É TEMPO DE REVER, RELER E
ACESSAR DRUMMOND
Centenário de nascimento do poeta dispara série
de resgates, revisões e comemorações, que incluem a reedição de
toda sua obra, a digitalização de seis mil textos e ainda dois
documentários e um filme inspirado em sua obra
O
poeta Carlos Drummond de Andrade disse em uma de suas últimas
entrevistas que não tinha a menor pretensão de ser eterno e previu
seu esquecimento dentro de pouco tempo. "Tenho a impressão de
que daqui a 20 anos eu já estarei no Cemitério São João Batista.
Ninguém vai falar de mim, graças a Deus", confessou ao jornalista
Geneton Morais, então no Jornal do Brasil, 17 dias antes
de sua morte, acontecida em agosto de 1987, quando estava com
85 anos.
A
profecia, no entanto, felizmente não se realizou: a partir do
próximo mês, a editora Record inicia a reedição da obra completa
de Drummond seguindo exatamente suas instruções. Serão 36 livros.
Um fino biscoito que prepara uma intensa série de atividades que
vai culminar com o centenário do poeta, em 31 de outubro de 2002
"Os
admiradores do Carlos jamais o abandonaram, por isso vamos presenteá-los
com diversas homenagens", afirma o artista gráfico Pedro Augusto
Graña Drummond, neto mais novo do poeta (a quem trata pelo primeiro
nome) e principal responsável pela administração de sua obra.
"Os livros receberão finalmente o tratamento que ele esperava
muito."
O
volume mais aguardado da primeira fornada é justamente o primeiro
publicado por Drummond, Alguma Poesia, em 1930. Então com
28 anos, o poeta enfrentou as dificuldades habituais de um iniciante:
sob o selo imaginário Edições Pindorama, criado por Eduardo Frieiro,
romancista, tipógrafo e seu amigo pessoal, foram impressos 500
exemplares, pagos do seu próprio bolso sob a chancela da Imprensa
Oficial (onde trabalhava como redator), mediante descontos em
sua folha de vencimentos.
Essa
foi a única edição isolada de Alguma Poesia, escrito sob
o impacto do movimento modernista de 1922 e dedicado a Mário de
Andrade. Nos anos seguintes, os 49 poemas dividiam espaço com
outros títulos, em Sentimento do Mundo e, depois, na Antologia
Poética. "Seu desejo de ver o livro publicado da forma original
era tão grande que ele passava horas recortando e montando seus
poemas em folhas em branco, na ordem que gostaria que fossem publicados",
explica Pedro. "Tudo isso ele colocou em uma pastinha e entregou
na Record." A disposição de reeditar a obra conforme sua vontade,
aliás, pesou favoravelmente na troca da Editora José Olympio pela
nova casa.
A
nova edição de Alguma Poesia terá fotos inéditas do poeta
na época em que o livro foi escrito. Este será o padrão de todos
os demais volumes, unificando-os: na capa, uma fotografia de como
Drummond era naquele momento, seguindo o projeto gráfico de Regina
Ferraz. "É comum as pessoas lembrarem sempre da imagem dele já
velhinho, vai ser uma curiosidade."
Críticas
e elogios - Quando lançou Alguma Poesia, Drummond já
era um talento revelado. Dois anos antes, em 1928, ele publicou
o poema No Meio do Caminho na Revista de Antropofagia,
provocando elogios entusiasmados e críticas indignadas. Hoje,
encontram-se 17 traduções de seus versos. Os 49 poemas do primeiro
livro foram escritos entre 1925 e 1930, seguindo a preocupação
com o ritmo, melodia e emoção dos versos.
Ali
está o famoso Poema das Sete Faces ("Quando nasci, um anjo
torto/desses que vivem na sombra/disse: Vai, Carlos! ser gauche
na vida"). E também o bem humorado Quadrilha ("João amava
Tereza que amava Raimundo"), parafraseado anos depois por Chico
Buarque.
No
projeto de reedição, a Record convidou críticos para escreverem
relatos analíticos sobre as obras do poeta. Assim, Alguma Poesia
será analisado pelo escritor e tradutor argentino Manoel Garcia
Graña Etcheverry, pai de Pedro Augusto. Brejo das Almas,
segundo livro do poeta, lançado em 1934, terá resenha de Edmílson
Caminha. Já Sentimento do Mundo contará com um texto de
Silviano Santiago. Finalmente, A Rosa do Povo, escrito
em 1945 e um dos campeões de venda do poeta, contará com um estudo
crítico de Affonso Romano de Sant´Anna.
Todos
os livros serão relançados a partir do próximo mês e terão
um índice com os primeiros versos de cada poema e também a nova
bibliografia completa do poeta, a cargo de Eliane Vasconcelos,
do Museu da Literatura. O projeto prevê ainda a publicação de
preciosidades como um caderno de dedicatórias poéticas organizado
por Drummond, pertencente ao arquivo organizado por Plínio Doyle.
Em
relação a obras de referência, será lançada uma edição comercial
de um livro artesanal, A Máquina do Mundo, ilustrado por
Luís Jardim. Reedições de livros de arte já esgotados, publicados
por editoras diversas, não estão descartadas. "Finalmente, teremos
uma edição da obra exatamente como Carlos sempre sonhou", comemora
Pedro.
Ubiratan
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