Podas mal feitas destroem árvores e irritam moradores em São Paulo
Problemas relacionados às árvores foram responsáveis por 13 mil reclamações recebidas entre abril e junho deste ano pela Prefeitura; convênio prevê que a Enel pode realizar cinco tipos de corte
Apesar das raízes, do tronco e, vá lá, dos galhos, quase nada ali faz lembrar que foi uma árvore. Antes disso, lembra a importância que se dá ao verde na metrópole. Os fios da rede elétrica, por sua vez, agora pairam sobre ela, livres de qualquer possível interferência vegetal. Na Rua Estevão Lopes, no Butantã, esse é o resultado de uma poda realizada pela concessionária de energia elétrica Enel. Uma árvore menos.
Em uma cidade com 12 milhões de habitantes e cerca de 650 mil árvores plantadas, e desigualmente distribuídas, cada perda conta. "Isso não é uma poda, é uma mutilação", diz o biólogo Marcos Buckeridge, professor do Instituto de Biociências da USP, e ex-presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. "Uma árvore adulta pode levar até sete anos para voltar a ter a taxa de crescimento que tinha antes de uma intervenção assim."
Quem autoriza
As podas apenas são autorizadas às subprefeituras, à concessionária de energia elétrica e, em casos de emergência, aos bombeiros e à Defesa Civil. Mesmo em terrenos particulares, a autorização do poder público é necessária. Descumprir as regras configura crime ambiental e pode dar multa de R$ 815.
De janeiro a agosto deste ano, de acordo com a Prefeitura, foram lavradas 88 multas por corte ou poda irregular de árvores. O número é referente a áreas públicas e particulares. "Esse número não tem ligação com os serviços executados pela Enel na cidade", diz a administração municipal.
Árvores adultas devem precisar de poucas podas de manutenção. Quando for necessário, a recomendação é remover até no máximo um terço da copa para que ela não perca o equilíbrio. Mesmo esse porcentual, no entanto, pode favorecer o declínio da árvore.
O manual da Prefeitura revela uma contradição nos serviços públicos. De acordo com o documento, "as podas realizadas em árvores adultas geralmente são feitas por não terem sido realizadas quando jovens ou por algum outro fato novo, como, por exemplo, o aparecimento de um ramo seco ou doente". Ou seja, a poda radical evidencia que um trabalho preventivo não foi feito.
"Não tem uma rua de São Paulo que não tenha uma poda assim. Isso não é de agora, são décadas acontecendo", afirma o botânico Ricardo Cardim, especialista que há mais de uma década se dedica ao assunto.
A situação não é exclusividade dos moradores do Butantã. De acordo com a secretária da Associação dos Amigos do Alto de Pinheiros (SAAP), Patrícia Macedo, o problema existe também em seu bairro e costuma acontecer no período que antecede os meses de verão. "É um fato. Geralmente, começa agora porque é quando são feitas as podas de prevenção da época de chuvas", diz. "Já tivemos casos assim, principalmente com a Enel, com a Prefeitura é menos comum. Infelizmente, na maioria das vezes, quando as pessoas percebem (a poda) já foi feita."
A Prefeitura afirma que não realiza podas radicais, nas quais a árvore perde mais de um terço da copa, e que no período de estiagem, de maio a setembro, foram podadas 1.761 árvores.
A falta de zelo, porém, evidencia também uma situação que a cidade terá de enfrentar em breve. "Podas irregulares e mal realizadas podem causar danos que vão durar por anos ou toda a vida da árvore", diz o próprio manual da Prefeitura. A vida dessas árvores, no entanto, chega ao fim cada vez mais cedo.
Estudo recente do qual Buckeridge fez parte revelou que as mudanças climáticas estão afetando o tempo de vida de árvores tropicais, que poderiam viver até 180 anos, mas que muitas vezes não passam de 60 anos em cidades como São Paulo. "Nos lugares em que a temperatura média anual passa de 25,4ºC há um encurtamento na vida dessas árvores", afirma.
A Enel afirma, em nota, que a responsabilidade pelo plantio, conservação, e manejo da vegetação arbórea da cidade é da Prefeitura. Já a Secretaria Municipal das Subprefeituras diz que em casos nos quais as árvores estejam em contato com a fiação elétrica a Enel é acionada para realizar a poda por meio da emissão de uma ordem de serviço. Após o serviço, que libera os galhos da fiação, a subprefeitura retorna ao local.
De acordo com a administração municipal, no caso da árvore mutilada na Rua Estêvão Lopes, ela foi rebaixada indevidamente. "Não há registros de podas solicitadas para o local", diz em nota. "Considerando que não há solicitações e a árvore foi podada indevidamente, a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) enviará uma equipe de fiscalização ambiental no endereço e, se constatado o comprometimento da árvore, solicitará à administração regional a remoção do exemplar arbóreo. Caso seja identificado o infrator, este será multado", finaliza. Questionada se a árvore ainda vive, a Prefeitura não respondeu.
"Se olhar bem, parece que tem um raminho crescendo ali em cima", diz Valdines, ela mesma com ar de desconfiança. A auxiliar administrativa, que não lembra da árvore antes da poda, não sabe dizer como ela era viva, ou se ainda está viva. Como ela morre é mais fácil saber.
Jardins
A 20 minutos da árvore do Butantã, os moradores dos Jardins não reclamam de podas mal feitas ou radicais. O problema ali, diz Roseana Santos de Sousa, coordenadora de Área Verde da AME Jardins, é a erva de passarinho, uma planta parasita comumente confundida com as epífetas, como as bromélias. Enquanto a primeira pode matar a hospedeira por se alimentar de sua seiva, a segunda a usa apenas como suporte.
"Já pedimos a remoção e não foi feita, então propusemos para a Subprefeitura de Pinheiros para celebrar um Termo de Doação de Serviço, para que os próprios moradores façam (e paguem)", diz a representante da associação de moradores.
A administração municipal diz que "não se trata de um exemplar arbóreo, mas sim de árvores no entorno do local e em ruas próximas". Além disso, a "erva-de-passarinho não favorece o aparecimento de cupim, o mais nocivo para a saúde das árvores".
"Como a região está entre as que mais têm árvores na cidade, a Subprefeitura de Pinheiros realiza continuamente a poda e remoção de exemplares arbóreos, quando necessário. A área no entorno da Ame Jardins está no cronograma da administração e receberá os serviços de poda gradualmente", afirma em nota.
Sobre a oferta dos moradores, a Prefeitura informa que a legislação só permite que o manejo arbóreo em áreas públicas seja realizado por servidores municipais.