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Mudar política ambiental pode tirar o Brasil do isolamento no exterior, diz Rubens Barbosa

Instituto presidido pelo ex-embaixador em Washington e em Londres coordenou estudo da USP que analisou cumprimento de mais de 60 normas e 15 acordos ambientais assinados pelo País

25 ago 2022 - 10h10
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O ex-embaixador Rubens Barbosa afirma que o Brasil está "marginalizado", mas o isolamento no exterior pode ser revertido rapidamente, se houver medidas assertivas de política ambiental e de direitos humanos. "Se o Brasil quer entrar na OCDE, se quer aprovar o acordo com a União Europeia, isso passa pela política ambiental. Isso tudo pode ser prejudicial aos interesses brasileiros, não só aos interesses do governo, como aos interesses do setor privado", disse o diplomata em entrevista ao Estadão.

O Brasil é signatário dos principais tratados e normas internacionais, como o Acordo de Paris, mas a dúvida sobre o cumprimento deles surge diante do desmonte de órgãos de controle e aumento dos índices de desmatamento crescentes, alvo de questionamentos constantes do governo de Jair Bolsonaro.

Para começar a desfazer esse nó ambiental e de confiança, um estudo do grupo de pesquisa em Diplomacia Ambiental da Universidade de São Paulo (USP) completou uma análise de dois anos e meio em mais de 60 normas internacionais e 15 acordos ambientais. O objetivo foi avaliar o grau de cumprimento deles desde 1992. O trabalho foi coordenado pelo Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), presidido por Barbosa, com organização da professora da USP Wânia Duleba. Em formato de e-book, ele pode ser acessado gratuitamente no site interessenacional.com.br.

De maneira geral, o Brasil teve tempo para assimilar esses acordos e cumprir boa parte de suas obrigações. Nos últimos quatro anos, no entanto, a situação é mais preocupante. Mesmo após a reunião da cúpula do clima, em Glasgow, e dos compromissos assumidos pelo Brasil "não há nenhuma indicação de que o governo esteja tomando algumas medidas no caminho disso", diz Barbosa.

O estudo faz o diagnóstico e aponta soluções para um impasse que pode ser resolvido, afirma o diplomata. "Nos últimos anos, por uma série de razões de política ambiental interna, pelo desmonte dos órgãos fiscalizadores e, sobretudo pela queimadas, pela destruição e o garimpo, tudo isso gerou uma reação muito forte e muito negativa", diz.

"Tivemos um episódio semelhante no meio do governo militar quando, na década de 1980, aconteceu o mesmo problema de desmatamento da Amazônia. A percepção externa foi muito negativa. Foram quase 15 anos para a gente recuperar o protagonismo na área do clima. Só em 1992, com a Rio 92, o Brasil passou a ser um player, um ator importante no cenário internacional. Agora está acontecendo a mesma coisa."

O ex-embaixador brasileiro nos Estados Unidos e no Reino Unido destaca que a discussão sobre as políticas ambientais e a Amazônia precisam ser mais amplas e levar em consideração os riscos e prejuízos que não cumpri-las causa ao País.

Qual a imagem que o Brasil passa hoje para os outros países em relação à sua política ambiental e ao cumprimento dos acordos ambientais de que é signatário?

A percepção externa sobre o Brasil hoje é muito negativa. Nós tivemos um episódio semelhante no meio do governo militar quando, na década de 80, aconteceu o mesmo problema de desmatamento da Amazônia. A percepção externa foi muito negativa. Foram quase 15 anos para a gente recuperar o protagonismo na área do clima, só em 92, com a Rio 92, o Brasil passou a ser um player, um ator importante no cenário internacional. Agora está acontecendo a mesma coisa. O estudo mostra que, até 2018, o Brasil estava bem na fotografia. Agora, não. Nos últimos anos, por uma série de razões de política ambiental interna, pelo desmonte dos órgãos fiscalizadores e, sobretudo pela queimadas, pela destruição e o garimpo, tudo isso gerou uma reação muito forte e muito negativa. A recuperação disso, a restauração da credibilidade do Brasil vai passar em parte pelo cumprimento desses acordos, pelo pleno comprimento dos acordos, então o estudo vem nesse momento até para ajudar nisso. Esse trabalho foi feito por professores da USP, sem nenhuma conotação política ou ideológica, nada. É uma coisa objetiva.

No estudo, quando olhamos para, por exemplo, o Acordo de Paris, há ali uma preocupação clara de que as metas de redução de emissões para 2025 e para 2050 não sejam alcançadas se as políticas ambientais continuarem na mesma toada em que estão hoje.

É isso. Mostra os pontos em que o Brasil vai ter que melhorar. Até na Cop-26, o País avançou em metas concretas (de redução de emissões de gases do efeito estufa, por exemplo). Agora, não há nenhuma indicação de que o governo esteja tomando algumas medidas no caminho disso, porque 2025 é depois de amanhã. O que o Brasil está fazendo? Não há publicamente nenhuma indicação política do governo para chegar a essa meta que foi prometida.

