Estudo sobre diabete expõe mau controle da doença entre brasileiros
Pesquisa com 2,5 mil pessoas mostrou que 55,8% delas tinham nível de glicemia abaixo do recomendado
A diabete é uma doença crônica e progressiva que exige um alto comprometimento da pessoa com o tratamento. Porém, mantê-la sob controle é difícil. A partir do diagnóstico, uma série de mudanças no estilo de vida precisa ser adotada, o que pode ser radical para alguns. Por conta disso, muitos não conseguem atingir níveis adequados de glicemia e correm risco de desenvolver complicações.
Segundo a Federação Internacional de Diabete, o Brasil tem 16,8 milhões de adultos, entre 20 e 79 anos, convivendo com a enfermidade. O estudo Binder, realizado no País com 2,5 mil pessoas maiores de 18 anos, que têm diabete tipos 1 e 2, mostrou que 55,8% delas estão com a doença fora de controle. A investigação, a pedido da Sanofi, ocorreu em 43 cidades brasileiras.
Os pesquisadores chegaram a essa conclusão por meio dos resultados dos testes de hemoglobina glicada (HbA1c), que mede o nível de glicose (açúcar) dos três meses anteriores à coleta de sangue. O exame avalia a porcentagem de hemoglobina, presente na corrente sanguínea, ligada à glicose.
Por padrão, o ideal é que a HbA1c seja mantida abaixo de 7% ou dentro de uma meta individualizada, de acordo com o perfil da pessoa. No estudo, 44,2% dos participantes estavam dentro dos níveis esperados. Vale ressaltar que 91,9% da amostra era de indivíduos com o tipo 2 da doença.
"A maioria dos estudos mostra que as principais complicações da diabete são retinopatia, doença renal e neuropatia, que estão relacionadas com a hemoglobina glicada. Se colocar essa hemoglobina abaixo de 7%, consigo reduzir significativamente as complicações da diabete", explica Rodrigo de Oliveira Moreira, um dos autores do estudo e presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
Outras complicações citadas pelo especialista são cegueira, amputação, enfarte agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral (entenda mais aqui).
Uma pesquisa de 2017 feita pelo Ibope Inteligência com 145 pessoas com diabete mostrou que o maior medo delas em relação à doença é amputar algum membro, indicado por 32%. O mesmo porcentual foi visto para o risco de ficar cego. Os menores medos são ter alguma doença cardíaca (3%) ou restrição alimentar (2%). Os resultados indicam que poucos sabem das complicações cardiovasculares da enfermidade, mas elas são a principal causa de morte nesse público.
Mau controle da diabete
A adesão ao tratamento é extremamente importante para que a doença não saia dos eixos — e não estamos falando apenas de aplicação de insulina. Em alguns casos, é preciso injetar ou ingerir medicamentos, mudar a alimentação, começar ou adaptar a prática de exercícios físicos e, para todos, monitorar o nível de glicose. Todas essas alterações podem ser difíceis, mas são possíveis.
"A insulina é, talvez, o medicamento mais efetivo para tratar diabete, mas tem estigma de ser injeção e sabe-se que muitos pacientes associam a insulina com complicações. Na verdade, quando começa com insulina, começou tarde demais", alerta Moreira.
O primeiro receio da engenheira eletricista Juliana Lessa, de 41 anos, foi de não conseguir aplicar insulina em si após o diagnóstico de diabete tipo 1 há dez anos. "O fato de ter de usar uma agulha em mim gerava aflição. Mas, sabendo que isso era fundamental para o meu tratamento e minha vida, logo me entendi com as canetas de insulina e desde o primeiro dia faço as aplicações sem problemas", conta. Ela compartilha sua vivência com a diabete no blog Insulina Portátil e nas redes sociais.
Os desafios, porém, não terminaram aí. Com esse tipo de diabete, Juliana usa insulina, pelo menos, quatro vezes ao dia. E é comum que episódios de hipoglicemia ocorram, quando o nível de açúcar no sangue está abaixo do normal. Isso porque a insulina é responsável por 'retirar' a glicose do sangue a fim de transformá-la em energia para o corpo. Quando há muita dessa substância no organismo, a taxa de glicose cai consideravelmente.
