O governo como protagonista do consumo responsável
Recentemente a presidenta Dilma Rousseff regulamentou o art. 3° da lei que trata das licitações, para estabelecer critérios, práticas e diretrizes para o desenvolvimento nacional sustentável, nas contratações realizadas pela gestão pública federal e instituição da Comissão Interministerial de Sustentabilidade (Cisap).
É sabido que a licitação se destina a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a administração e, assim, ser julgada em conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
O artigo em questão tem sido muito analisado sob a perspectiva da criação de um marco regulatório no combate à corrupção existente no Brasil, visto que a maioria dos atos de infração ocorrem, em especial, durante o processo licitatório.
Olhando a mesma lei do ponto de vista da realização de compras públicas sustentáveis, nota-se que a falta de regulamentação impedia a implementação de ações rumo à aquisição de insumos e serviços produzidos em bases socioambientais adequadas por parte do governo, tendo como consequência a geração de um grande volume de compras públicas, no caso da madeira principalmente, associada a riscos de ilegalidade na origem. Com isso, nota-se a importância dessa regulamentação, que permite ao poder público se posicionar como ator relevante na promoção do consumo responsável de bens e serviços no Brasil.
Importante destacar que já é uma realidade no mercado brasileiro a disponibilidade de produtos que cumpram critérios socioambientais, inclusive com certificações internacionais associadas, tais como, madeira, pisos, portas, janelas, móveis, papel, lápis, impressos em geral, café, suco e até carne, fato que facilita o acesso e promoção de concorrência em processos licitatórios.
Ao observar experiências internacionais no tema, vemos que países da Europa utilizam instrumentos legais para estimular sistemas produtivos menos impactantes para a sociedade e para o meio ambiente, como o EU Timber Regulation (Regulamento n°995/2010 do Parlamento Europeu), que estabelece critérios mínimos de sustentabilidade na origem da madeira comercializada. O regulamento será aplicável a partir do ano que vem e afeta o comércio dos 27 Estados membros da UE. Abrange a maioria dos produtos de origem florestal, incluindo papel e celulose, e exige que os empreendimentos desenvolvam sistemas que assegurem que a madeira é de origem legal, exigindo até diligências para comprovação.
Neste contexto, parece coerente que todos os papéis assumidos pelo governo, desde a formulação de políticas públicas até mesmo como consumidor de bens e serviços, devem possuir como norteador o disposto no artigo 225 da Constituição Brasileira: "... todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações."
Enfim, esperamos que a regulamentação desta lei , por meio do Decreto N° 7.746 , se torne um instrumento de governo, por meio do qual este consiga implementar ações concretas rumo a um meio ambiente equilibrado, utilizando seu poder de consumo, para estimular transformações relevantes na base produtiva de bens e serviços, reforçando a agenda positiva de iniciativas que conciliem produção, desenvolvimento e conservação ambiental.
Daniele Rua é engenheira florestal, formada pela Unesp, com especialização em andamento em Gerenciamento de Projeto pela Fundação Getúlio Vargas. É coordenadora sênior de Certificação do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola e autora da publicação Produto Certificado FSC: Conheça as Normas para Produzir e Comercializar.