Nordeste e Amazônia são duas das regiões mais vulneráveis às mudanças climáticas; leia análise
A primeira região pode se tornar semidesértica e há risco de a floresta deixar de ser reservatório de carbono para ser emissor do gás estufa; IPCC destaca ameaça de mais chuvas nas cidades e queda na produção de alimento
Toda a vida na Terra é vulnerável às mudanças climáticas, incluindo os ecossistemas e a civilização humana. O Grupo de Trabalho II do IPCC (Painel de Mudanças Climáticas da ONU), que avalia a vulnerabilidade dos sistemas socioeconômicos e naturais às mudanças climáticas, as consequências e as opções de adaptação a elas lançou novo relatório. Ele analisa as vulnerabilidades e as capacidades e limites desses sistemas para se adaptar e, assim, reduzir os riscos associados ao clima. Estuda também as opções para criar um futuro sustentável para todos, traçando estratégias de mitigação e adaptação em todas as escalas.
O grupo utiliza os cenários climáticos do IPCC, que incluem desde a continuidade das emissões atuais, o que levaria a aquecimento médio de 3,5°C, até reduções fortes de emissões, limitando a alta a 1.5°C ao longo deste século. Qualquer que seja o cenário, os impactos já são fortes hoje. As mudanças climáticas deixaram de ser coisa do futuro, para impactar a vida terrestre hoje. Veja os exemplos no País: da seca no Brasil Central de 2021, da intensificação dos eventos climáticos extremos, como as chuvas pesadas em Petrópolis, na Bahia e em Minas nos últimos meses.
Uma das conclusões importantes: "As mudanças climáticas estão afetando a natureza, a vida das pessoas e a infraestrutura em todos os lugares. Seus impactos perigosos são cada vez mais evidentes em todas as regiões do planeta. Esses impactos estão dificultando os esforços para atender às necessidades humanas básicas e ameaçam o desenvolvimento sustentável em todo o mundo."
Algumas discussões relevantes no relatório são aumento dos eventos climáticos extremos, redução da nossa capacidade de produzir alimentos, impactos nas cidades, aumento do nível do mar que afeta todas as áreas costeiras, ondas de calor e seus impactos na saúde humana, comprometimento dos serviços ecossistêmicos.
Regiões tropicais, como o Brasil, são particularmente vulneráveis. O calor e a umidade ultrapassariam os limites da capacidade de sobrevivência humana sem cortes nas emissões de gases de efeito estufa. Duas regiões brasileiras são particularmente vulneráveis: o Nordeste, onde a queda de 22% na chuva, que já é pouca, combinada com aumento de temperatura de 3°C a 4°C, pode tornar a região semidesértica. A Amazônia, que é o maior reservatório de carbono de todas as regiões continentais, pode se tornar uma fonte de carbono, lançando parte dos 120 bilhões de toneladas de carbono que o ecossistema contém, agravando o efeito estufa.
A agricultura brasileira pode ser fortemente impactada, com queda forte na chuva, aliada ao aumento da temperatura e de eventos climáticos extremos. Isso mostra que o Brasil tem que repensar o seu modelo de desenvolvimento econômico. Nossas cidades e áreas costeiras também têm vulnerabilidades importantes que precisam ser equacionadas em um plano de adaptação climática.
O relatório aponta que os riscos e as vulnerabilidades de nosso sistema socioeconômico são enormes, particularmente para a população mais carente e que vive em regiões de risco climático. Nosso sistema energético, dependente da chuva e do clima, precisa ser redesenhado, com maior geração de energia eólica e solar. Se quisermos construir uma sociedade minimamente sustentável, é fundamental que seja implementado planos de adaptação às mudanças climáticas, que contemple também a redução das enormes desigualdades econômicas. O Brasil, signatário do Acordo Paris e em fase de implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS), precisa levar a sério as mudanças climáticas se quiser ter um potencial de crescimento econômico, pois os desafios são enormes, e muitos dos impactos ambientais e em nossa sociedade são irreversíveis.
*É autor-líder de um dos capítulos do relatório do IPCC e professor da Universidade de São Paulo (USP).