Resultado da COP-26 adia respostas à crise climática
Segundo cientistas, eventos climáticos extremos - como inundações, secas e incêndios - serão cada vez mais comuns
O acordo fechado na Conferência do Clima (COP-26), em Glasgow, é pouco ambicioso diante da urgência de conter o aquecimento global e adia, mais uma vez, a solução para a catástrofe ambiental que se desenha para as próximas décadas. Essa é a avaliação de especialistas e organizações da sociedade civil sobre o resultado da negociação, que reuniu 197 países. Eventos extremos - como inundações, secas e incêndios - serão cada vez mais comuns, alertam cientistas.
O objetivo era discutir ações para conter o aquecimento global a 1,5ºC ante os níveis pré-industriais, com base nas metas do Acordo de Paris, pacto assinado em 2015. Foram estabelecidas na COP regras para o mercado de créditos de carbono, promessas de reduzir o desmate e emissões do gás metano e houve avanços ao mencionar no texto final, pela primeira vez em um documento, o esforço para a redução de uso de combustíveis fósseis.
Mas as expectativas de elevar verbas de países ricos para que nações pobres se adaptem às mudanças climáticas foram frustradas. "É pouco ambicioso. Foi uma COP muito voltada para o artigo 6 (regulação do mercado de carbono), como se ele fosse resolver todos nossos problemas", avalia Maureen Santos, professora de Relações Internacionais da PUC-RJ.
Em 2009, os países desenvolvidos haviam se comprometido a criar, até o ano passado, um fundo climático de US$ 100 bilhões. A promessa, porém, não foi cumprida. Segundo os cálculos mais recentes, o montante oferecido para essa finalidade não passava de US$ 80 bilhões. O acordo de Glasgow fala em dobrar os recursos para essa finalidade, mas não detalha como serão os esforços.
Para a especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, o fato de a COP-26 ter finalmente regulamentado o artigo 6 do Acordo de Paris, que trata do mercado de carbono, é positivo, uma vez que a questão se arrastava desde 2015. No entanto, a falta de definição e propostas concretas para o financiar a mitigação e adaptação climática é um problema que marcará a edição da Escócia. "Isso é muito ruim para os países pobres, que são os mais vulneráveis", diz ela, ex-presidente do Ibama.
"A salvação do clima foi adiada mais uma vez, para 2022, quando o mundo volta a se reunir em Sharm el Sheikh, no Egito", avaliou, em nota o Observatório do Clima, rede com 70 organizações da sociedade civil. A próxima edição da conferência será realizada na cidade do país africano
"O prazo para mantermos o aquecimento global em limites seguros para a humanidade está se encerrando. Os resultados desta COP foram decepcionantes e não podemos mais ficar esperando a próxima", disse Maurício Voivodic, diretor executivo da WWF-Brasil.
A ativista sueca Greta Thunberg, de 18 anos, também criticou os resultados. "Um breve resumo da COP: Blá, blá, blá", escreveu no Twitter.
Já Roberto Waack, ofundador da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia, vê o resultado final como positivo, apesar da ausência de um compromisso mais forte sobre financiamento. A Concertação é uma rede de pessoas, instituições e empresas para buscar soluções para a conservação e o desenvolvimento sustentável.
Ele credita ao Itamaraty o desempenho das negociações brasileiras e os compromissos assumidos pelo País. "Sem o (o ex-ministro do Meio Ambiente) Ricardo Salles, os negociadores ficaram mais à vontade e livres para fazer seu trabalho." Mas o descompasso entre a imagem que o Brasil vendeu e a realidade com os sucessivos recordes de desmate na Amazônia cobra seu preço. "O Brasil só fica de pé se a floresta ficar de pé. Caso contrário, vamos permanecer de joelhos."
Sobre o mercado de carbono, a avaliação é de que o modelo abre oportunidades para o Brasil. "O País tem posição privilegiada, com um dos maiores potenciais de venda de créditos de carbono no mundo", diz Marina Gross, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), que reúne grupos responsáveis por quase 50% do PIB do País.
Ela pondera, no entanto, que "a ausência de um mercado regulado doméstico vai gerar prejuízos e perda de competitividade internacional para asempresas brasileiras". Elas não conseguirão, destaca, assegurar que produzem seguindo exigências de proteção climática adotadas no mercado mundial e "poderão enfrentar barreiras comerciais".