As consequências do vício em jogos de azar
As consequências desta epidemia silenciosa são devastadoras
Recentemente, uma notícia chocante chamou a atenção do mundo: um homem na Indonésia foi preso após vender seu filho de apenas 11 meses por R$ 5 mil para continuar apostando em jogos online. O caso, de partir o coração, deixou escancarado o poder destrutivo do vício em jogos de azar e os extremos aos quais uma pessoa pode chegar quando fica aprisionada por esse comportamento compulsivo.
De acordo com Leninha Wagner, PhD em neurociências e especialista em neuropsicologia, o vício em jogos de azar, ou ludomania, "é uma compulsão incontrolável de jogar, mesmo quando as consequências são desastrosas." O comportamento é classificado como transtorno do controle dos impulsos no DSM-5 e envolve sintomas claros, como a obsessão por apostar quantias cada vez maiores e tentativas fracassadas de controlar o jogo. "A pessoa começa a usar o jogo como uma forma de escapar de problemas ou emoções negativas," explica a especialista.
Principais sinais de alerta
Os sinais de que alguém está viciado em jogos de azar são bastante evidentes, mas muitas vezes acabam sendo negligenciados. "Apostar frequentemente, mentir sobre o envolvimento com o jogo e pedir dinheiro emprestado são alguns dos sinais mais comuns", ressalta a profissional. Além disso, sintomas emocionais, como irritabilidade, ansiedade e depressão tornam-se constantes nos momentos em que o indivíduo não está jogando. Para Leninha, a incapacidade de parar, mesmo diante de grandes perdas, é o que define a gravidade do transtorno. "Eles simplesmente não conseguem parar, mesmo sabendo das consequências", enfatiza
O ciclo da busca por dopamina
Mas o que leva uma pessoa a se afundar em um vício tão destrutivo? A especialista em neuropsicologia aponta para fatores psicológicos profundos, como baixa autoestima e a incapacidade de lidar com estresse e traumas não resolvidos. Além disso, há um mecanismo biológico envolvido: "O reforço intermitente, ou seja, ganhos esporádicos, reforça a ideia de que mais vitórias virão, mesmo após múltiplas perdas." Essa falsa esperança é alimentada pela dopamina, um neurotransmissor ligado à recompensa. "É o que mantém o ciclo vicioso: a expectativa de um grande ganho, apesar das derrotas acumuladas," detalha.
Os impactos do vício em jogos de azar vão além do financeiro
O impacto do vício em jogos de azar vai muito além das apostas, ou seja, da perda financeira. "Esse comportamento compulsivo pode aumentar os níveis de ansiedade, depressão e gerar estresse crônico", explica Leninha. Além disso, o indivíduo pode desenvolver distorções cognitivas, pois passa a acreditar que é capaz de recuperar o dinheiro perdido com mais apostas. Esse ciclo destrutivo muitas vezes leva à exclusão social e à autossabotagem. "Eles se sentem culpados e envergonhados, o que os isola ainda mais de amigos e familiares."
O vício também afeta diretamente as relações pessoais e profissionais. "As pessoas viciadas negligenciam responsabilidades, geram conflitos familiares e até perdem seus empregos devido ao tempo dedicado ao jogo," diz a especialista. E, claro, a compulsão por apostar também pode levar à falência, resultando em perdas financeiras graves e falta de confiança de empregadores e amigos.
Dívidas, desespero e consequências na saúde
Leninha Wagner destaca ainda que o comportamento compulsivo pode ter consequências financeiras devastadoras. "O acúmulo de dívidas é comum, e muitos acabam recorrendo a crimes para financiar o vício." Esse comportamento alimenta uma sensação constante de desespero e vergonha, o que, por sua vez, intensifica ainda mais o ciclo de dependência. As consequências legais e sociais, como perder a guarda dos filhos ou enfrentar processos judiciais, são frequentes em casos extremos, como o da Indonésia citado no início da matéria.
Além disso tudo, o vício em jogos de azar raramente aparece sozinho. "Estudos mostram uma forte ligação entre o jogo patológico e transtornos como ansiedade, depressão e abuso de substâncias," afirma Wagner. Muitas vezes, o jogo é usado como uma forma de aliviar sintomas emocionais ou psicológicos, mas, paradoxalmente, acaba exacerbando esses transtornos. "O ciclo vicioso se intensifica à medida que o estresse e a frustração aumentam, levando a um quadro grave de desregulação emocional."
É possível tratar o vício em jogos de azar?
Apesar de ser um desafio, Leninha aponta que o tratamento para o vício em jogos de azar é possível e geralmente envolve uma combinação de psicoterapia e grupos de apoio, como os Jogadores Anônimos. "A psicoterapia ajuda a modificar os pensamentos distorcidos e a encontrar formas mais saudáveis de lidar com o estresse," explica. Em casos mais graves, o uso de medicamentos que regulam o controle dos impulsos, como os ISRS (inibidores seletivos de recaptação de serotonina), também pode ser necessário.
Para prevenir o vício, especialmente entre os jovens, a profissional sugere a implementação de campanhas de conscientização e a regulamentação rigorosa da publicidade de jogos de azar. "Precisamos ensinar nas escolas sobre os riscos do jogo e promover atividades saudáveis para reduzir o tempo e a energia que os jovens gastam em apostas", argumenta.
A cultura de jogos de azar cresceu muito
Nos últimos anos, o jogo on-line tem sido um dos principais responsáveis pelo aumento dos casos de vício. "A alta acessibilidade e a disponibilidade 24 horas por dia tornam o jogo online extremamente perigoso", alerta a especialista. Ou seja, o anonimato da internet e a facilidade de jogar a qualquer momento via dispositivos móveis contribuem para o agravamento do problema. "A gamificação das plataformas, com bônus e recompensas, ativa o sistema de recompensas do cérebro, tornando o comportamento ainda mais difícil de controlar," explica.
Casos trágicos, como o do homem preso por vender seu próprio filho para apostar, são um exemplo extremo, mas infelizmente não raros, das consequências desse vício. Especialistas no assunto indicam que a sociedade precisa enfrentar essa questão com seriedade, implementar medidas preventivas e garantir que os viciados tenham acesso ao tratamento necessário antes que suas vidas sejam completamente destruídas.