Se para desmontar uma política ambiental parece ser muito rápido, remontar deve ser mais difícil? Quanto tempo será necessário para o Brasil voltar para os trilhos no que diz respeito à sua política ambiental?

Ela pode ser rapidamente reconstruída a partir de medidas muito simples. O problema é que existe hoje no exterior, em relação ao Brasil, a percepção de que o meio ambiente e a mudança de clima são temas globais, que o mundo se preocupa, e o Brasil se preocupa menos por uma série de ações que o governo tomou. Vou dar um exemplo concreto: o Fundo Amazônia foi suspenso no início do governo porque ele desmontou os órgãos de governança que acompanhavam o emprego dos recursos que vinham do exterior para o combate ao desmatamento. Se houver uma negociação com a Alemanha e com a Noruega, e na primeira semana do governo esses órgãos voltarem a funcionar imediatamente, os recursos, US$ 1 bilhão, que estão parados no BNDES, poderão ser utilizados. Então, o que eu estou querendo dizer é que a percepção externa poderá começar a mudar rapidamente por ações muito pontuais.

Outro exemplo: se o governo brasileiro, o novo governo, a partir de 1º de janeiro, definir como definiram os outros países, inclusive os Estados Unidos, que o meio ambiente está no centro da política externa brasileira, isso já é uma revolução no exterior. É uma volta gradual à credibilidade. Evidentemente que não adianta você só anunciar as medidas, o que vai fazer realmente mudar a percepção externa sobre o Brasil são os resultados.

Quer dizer, se você colocar o meio ambiente no centro da política externa, começar a corrigir algumas das políticas que foram adotadas, o número de queimadas, diminuir o número de corte de madeira, diminuir os atritos com os índios, você vai ter que ter uns seis meses, um ano, para que os resultados sejam efetivamente percebidos lá fora, mas você já vai mudar a maneira como os países vão encarar o Brasil. Hoje, o Brasil está marginalizado, está isolado no exterior. Isso muda rapidamente se houver uma mudança de política ambiental, de direitos humanos e de uma série de outros fatores.

E o desmonte dos órgãos de controle e combate ao desmatamento?

O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Biodiversidade), é só você montar novamente. Isso é fácil de montar porque tem muita gente que não está sendo aproveitada e que pode voltar para fiscalizar. Agora, os recursos para esses órgãos vão depender de o novo governo rearrumar o financiamento. Enfim, eu não estou pessimista, desde que haja uma vontade de mudar a política ambiental, de mudar a maneira como os problemas relacionados, sobretudo com a Amazônia, porque quando você fala hoje de problemas ambientais do Brasil é lá que está o foco dessa preocupação global.

O senhor está falando da percepção externa sobre o Brasil e sua política ambiental, mas lhe preocupa a percepção interna sobre isso ou de, pelo menos, uma parte da sociedade, como as Forças Armadas com a retomada do "integrar para não entregar"? Como deve ser o comportamento das Forças num futuro governo?

Elas sempre tiveram um papel muito importante na Amazônia, vão continuar a ter. É a instituição que está mais presente na região, tanto a Marinha, quanto a Aeronáutica e o Exército. Claramente essa política do GLO (operações de Garantia da Lei e da Ordem) não deu certo, eu não tenho detalhes, não sei por que não deu certo, mas não diminuíram as queimadas, não diminuíram o desmatamento da Amazônia. E acho que no futuro governo isso tem de merecer um tratamento especial. Por exemplo, há alguns anos atrás a gente não estaria discutindo a Amazônia. Ela se transformou num foco de preocupações políticas por várias razões. Por causa da política externa, do comércio exterior, dos direitos humanos, dos indígenas. É um problema complexo porque tem seus habitantes, 25 milhões de pessoas. E você tem uma coisa muito importante que foi deixada de lado, mas é muito importante, que é um sistema de proteção das fronteiras.

Veja esse caso que houve lá no Vale do Javari (as mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips). É uma região de tríplice fronteira (Brasil, Peru e Colômbia) e, aparentemente, não tem ninguém lá, todo mundo sabe que é uma área de contrabando de drogas. Então deve estar faltando alguma coisa ali para funcionar. Isso mostrou uma ausência do Estado importante. Se há uma inteligência que identifica ali uma região conturbada pelo contrabando de armas, de drogas, de madeira e de pescado, alguma coisa deveria ter sido feita. Não é uma questão ambiental, apenas. Quer dizer, não é uma coisa secreta, entendeu? É uma coisa que se faz ao ar livre. Isso se faz abertamente, o que mostra uma presença do Estado que tem de ser fortalecida. Para coibir os ilícitos na região, as Forças Armadas vão ter um papel importante, como sempre tiveram.

