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Quem pode usar os novos tênis da Balenciaga?

Mais do que o preço dos itens de luxo, os tênis “detonados” levantam uma discussão sobre privilégio branco e consumo consciente

10 mai 2022 - 15h52
(atualizado em 11/5/2022 às 18h22)
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Lançamento da marca espanhola Balenciaga chamou atenção nas redes sociais
Lançamento da marca espanhola Balenciaga chamou atenção nas redes sociais
Foto: Reprodução/ Divulgação

É praticamente impossível ficar indiferente aos novos lançamentos da Balenciaga. Mas não é sobre o desejo de obter os novos tênis da marca de luxo espanhola, é sobre estranhamento, ou até repulsa.

Os itens em questão, tênis anunciados como "Paris Sneaker" no site da marca, estão quase que completamente destruídos nas fotos. O lançamento faz questionar não apenas quem pode usar essas criações, como também quem pode pagar por um tênis que custa entre US$ 495 e US$ 1,8 mil - cerca de R$ 2,6 mil e quase R$ 10 mil.

O estudante de moda e stylist Matheus Vieira, por exemplo, diz que gostaria de ter uma peça dessa no seu acervo. O motivo é justamente o burburinho em torno do item, apesar de entender que tudo não passa de "jogada de marketing" da Balenciaga. O objetivo? Aumentar a valorização da marca nas redes sociais e gerar engajamento e discussão. 

estudante de moda e stylist, Matheus Vieira, acredita que o lançamento é uma "jogada de marketing”
estudante de moda e stylist, Matheus Vieira, acredita que o lançamento é uma "jogada de marketing”
Foto: Reprodução/ Instragram: @matheuxvieira

A consultora de moda e estilo Ana Vaz concorda e acrescenta que o lançamento da Balenciaga é uma estratégia para atrair o consumidor mais jovem. Em sua avaliação, esse público sempre vai buscar uma quebra do padrão, do que é tradicional, e por isso pode se sentir atraído por um item considerado feio é desagradável.

"Esse consumidor mais jovem tem estado cada vez mais distante do luxo”, explica.

Um perfil bem específico

Para um lançamento como esse, a marca pensou em um público-alvo, como afirma a consultora de moda. "Jovem, branco e rico, que não sofre com o preconceito do uso de nada que é destruído, puído, podrinho…", reflete.

Segundo Ana, não somente o preço, o preconceito e racismo também são fatores limitantes para o uso de itens com a aparência destruída, ou com aspecto de desgastado. 

"É uma estética que só mantém seguro quem tem o privilégio de ser essa pessoa branca. Muitas vezes, você vai ter um jovem usando esse tênis muito surrado porque é a única opção que ele tem, e muitas vezes ele nem está seguro, fisicamente, podendo ser interpretado como alguém que é perigoso, que anda à margem da sociedade", pondera. 

A consultora de moda avalia ainda que, mesmo que a Balenciaga não pense no que ela chama de “exclusão racial implícita”, é impossível dissociar o racismo no qual se estrutura o Brasil. Lançamentos como o da grife espanhola evidenciam o padrão do corpo do público-alvo.

Para consultora de moda e estilo, Ana Vaz, a marca está buscando consumidores jovens
Para consultora de moda e estilo, Ana Vaz, a marca está buscando consumidores jovens
Foto: Reprodução/ Instagram: @anavaz_imagem

"Se você olhar o casting da Balenciaga, você vai ver diversidade racial, ela é uma marca que traz uma inclusão de modelos. Mas se isso inclui realmente as pessoas que são racializadas ou excluídas… Pode não ser um ato racista, mas ela não deixa de ter um olhar branco para o que é dito 'luxo'", afirma Ana. 

A consultora de moda Cáren Cruz observa que essas peças também são uma oportunidade para refletir sobre o papel social da roupa no dia-a-dia, uma vez que a sociedade é formada por várias primeiras impressões. Para a consultora é preciso pensar: quem poderia sair às ruas para procurar um emprego, para fazer network, para participar de ações e eventos utilizando peças destruídas?

A consultora de moda, Cáren Cruz, questiona: quem poderia usar essas peças no dia-a-dia?
A consultora de moda, Cáren Cruz, questiona: quem poderia usar essas peças no dia-a-dia?
Foto: Reprodução/ Divulgação

Segundo Cáren, a cor do indivíduo ainda é um fator levado em consideração nesses julgamentos. "Quando uma pessoa negra usa marcas de luxo, dentro do contexto social no qual nós estamos, é automaticamente julgada; se levanta a concepção da dúvida se ela teria mesmo condições de estar com aquele produto", afirma. 

O luxo do lixo, ou ao contrário

Geralmente, o que diferencia um item de luxo de algo mais barato é justamente a qualidade e durabilidade de um item. Pode-se pagar mais caro por um produto que pode ser usado mais vezes sem ser substituído.

A Balenciaga alegou que fotografou os itens de uma maneira mais deteriorada do que eles vão ser entregues ao consumidor. Segundo a marca, a mensagem por trás disso é de que os calçados devem ser usados até o fim, mas muitos imediatamente associaram o produto ao lixo.

A consultora de moda Ana Vaz discorda dessa justificativa da grife espanhola. Para a especialista, entregar ao consumidor um produto já desgastado vai na contramão dos ideais de sustentabilidade que têm sido defendido por diferentes setores sociais, inclusive o mercado empresarial. 

"Você utiliza materiais que são nobres, que são recursos importantes de serem usados por mais tempo, os fragiliza e isso também vai diminuir o tempo de vida útil", afirma a consultora de moda Ana Vaz. 

Cáren Cruz acrescenta que consciência e responsabilidade devem andar lado a lado, inclusive na hora de se vestir. "Um consumo politizado, uma postura cidadã de entender toda a cadeia onde as peças são produzidas, quem as fabrica, quem são os idealizadores, quem está por trás dessa marca, quem de fato a produz e qual é a responsabilidade das pessoas que estão na gestão", pondera a consultora. 

Fonte: Redação Terra
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