A dor é um alerta

Você aí que acha que sentir dor é algo ruim,
acredite: seria pior sem ela. A dor é um sinal de
alerta, de que algo está errado, seja ela causada
por uma doença, uma inflamação ou uma defesa.
Perceber rapidamente que, ao colocar o dedo em
um café quente é preciso tirá-lo dali para evitar
estragos maiores, é resultado de um estímulo - a
dor - que vai até o cérebro e provoca reações de
defesa e proteção, explica Lucia Miranda Monteiro
dos Santos, chefe do Serviço de Tratamento de Dor
e Medicina Paliativa do Hospital de Clínicas de
Porto Alegre. Sem esta percepção, dificilmente
saberíamos defender ou proteger nosso corpo -
quem não sente dor, não sabe que algo anda mal e,
no caso do café fervente, a pele queimaria sem que
percebêssemos. E aí o estrago estaria feito.

Foto: Shutterstock

De onde vem essa dor?

Nociceptores, não por acaso, lembram nocivo. Eles
são os responsáveis pela sensação de dor, que
pode ser provocada por estímulos térmicos
(queimadura), mecânicos (pancadas) ou químicos
(ardência causada por um medicamento em um
corte, por exemplo). A função desses receptores,
segundo Alan Fein, professor de biologia da
University of Connecticut Health Center, é transmitir
informações aos neurônios sobre a lesão. “Os
receptores individuais podem ser considerados
como uma ‘caixa-preta’, que transforma o estímulo
em um sinal apropriado para as células nervosas
subsequentes”, explica o especialista no livro
Nociceptores - as células que sentem dor.

No caso de queimaduras, por exemplo, existem os
termoreceptores instalados na pele, que são
acionados por estímulos acima de um certo limiar
de temperatura.

Há o estímulo não nociceptivo, que não provoca dor,
e os nociceptivos, que causam. Tudo depende da
intensidade. Caso ocorra um estímulo de
intensidade maior a que suportamos, há um disparo
no sistema nervoso: uma fibra nervosa leva esta
informação até o sistema nervoso central - da pele
até a medula e da medula até o cérebro - que
registra a dor, provoca a reação motora de tirar a
mão da chapa quente, por exemplo, o sentimento
em relação àquela dor, sua codificação, e a
quantifica. Este é o “caminho de ida” da dor.

Foto: Shutterstock

O corpo se defende

Processado tão rapidamente quanto o “caminho de
ida” da dor, há o de volta: o cérebro passa a produzir
substâncias, as endorfinas, que servem para aliviar o
sentimento de dor. A endorfina - também liberada
após atividades físicas vigorosas - “atrapalha” a
comunicação entre os transmissores e receptores e
funciona como um analgésico natural. Nem sempre
ela dá conta de sanar a dor. Aí que entram os
medicamentos.

Foto: Shutterstock

Memória da dor

Uma criança coloca a mão em uma panela quente,
sente dor e chora. A partir daí, é provável que ela não
queira mais encostar-se a panelas por um bom tempo.
É que, além de um sinal de alerta, a dor tem uma
função sentimental, explica Lucia Miranda Monteiro
dos Santos, anestesiologista com área de atuação em
dor. Há, ao mesmo tempo, o registro do estímulo da
dor no cérebro, de quantificação da dor e um registro
emocional do que nos causou a má sensação - uma
forma de tentar nos preservar de cometer o mesmo
erro de novo. “Ao sentir dor, pensamos: ‘Ai, isso é
ruim’. Assim, nosso cérebro grava essa experiência e
que, por exemplo, não podemos encostar-nos a uma
chapa quente”, afirma.

Foto: Shutterstock

A dor de zero a 10

Se você já pensou que alguém é fraco demais para a
dor ou, ao contrário, suporta estoicamente dores que
parecem fortes, sua percepção está correta. A dor é
realmente subjetiva. A Associação do Estudo da Dor
define a sensação como "uma experiência sensitiva
emocional desagradável"; assim, só é possível
medi-la com base na experiência do próprio paciente.
Para tentar quantificar e criar uma forma de avaliar se
um tratamento está produzindo efeito, foram criadas
diversas escalas, mas a mais comum é a que
quantifica a dor de 0 a 10, sendo zero dor nenhuma e
10 dor máxima. São três níveis: fraca (0 a 4),
moderada (4 a 7) e forte (7 a 10).

