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Diário
Nada de moleza a bordo do Arctic Sunrise
Terça-feira, 09 de janeiro de 2001.
Paulo Gleich - Repórter Terra
Hoje tive de morder minha língua duas vezes. Primeiro, porque a
resistência ao enjôo que acreditei ter acabou tão logo entramos em mar
aberto. Segundo, porque minha tese de que a vida a bordo do Arctic
Sunrise é moleza foi derrubada.
Até então tínhamos navegado apenas em águas mais tranqüilas, na
Laguna dos Patos. Assim que entramos em mar aberto, pelo canal de Rio
Grande, as ondas acentuaram o balanço do barco e comecei a sentir
enjôo. Pelo menos não fui o único: a maioria das pessoas que
embarcaram em Porto Alegre tambem passaram ou estão passando por
maus bocados. Por sorte tomei um remédio a tempo de evitar alguma
catástrofe.
Da mesma forma, enganei-me sobre as atividades da tripulação a bordo.
Ontem a maior parte dos tripulantes e voluntários aproveitou para
descansar e aproveitar a viagem, mas hoje as atividades começaram
cedo. Cada um tem funções a bordo e as cumpre quase que
religiosamente. Enquanto uma equipe pinta o deck e outras partes do
navio, outros fazem a limpeza da cozinha, dos banheiros, do lounge...
Além disso, há seis pessoas por dia responsáveis por fazer a vigília,
composta de dois turnos diários de quatro horas. A vigília consiste
essencialmente em checar se está tudo bem a bordo (leia-se: se nada está
pegando fogo, inundando) e apoiar o capitão na ponte de comando.
Nada de ficar no topo do mastro com um binóculo ou uma luneta, como
sempre se vê nos filmes.
Pela manhã, o norte-americano Kevin, o veterano do navio, explicou aos
novos integrantes da equipe do Arctic Sunrise como operar os botes
infláveis, aqueles usados nas ações. Amanhã virá a aula prática: os
voluntários terão de colocar os botes na água com o navio em
movimento e mostrar o que aprenderam. Preocupado com a segurança,
Kevin deixou bem claras as conseqüências de um erro durante essa
perigosa operação: pode-se perder alguns dedos e até morrer atingido
pelo guindaste que coloca o bote na água, se não forem seguidos os
procedimentos padrão.
Pensei que o treinamento para operar os botes seria uma medida de
segurança para o caso de alguma emergência, mas Kevin explicou que é
para capacitar os ativistas, que algum dia podem ser convocados a
pilotar um bote em uma ação de protesto, como aquelas em que um
inflável fica por perto de uma baleia para tentar salvá-la. Vou acompanhar
toda a operação e revelar o que aconteceu com os marinheiros de
primeira viagem.
Outra coisa que me chamou a atencão é que, não raro, ouvem-se
diálogos em espanhol ou português, mesmo que a língua oficial a bordo seja
o inglês e que o capitão tenha pedido para que usássemos apenas esse
idioma. Isso causa um certo desconforto para quem não entende, e
freqüentemente se vê alguma cara feia querendo dizer "não estou
entendendo". Mesmo que a pequena comunidade do Arctic Sunrise
tenha o mesmo objetivo e idéias semelhantes, esse detalhe das relações
mostra que a língua está longe de deixar de ser uma barreira na
sociedade.
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