Esse é um assunto que resvala na questão financeira, com a repercussão que isso tudo tem, por exemplo, na OCDE de forma inédita, no acordo entre a União Europeia e o Mercosul. O senhor acredita que a força do capital é suficiente para a mobilização dessas políticas ambientais?

Se o Brasil quer entrar na OCDE, se quer aprovar o acordo com a União Europeia, isso passa pela política ambiental. Isso tudo pode ser prejudicial aos interesses brasileiros, não só aos interesses do governo, como aos interesses do setor privado. Cada vez mais vão existir medidas que restrinjam as importações de produtos que saem de áreas que estão sendo desmatadas. Então, não adianta a gente ter uma retórica aqui no Brasil dizendo que isso é um problema de interesses externos para ocupar a Amazônia, ou que é um interesse protecionista para impedir produtos brasileiros. O Brasil só vai entrar na OCDE se cumprir o que ela prevê. A mesma coisa o acordo com a União Europeia. O exterior está dizendo, em outras palavras, vocês têm que cumprir a legislação interna de vocês pra aceitarmos vocês. Eles não estão exigindo nada mais. Estão querendo que a gente cumpra. Só isso.

Há um outro ponto no estudo que são os nossos problemas ambientais relacionados ao oceano. O senhor acha que isso passa despercebido frente ao tamanho dos outros problemas?

Foi no governo Michel Temer pela primeira vez que se criou uma política em relação à preservação dos oceanos. A extensão territorial do Brasil no mar é muito grande e aí entra a questão da pesca, da exploração de minérios no fundo dos oceanos. Tem um capítulo no livro que cuida da pesca, essa parte é a mais abandonada. É a parte com o maior número de itens marcados em vermelho, os compromissos que o Brasil assumiu de preservação de manguezais, a questão da pesca em geral, das espécies em extinção. Como eu disse, isso só entrou na percepção política agora, então é uma coisa que a gente vai ter de desenvolver também.

Nesses últimos anos vivemos uma espécie de negacionismo dos problemas ambientais. O senhor acredita que esse comportamento se aproxima do populismo político?

Entrou no contexto geral. O grupo do agro, que é muito importante também, em algumas áreas tem algumas resistências. A política reflete um pouco esses apoios que são recebidos. Não há dúvida que por uma série de razões, políticas, ou por algumas pessoas não acreditarem efetivamente na preservação, ou porque a Amazônia está muito distante e por acharem que existe uma espécie de indústria de multas, essas políticas foram abandonadas literalmente. Abandonadas no sentido de que as medidas de coerção para os ilícitos e as políticas de fiscalização e repressão com as multas foram abrandadas.

Como eu disse, essa questão não é só de meio ambiente é uma questão que abrange muitos aspectos. São aspectos financeiros, como o de mercado de carbono, aspectos de segurança nacional, da preservação do território, das fronteiras, a questão dos tratados. Temos um tratado de cooperação amazônica que a gente (o atual governo) não invoca porque faz parte a Venezuela. Quer dizer, a Amazônia não é apenas uma questão ambiental. Esse estudo lança essa visão de conjunto.

O senhor acredita que com esse caldo todo de problemas que estamos vivendo, e com o crescente aumento da pressão financeira e de conscientização da sociedade, neste ano de eleições a questão ambiental vai impor um espaço na agenda dos debates eleitorais?

Deveria. Eu já vi alguns pronunciamento de candidatos e essa questão é pouco mencionada. É um tema que alcança uma dimensão enorme que afeta o interesse do Brasil. Agora não é um tema central, como não é, por exemplo, a política externa, de defesa. Eu li hoje uma matéria que me mandaram sobre os Estados Unidos se recusarem a vender um míssil para o Brasil por causa da situação política interna aqui. Quer dizer, o Brasil não está isolado no mundo. Nós não podemos pensar que tudo se resolve aqui dentro. A influência do que ocorre lá fora impacta aqui dentro. Eu fiz um trabalho, e até publiquei no Estadão o artigo, sobre as vulnerabilidades do Brasil depois da pandemia e depois da guerra na Ucrânia. Quem discutia que o Brasil importa 85% dos fertilizantes, a dependência que nós temos de semicondutores, a questão do trigo? 60% do produto mais importante para a mesa do brasileiro vem do exterior, 80% vem de um único país. Quem discutia isso?

Nós não somos um país pequeno, de 5 milhões de habitantes. Somos um país continental de 213 milhões de habitantes. Quer dizer, você tem de ter um pensamento estratégico, um pensamento global. Você não pode ficar limitado a questões pontuais sem prever outras consequências. Por tudo isso que quando se discute a Amazônia de maneira mais ampla, e não apenas do ponto de vista do meio ambiente, é um problema muito complicado porque acaba afetando o Brasil inteiro.

Estadão
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