No início de um tratamento, o paciente é perguntado
qual o grau de sua dor com base nesta escala. A
partir desta resposta, o médico define o tratamento de
acordo não só com a intensidade da dor, mas levando
em conta também onde dói - há medicamentos
específicos apenas para dor de cabeça, por exemplo -
e a avalia o paciente ao longo deste período até que
se perceba uma melhora.

Foto: Shutterstock

O estresse que alivia

Você já viu a cena: um jogador de futebol sofre uma
pancada durante uma partida decisiva. Depois de
rolar pelo chão na tentativa de buscar um pênalti, ele
levanta e segue o jogo. E basta acabar a partida para
que ele volte a rolar pelo chão - agora sim com a dor
esperada para a pancada sofrida. Quem o ajudou a
não sentir dor foi o estresse. Durante todo o tempo
em que o atleta continuou jogando, ele esteve sob a
proteção de uma analgesia induzida pelo estresse.
Em momentos emocionalmente intensos, como
acidentes e quedas, o cérebro produz substâncias,
como adrenalina e serotonina, que funcionam como
mediadores de modulação. Ou seja: o organismo
reage tão intensamente que praticamente mascara a
dor. Assim, quando você se acalma, a dor volta a
cumprir sua função de avisar que algo não vai bem.

Essa reação é natural e ocorre da mesma forma em
todos os seres vivos, explica Lucia Miranda Monteiro
dos Santos, anestesiologista. “Essa analgesia existe
para que, diante de uma situação de perigo, você
possa se concentrar em se defender, atacando
ou fugindo, sem ficar paralisado pela dor. É uma
chance de sobrevivência.”

Foto: Shutterstock

Não basta doer: tem que
doer duas vezes

Pá, pá, pá, aaaaai! Você já reparou que a martelada
no dedão dói duas vezes? É que existem dois
caminhos da dor, um mais rápido (na hora da
pancada) e outro mais lento (aquele que faz o dedão
latejar). O conduzido pelo chamado feixe
neoespinotalâmico sai da periferia (o dedão), vai à
medula, ao cérebro e volta, modulando a dor e
trazendo o reflexo de tirar o dedo, levá-lo a boca. Já o
caminho pelo feixe paleoespinotalâmico faz várias
“paradas” pelo sistema nervoso. Há várias conexões
na medula e demora um pouquinho mais para
percebermos esta dor, que é a da sensação de que
está latejando.

Foto: Shutterstock

Dois tipos de dores

Existem dois tipos de dores, a nociceptiva e a
neuropática. Dor nociceptiva é a causada por estímulo
do terminal sensitivo, pode ser tanto dos órgãos
internos como dos externos (músculos, pele, vísceras,
pulmão) - são as dores que sofremos na maioria dos
casos, quando não há lesão de um nervo. Já a dor
neuropática é causada por lesão do nervo do sistema
nervoso.

Um nervo é como um fio de luz que, se desencapado,
pode dar choque, como exemplifica o médico Newton
Barros, vice-presidente da Associação Médica
Brasileira e coordenador da Comissão de Dor e de
Medicina Paliativa na Associação Médica Brasileira.
“Em pacientes com diabetes, por exemplo, a capinha
dos nervos (bainha de mielina) é lesionada e isso
provoca dor.”

Foto: Shutterstock

Dor aguda ou crônica,
qual é a sua?

Três meses. Esse é o período máximo em que você
pode chamar sua dor de aguda - depois disso,
lamentamos informar que ela provavelmente se tornou
crônica. Especialistas divergem na hora de dizer se
essa dor no ombro que está incomodando você é
aguda ou crônica. A aguda teria de persistir apenas
por um período dentro do limite do aceitável para a
cura daquele problema. O período de três meses foi
dado por Newton Barros, vice-presidente da
Associação Médica Brasileira e coordenador da
Comissão de Dor e de Medicina Paliativa na
Associação Médica Brasileira. Se a pessoa se
machuca - um mau jeito na coluna, uma cirurgia ou
dor de dente, e essa dor é solucionada, é uma dor
aguda - que funciona como um sinal de aviso.