Esse é outro fator que pode levar a pessoa a desistir do tratamento, por achar que será sempre assim. "Com o tempo, minha endocrinologista foi ajustando as doses da insulina de ação rápida junto comigo e, depois, aprendi sobre a contagem de carboidratos, que me ajuda muito a ter uma glicemia mais controlada", diz Juliana. O estudo mostrou que, das 178 pessoas com diabete tipo 2 que relataram interrupção definitiva de medicação, 23,6% foram por falta de eficácia e 14,6% por risco de hipoglicemia.
O endocrinologista Fernando Valente, coordenador dos Ativos de Comunicação da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), destaca a atuação do profissional na importância do tratamento. Quando se fala em mudanças de hábitos, é ainda mais essencial. "Se o profissional de saúde coloca proibições, toda proibição gera falhas. A orientação tem de ser no sentido de fazer parte da rotina. Tudo é negociável, principalmente se o paciente tiver bom controle glicêmico", afirma.
Outro fator que dificulta o controle da glicemia é a falha na monitorização. Das 185 pessoas com diabete tipo 1 avaliadas pelo estudo, a automonitorização foi relatada com uma média de 4,2 vezes ao dias, sendo que 49,2% delas faziam isso mais de uma vez.
"A pessoa com diabete tem variação de glicose maior do que quem não tem a doença. É necessário monitorar com o aparelho na ponta do dedo [glicosímetro] ou com sensor de monitoramento", explica Valente. O problema é a disponibilidade e o custo desses aparelhos.
Embora os medidores e as tiras para teste de glicemia sejam disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde, são restritos a quem usa insulina. No entanto, é importante que quem não faz uso da substância também monitore o nível de açúcar no sangue. Já o sensor é um aparelho que se instala na parte posterior do braço, dura cerca de 14 dias e custa em torno de R$ 250 cada, fora o preço do monitor.
Como controlar a glicemia
Com base na conversa com os especialistas e com Juliana Lessa, listamos abaixo dicas para o melhor controle da diabete. É importante ressaltar que essas recomendações podem não valer para todas as pessoas e que cada uma precisa consultar o médico para que, juntos, estruturem a rotina e as doses mais adequadas de insulina e medicações.
Mudança de hábito: ter a supervisão de especialistas pode ajudar na adesão ao tratamento. Além de endocrinologista, o acompanhamento de nutricionista, educador físico e psicólogo se mostra positivo diante das várias alterações que precisam ser feitas. Fernando Valente comenta, ainda, que usar aplicativos que ajudam nessa supervisão ou plataformas em que se pode 'consultar' com uma inteligência artificial ou mesmo à distância com um médico podem facilitar. Mas isso, ele alerta, não substitui o contato presencial com o profissional.
Grupos de apoio: o especialista da SBD aconselha que as pessoas entrem em contato com outras que vivem o mesmo que elas para compartilharem experiências. Elas podem combinar de praticar exercícios físicos juntas ou de se 'cobrarem' pela adesão ao tratamento. É um incentivo a mais! Na internet, há diversos blogs como o de Juliana que auxiliam nesse sentido. Veja aqui como os portais de saúde ajudam pacientes.
Monitorização: informação correta é a principal maneira de a pessoa aderir ao tratamento. Com isso, ela entende o porquê de injetar insulina, monitorar os níveis de glicose e passa a encaixar essas práticas na rotina. Aqui, entra, de novo, a atuação dos diferentes profissionais de saúde, que também precisam valorizar essa medição. São esses valores que vão determinar o quanto de insulina se deve aplicar.
Visite seu médico: para avaliar a hemoglobina glicada, a pessoa tem de voltar, pelo menos, a cada três meses ao consultório. Entenda isso como mais uma etapa importante do tratamento. Muitos meses com mau controle glicêmico é prejudicial e pode levar a complicações da diabete. Por ser uma doença crônica, o tratamento precisa ser ajustado ao longo da jornada.
Pergunte, entenda e viva: Juliana afirma que a partir do momento que se entende tudo o que envolve a diabete, fica mais fácil conviver com a doença. "Não vejam o diagnóstico como uma sentença. É um susto, sim, mas vai ficar tudo bem", diz.