Transporte fluvial é sustentável, mas esbarra em obstáculos culturais, apontam especialistas
Sem grandes avanços, opção está sendo estudada em São Paulo há mais de uma década
O transporte fluvial, utilizado de forma eficiente em várias cidades pelo mundo, é uma opção que está ganhando espaço, ainda que tímido, no debate sobre mobilidade urbana em São Paulo. A primeira experiência da capital paulista com esse modal foi lançada em maio deste ano, com o Aquático-SP, uma linha que atravessa a Represa Billings, na Zona Sul. No entanto, os desafios para expandir essa solução a outras áreas da cidade ainda são grandes.
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Segundo dados da Confederação Nacional do Transporte (CNT), até 2019 o Brasil utilizava apenas um terço dos mais de 60 mil quilômetros navegáveis em seu território. Apenas 5% da movimentação total de cargas, por exemplo, acontece pelos rios. Em São Paulo, estudos sobre a viabilidade do transporte fluvial começaram a ser discutidos ainda em 2010, e só em 2017 a prefeitura deu os primeiros passos para tentar colocar a ideia em prática.
A implantação do transporte hidroviário público na capital, com os canais do Rio Tietê, Pinheiros e Tamanduateí, além de represas, poderia representar uma solução viável para a mobilidade. Para o especialista em logística João Carlos Daniel, o transporte fluvial poderia aliviar o tráfego rodoviário e se integrar bem com outros modais, como o metrô e os ônibus. Porém, Daniel indica que a proposta enfrenta obstáculos significativos, sobretudo, de planejamento.
Rafael Calábria, geógrafo especialista em mobilidade urbana, reforça a necessidade de planejamento e investimento público como ponto de partida.
"Em São Paulo, temos o problema de as marginais terem sido construídas sobre os rios, o que torna mais difícil implantar um sistema eficiente de transporte fluvial. Seria necessário reestruturar as margens dos rios e criar pontos de ancoragem adequados", explica Calábria. "Há também uma barreira cultural: a classe alta, que usa carro, poderia se opor a intervenções nas marginais".
Sustentabilidade
Ambos os especialistas concordam que o transporte fluvial é uma alternativa ecologicamente sustentável. Além de não ser poluente, ainda ajudaria a reduzir as emissões de carbono ao diminuir o número de veículos nas ruas.
Calábria pondera, no entanto, que é preciso tomar cuidado com a preservação das margens dos rios para evitar a erosão.
"Com soluções de engenharia adequadas, seria possível criar um sistema sustentável", afirma.
João Carlos Daniel reforça a importância de políticas públicas para viabilizar o transporte fluvial em São Paulo.
"Não tivemos lideranças com o conhecimento ou coragem suficientes para investir nessa área, mas é um desafio que pode valer a pena. Além disso, o transporte fluvial poderia estimular o desenvolvimento de startups focadas em energia limpa e soluções tecnológicas para mobilidade", diz ele.
Com um planejamento adequado e o devido apoio público, o transporte fluvial pode se tornar uma solução viável e sustentável para a mobilidade urbana da cidade. Calábria conclui: "Há uma demanda real em São Paulo, e o transporte fluvial pode oferecer uma alternativa eficiente e ambientalmente responsável".