Já a dor crônica não tem finalidade, ela deixa de ser
um aviso de um problema e passa a ser a própria
doença.“A dor crônica é fruto de uma alteração do
sistema nervoso, como se a dor ficasse ‘gravada’.”

Foto: Shutterstock

Dor todos os dias

Há pessoas que sofrem com dores por anos, o tempo
todo, ou em crises intercaladas, as chamadas dores
recorrentes - são os 30% da população que sofre com
dores, já que as agudas não são computadas: as
crises vêm e passam. As dores crônicas impactam
fortemente a vida dos pacientes, que sofrem
alterações emocionais, ansiedade e depressão.
Newton Barros, vice-presidente da Associação Médica
Brasileira, lembra que essas pessoas podem até se
isolar socialmente porque o mal estar é tão grande
que a dor se torna o fator mais importante de seu dia
a dia.

Curar a doença da dor crônica é complicado, admite o
especialista. Não basta um comprimido ou uma
cirurgia, é imprescindível uma equipe multidisciplinar.
O tratamento, explica Barros, envolve desde
psicólogos até grupos terapêuticos com as famílias. A
má notícia é que entre 10% e 20% dos pacientes com
dor crônica não apresentam melhora. “A grande
maioria melhora, mas jamais falarei em cura para um
paciente que sofre de dor crônica há anos. Nós
podemos melhorar sua qualidade de vida, mas não
falamos em cura”, diz o médico.

Foto: Shutterstock

Para cada intensidade,
há um tratamento

Como é de se imaginar, não se trata uma martelada
no dedo com um remédio para câncer. Como os três
níveis ou graus de intensidade da dor (fraca, de 0 a 4,
moderada, de 4 a 7, e forte, de 7 a 10), há a mesma
divisão para os analgésicos. Os médicos alertam, no
entanto, que não se pode encarar estes como um
tratamento padrão, uma vez que cada paciente tem
particularidades.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde,
existe uma escala analgésica criada para pacientes
com câncer, mas que é também utilizada para outros
pacientes. Ela é dividida em níveis, como explica
Newton Barros, vice-presidente da Associação Médica
Brasileira:

Fraca: anti-inflamatórios.
Moderada: anti-inflamatórios com opióides fracos,
como paracetamol e codeína.
Forte: os mesmos para dores fracas e mais opióides
fortes, como a morfina e a metadona.

Foto: Shutterstock

Mesma dor tem
tratamentos diferentes

Duas pessoas com dores em diferentes locais, mas
de mesma intensidade, recebem o mesmo
tratamento? Não necessariamente, já que existem
remédios específicos para alguns tipos de dores,
como as de cabeça, a lombalgia etc. “Não se pode
comparar uma pessoa com a outra porque a
tolerância à dor pode ser diferente. Um paciente pode
se queixar de dores fortes na coluna e seu raio-x não
acusar nenhum problema. Outro pode ter diversos
desvios em seu exame e não sentir dor alguma”,
exemplifica Newton Barros, vice-presidente da
Associação Médica Brasileira. “Muitos pensam que se
não se encontra a causa de uma dor, ela é
psicológica. Isto está errado. Vale aquilo que a
pessoa diz que sente. Se o exame não mostra nada,
mas ela diz que tem dor, é porque tem dor.”

Foto: Shutterstock

Como os remédios
atuam?

Os remédios exercem função semelhante a da
endorfina liberada pelo cérebro no caminho de volta
da dor para aliviá-la, atrapalhando a comunicação dos
estímulos. Numa lesão na pele, por exemplo, com o
uso de um anti-inflamatório, a inflamação diminui e o
estímulo deste nervo também. Se for usado um
anestésico local, o estímulo é bloqueado. As morfinas
e antidepressivos reforçam o bloqueio que a endorfina
já tentava fazer, mas com menos intensidade.

