Por que o glitter é uma ameaça para a vida nos mares?
Purpurina prejudica o crescimento de organismos-chave para os ecossistemas aquáticos, indica estudo
AGÊNCIA FAPESP - Presença constante em fantasias e maquiagem de carnaval, as partículas de glitter podem comprometer o crescimento de organismos que constituem a base de ecossistemas aquáticos, como as cianobactérias, que têm papel fundamental para os ciclos biogeoquímicos da água e do solo e na alimentação de outros organismos. A conclusão é de um estudo da Universidade de São Paulo (USP) publicado recentemente na revista Aquatic Toxicology.
Também conhecidas como purpurina, as partículas de glitter são microplásticos com menos de 5 milímetros. Seu tamanho reduzido impede que sejam filtradas pela rede de tratamento de esgoto.
Portanto, quando os foliões tomam banho, elas escorrem diretamente pelo ralo e se espalham por praias, sedimentos, florestas, lagos e oceanos. Estima-se que, nos últimos anos, mais de 8 milhões de toneladas do material foram lançados no oceano, de acordo com a literatura científica atual.
Os resultados sugerem que concentrações ambientais de glitter semelhantes à maior dosagem testada (>200 mg de glitter por litro de água) podem influenciar negativamente organismos suscetíveis dos ecossistemas aquáticos. O efeito mais evidente foi visto em Microcystis aeruginosa, que apresentou mudanças na taxa de crescimento durante todo o período de experiência: um pico de crescimento foi registrado no tratamento com glitter de 50 mg por litro de água, enquanto o menor crescimento foi registrado com 200 mg por litro de água.
Em Nodularia spumigena, o maior crescimento foi medido em 100 mg de glitter por litro de água, com efeitos negativos observados em concentrações de purpurina acima de 137,5 mg por litro de água, afetando a densidade celular sem recuperação. A diferença na taxa de crescimento só aconteceu no 21º dia do experimento.
Não houve diferença significativa entre as concentrações de clorofila e de carotenoides totais. Entretanto, em valores absolutos, ambas as linhagens apresentaram redução de carotenoides nos grupos expostos a 200 e 350 mg de glitter por litro de água, e uma variação na fluorescência da clorofila foi observada em Nodularia spumigena para células expostas a 350 mg por litro de água.
Carnaval sustentável
Os pesquisadores acreditam que o estudo ofereça embasamento para que o poder público e a população repensem as comemorações da festa mais popular do país e estimule um consumo mais consciente de itens derivados de plástico.
"O glitter foi criado para ser usado em festividades e, nesses momentos, as pessoas acabam não pensando na problemática criada para o meio ambiente", acredita Marli de Fátima Fiore, pesquisadora do Cena-USP e coordenadora do trabalho.
"Mas é preciso lembrar que esses microplásticos comprometem e contaminam ecossistemas tanto marinhos quanto de água doce, que são extremamente importantes para nossa vida, e pensar em campanhas para que eles sejam evitados ao máximo."
Os pesquisadores pretendem agora realizar os mesmos testes em mais linhagens de cianobactérias e também analisar o glitter dito biodegradável para verificar se esse material realmente não gera problemas para os organismos (como, por exemplo, prejuízos decorrentes de possíveis pigmentos com metais na composição).
O artigo Response of two cyanobacterial strains to non-biodegradable glitter particles pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0166445X23001935?via%3Dihub