agosto de 2010, o Brasil avançou pouco nas ações previstas, principalmente quanto à geração de lixo. Em uma década, o País viu a produção de resíduos sólidos urbanos crescer 11%, passando de 71,2 milhões de toneladas por ano em 2010 para 79 milhões de toneladas agora. Individualmente, os cidadãos geraram cerca de 1,6% mais lixo: antes, eram 373 quilos anualmente por indivíduo e agora são 380 quilos.
Esse incremento também veio acompanhado de leve aumento na cobertura de coleta, que foi de 89% para 92% em todo o País, mas 6,3 milhões de toneladas de lixo continuam abandonadas no meio ambiente a cada ano. Os dados comparativos apresentados com exclusividade pelo Estadão são da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) e os números mais recentes fazem parte do Panorama dos Resíduos Sólidos 2018/2019.
O diretor presidente da entidade, Carlos Silva Filho, explica que o aumento da produção de lixo é esperado, uma tendência que se consolida no panorama e está relacionada ao crescimento do poder aquisitivo das pessoas e do PIB nacional. "O dado mais recente é de 216 milhões de toneladas de resíduos por dia e a tendência é a curva se intensificar e chegar perto de 260 toneladas por dia em 2040", diz.
Ele considera positivo o fato de a coleta avançar mais rápido do que a geração de lixo, mas afirma que é preciso melhorar. "Precisamos aprimorar esse método no sentido de que seja feita a coleta seletiva para que a reciclagem seja viável, para ter sistema de coleta de material orgânico para recuperação melhor e isso não está acontecendo", aponta. Para ele, a espinha dorsal da PNRS é o conceito de que os materiais gerados e descartados têm um valor econômico e devem passar por processo de recuperação.
Dificuldades da política
A política nacional prevê que seja observada a seguinte ordem de prioridade na gestão dos resíduos: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento e disposição final adequada dos rejeitos. Se a primeira ação é pouco viável, parte-se para os demais objetivos, com a PNRS disponibilizando a infraestrutura necessária para lidar com os resíduos da melhor forma. Porém, não é isso que especialistas observam.
"Lamentavelmente, a lei não foi implantada, nem no federal, nem estadual, nem municipal. Quando a gente trata os resíduos como insumo e não com o valor intrínseco que têm. Vamos sempre empurrar, o máximo que puder, qualquer questão ambiental para depois", diz Marcelo Pereira de Souza, professor de Política Ambiental da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP/USP).
Para ele, a falta de interesse dos governos em investir recursos na gestão adequada de lixo é o que tem dificultado a viabilização da PNRS, uma vez que o meio ambiente não é valorizado. "A política nacional está sendo vista como uma política partidária quando, na verdade, é uma política de Estado."
Outro problema a ser enfrentado, segundo o plano, são os lixões, cujo prazo para extinção em todo o Brasil venceu em julho de 2014. Ainda assim, até o ano passado, o País tinha 3 mil desses espaços a céu aberto. "A lei deveria ser implantada com muita urgência e é uma necessidade não apenas ambiental e sanitária, mas social", avalia Souza.
O especialista em gestão de resíduos sólidos Rafael Zarvos, fundador da Oceano Gestão de Resíduos, comenta que o Brasil, muitas vezes, cria leis boas e modernas, como a PNRS, mas de eficácia nula ou muito dificultosas. "É difícil porque os aterros sanitários, por exemplo, são caros. A lei permite que municípios com dificuldades econômicas façam consórcio para criar aterros, mas você tem municípios pobres com dificuldade de licitação", diz.
Zarvos avalia que, ao longo desses dez anos, também faltou incentivo à reciclagem e uma política mais eficiente de logística reversa. Nesse ponto, ele exemplifica que o plástico a ser reciclado tem a mesma tributação de um novo, o que torna o processo caro, uma vez que há cobrança duas vezes em cima do mesmo material.
O diretor presidente da Abrelpe considera que houve alguns avanços, como a ampliação da coleta, cujo índice está, segundo ele, na média dos países de mesma faixa de renda que o Brasil. Porém, ele concorda que em termos de recuperação, reciclagem e destinação adequada, o País ficou estagnado. "Apesar de todos os esforços da PNRS, não conseguimos observar evolução. O índice de reciclagem que antes era de 3%, hoje é próximo de 4%. Antes, tínhamos 42% de destinação inadequada, hoje 40%", diz.
Cenário nos Estados
Os dados da Abrelpe mostram que, juntos, os Estados de São Paulo, Rio e Minas correspondem a 48,36% de toda a geração de resíduos em âmbito nacional. No ranking da geração per capita, São Paulo ocupa a primeira posição, com 1,388 quilos de lixo gerado por dia, seguido por Rio (1,313 quilos), Amazonas (1,075 quilos) e Ceará (1,067 quilos). No panorama da coleta, os Estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste têm a maior cobertura, com índices acima do nacional (92%), enquanto as unidades federativas do Norte e Nordeste têm as piores taxas, com números abaixo de 80%.
"Temos Estados com índices de urbanização avançados, então esse serviço é bem implementado, e temos Estados com áreas rurais, mais distantes, em que a logística acaba sendo mais difícil. Estados como Piauí e Maranhão sequer chegam a 70% de cobertura de coleta. No ano de 2020, é inadmissível imaginarmos que 30% da população não tem um serviço de coleta", diz Silva Filho.
Impacto da falta de política adequada
A destinação inadequada dos resíduos é outro grande problema na ausência de uma política eficiente de gestão do lixo. Segundo a Abrelpe, embora 400 municípios brasileiros tenham deixado de usar unidades inadequadas, que poluem o ambiente, houve aumento de 9,5% no volume de resíduos despejados em tais locais entre 2010 e 2019. Com isso, mais pessoas sofrem com os impactos negativos desse descarte. A estimativa é que essa atitude tenha um custo ambiental e para tratamento de saúde de cerca de US$ 1 bilhão por ano no País, segundo Silva Filho.
"É caro jogar lixo em lixões porque isso gera doenças. Quando se faz um lixão, se esquece de considerar o grave dano à saúde e impacto na rede pública", diz Rafael Zarvos. Além disso, ele cita que cidades com potencial turístico por causa de atrações ambientais sofrem revés por causa do impacto da poluição causada pela destinação inadequada do lixo.
Ações para avançar
Na avaliação do professor da USP, só a implementação efetiva da Política Nacional de Resíduos Sólidos permitirá um avanço na gestão do lixo no Brasil. "O primeiro item é a redução de resíduos e o modo de produção precisa se adequar a isso, é uma responsabilização daquele que produz", diz Souza. A coleta seletiva e uma política reversa, em que o material descartado pode voltar a ser usado como matéria-prima são outros pontos que ele indica.
Uma vez que a responsabilidade pelo ciclo de vida de um produto é compartilhada entre fabricantes, importadores, comerciantes e consumidores, segundo a PNRS, Zarvos acredita que mudança de comportamento e educação ambiental também são fatores importantes, mas reforça que o cidadão não pode ser considerado o agente que mais prejudica. O comerciante comercializa o que foi feito pelo fabricante, que insiste em continuar desenvolvendo produto com design que não favorece a reciclagem", diz.
Ele explica que não adianta indicar que uma embalagem plástica é reciclável se, no momento da separação e destinação para reuso, o material não está nos requisitos necessários de quem recicla, que leva em consideração tipo de resina e cor, por exemplo. Ainda assim, ele destaca a importância da separação dos resíduos dentro de casa entre secos (recicláveis), molhados (orgânicos) e rejeitos (fraldas, absorventes, guardanapos).