Foto: Shutterstock

Tolerância é zero

Alguns medicamentos podem mesmo desenvolver
tolerância, como os opióides (morfina, metadona,
oxidona, codeína etc.), como explica Lucia Miranda
Monteiro dos Santos, anestesiologista. É possível sim
se acostumar com um remédio, mas isso não ocorre
com todos os tipos e o que é necessário fazer é
aumentar a dose para tratar o mesmo impulso de dor,
apesar de a lesão ser a mesma. Por isso mesmo,
convém não abusar - se o medicamento parar de
fazer efeito, a dor vai tomar conta.

Foto: Shutterstock

Onde dói?

A dor de cabeça é a mais comum do mundo, seguida
pela dor nas costas. Em terceiro, vêm as dores
articulares e musculares. Segundo Newton Barros,
vice-presidente da Associação Médica Brasileira, as
estatísticas mostram que a dor de cabeça é a maior
causa de perda de dias de trabalho.

Mas, ao contrário do que se pode imaginar, não são
estas as regiões mais sensíveis do corpo. Estudos a
partir de estímulos cerebrais indicam que as áreas
mais sensíveis são a língua, os lábios, as mãos e os
pés.

Foto: Shutterstock

Crianças que sofrem com
dor podem ser adultos
com mais dores

Ao contrário do que se pode imaginar, o corpo não
desenvolve tolerância à dor se for exposto a situações
traumáticas na infância. Pelo contrário. Newton
Barros, vice-presidente da Associação Médica
Brasileira, lembra-se do conceito de que dor é uma
experiência sensitiva emocional desagradável. Assim,
crianças que foram hospitalizadas, que passaram por
procedimentos médicos e principalmente as que
sofreram maus tratos ou abusos, têm mais chances
de ter dor crônica quando adultas. “A influência de
experiências prévias sensibiliza o sistema nervoso”,
afirma.

Foto: Shutterstock

Corpos femininos são
menos tolerantes à dor?

Há estudos que mostram que a percepção de dor está
relacionada a alterações emocionais. Uma vez que
dor é também experiência, uma mulher em período
pré-menstrual pode ficar mais sensível
emocionalmente e percebe a dor de forma mais
intensa. Não há estudos específicos que comprovem
a sensibilidade maior da mulher em período
pré-menstrual, mas há o entendimento dos médicos
de que as alterações hormonais e sentimentais na
mulher durante este período faz sim com que ela sinta
a dor de forma mais intensa. Por isso, ela fica mais
sensível neste período.

De acordo com Newton Barros, vice-presidente da
Associação Médica Brasileira, as estatísticas apontam
para uma maior incidência de mulheres nos
consultórios médicos por uma questão também
cultural, já que homens tendem a procurar menos
ajuda médica do que as mulheres. Mas isso não quer
dizer que eles sintam menos dor.

Foto: Shutterstock

Tem gente que fica louca
de dor

Há casos em que pacientes relatam sentir dores
orgânicas, mas que, depois de toda sorte de exames,
não apresentam nenhuma lesão. Existe um quadro
emocional em que a dor pode ser um sintoma de
problemas psicológicos, que vão desde uma psicose
até depressão. A sensação é tão forte que o paciente
sente de forma orgânica a dor em um local específico,
como braços ou pernas. Por isso tratamentos
englobam também as terapias. “O leigo diz que isso é
uma dor criada pela cabeça. Mas não importa. Se ela
provoca sofrimento, por mais que não tenha causa
orgânica, é uma dor”, explica Lucia Miranda Monteiro
dos Santos, anestesiologista.

Foto: Shutterstock

Quando se deve procurar
um médico?

Bom senso é a chave. Não é toda dor que deve
motivar uma visita ao médico, mas também não se
deve ignorá-la sempre. É preciso prestar atenção se
aquela dor veio de um esforço não habitual, como
carregar algo pesado, dormir mal ou bater com o pé
numa pedra, ou se é uma dor incomum, como uma
dor no peito.

É preciso observar também a intensidade e a
persistência da dor. Se uma pessoa não tem dor de
cabeça frequentemente e num certo momento sente
dores muito fortes, é necessário consultar o médico.
Na maioria dos casos não há necessidade de se
buscar um médico especialista em dor, basta se
consultar com o profissional que já se está
acostumado ou um clínico geral.

Foto: Shutterstock