SPFW: digital x analógico, upcycling e crochê encerram evento
O quinto e último dia da 51ª edição do SPFW, que terminou neste domingo (27), deixou um recado bem claro: a moda tem que se reinventar sempre, se reconectar e se adaptar aos tempos pós-pandemia. Para isso, requer trabalhar com sustentabilidade, propósito, inclusão e diversidade.
Várias grifes deste domingo trouxeram inspirações na dualidade entre o mundo digital e o analógico, entre a reconexão com a natureza e com a simplicidade, seja em roupas atemporais (quase todas, aliás), seja nas coleções sem gênero, seja nas peças feitas com materiais reutilizados.
Neste último quesito, o destaque fica para o Projeto Ponto Firme, capitaneado por Gustavo Silvestre, que em 2015 começou a trabalhar com detentos na penitenciária Desembargador Adriano Marrey, em Guarulhos, ensinando crochê, hoje o sustento de muitos que já saíram da prisão. E também para Flavia Aranha, que criou peças com mais de 500 kg de resíduos acumulados em seu ateliê no último ano.
O último dia teve ainda retornos e estreias necessárias, como dos talentosos Wilson Ranieri e Weider Silveiro, há anos na estrada; a apresentação "Minha História", de Walério Araújo, com 30 anos de carreira, ao lado de outras boas grifes mais novas.
O SPFW, com as 43 apresentações dessa edição, e projetos de inserção de novos estilistas na cadeia têxtil, elevou o patamar fashion do Brasil a um momento de inclusões e diversidades. Um bom exemplo foi o projeto Sankofa, promovido pelo movimento Pretos na Moda, com desfiles de novos estilistas negros. Que seja om começo de uma nova era mais iluminada, tão necessária para o Brasil atual.
Confira as apresentações das marcas
Wilson Ranieri
Depois de 10 anos longe, Wilson Ranieri voltou ao SPFW mostrando sua coleção com caimento perfeito. A ideia surgiu quando o estilista se apaixonou por um tecido florido de fundo escuro que comprou quando andava pela rua. Comprou um pouco e depois foi comprando mais atpe terminar todo o estoque da loja.
Ao lado das roupas com essa estampa, vieram peças com cores acesas, um dos desejos do momento de várias grifes, como fúcsia, tijolo, piscina e roxo, juntas ou separadas.
Os volumes não tão exagerados, mas com drapeados, franzidos e plissados deixam os looks nada convencionais, mesmo os mais básicos, um detalhe aqui e ali, fazem toda a diferença.
Nesta volta ao evento, o estilista usou malha sarjada nos looks estampados, cetim de seda lavado, musseline de seda e georgete plissado, responsáveis pelo caimento e movimento das peças, que se fazia notar no filme fashion em que a modelo andava sobre uma esteira e tinha as imagens sobrepostas. Destaque para os chapéus e demais acessórios nos mesmos tecidos.
Confira a apresentação da marca
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Soul Básico
A Soul Básico foi a segunda marca a se apresentar neste último dia do SPFW e, como o nome diz, "alma básica", trouxe uma coleção atemporal, sem gênero, leve e para todos, apesar de ter sido apresentada por modelos masculinos, incluindo o transgênero Sam Porto (foto).
Com o nome Re-Verso, o diretor criativo Zeh Henrique Domingues quis questionar o fato de a gente ter sido obrigada a parar, por conta da pandemia. Com estilo de Wilson Ranieri, que apresentou sua coleção antes dessa, a ideia foi questionar o fato de a gente ter que viver no mundo digital, com urgência, dentro dos algoritmos impostos pela internet.
As peças vinham em tons suaves, com peças para serem usadas hoje, amanhã e sempre, como camisas, capas longas, calças largas, moletons compridos e jaquetas em patchwork de jeans. Para completar a reflexão da necessidade de parada por conta da pandemia, a marca convidou o professor de meditação Thi Arruda, treinador de atletas e empresários de alta performance, para traduzir em gestos e movimentos a nova ordem proposta pela Soul Básico, ou seja, estimular a intuição e a diminuição do estresse.
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Victor da Justa
O estreante Victor da Justa também questionou nosso momento pandêmico e a informação vinda da internet, muitas vezes falsas e que as pessoas consomem sem refletir. Com a coleção chamada "Cognição Faminta", a ideia foi falar sobre a dualidade entre o analógico e a tecnologia e sua nocividade, com o excesso de informações.
Para traduzir isso em roupas também sem gênero, o foco se voltou para as estampas exclusivas que mostram tais reflexões. E são estampas desejo, que dão vontade de serem usadas já.
A primeira é a chamada "Pied Code", inspirada na tradicional pied-de-poule feita a partir das imagens de QR Code, tão presentes na nossa vida hoje. Teve também o garfo, na estampa "Notícia Servida" inspirada no garfo encontrado por Ariel, em "A Pequena Sereia", que ela pensa ser um pente, fazendo referência às fake news.
E, por úlrtimo, a "Cultura Analógica", com montagem de vários livros com diferentes temáticas, além de fotos, filmes e pedaços de jornais. Ele tirou uma foto do todo e depois de cada página, folha e papel que foram transformadas em um quebra-cabeça pelo estúdio de design Toro.
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Ponto Firme
O crochê pode remeter a nossas avós, mas a técnica manual está cada vez mais em alta entre as tendências. O Projeto Ponto Firme, que existe desde 2015, traz um novo significado a esse trabalho ancestral, porque começou capacitando detentos de uma prisão masculina de Guarulhos. O estilista Gustavo Silvestre é a cabeça da ação.
O Projeto apresenta a segunda coleção feita com ex-detentos, já que por conta da pandemia, as visitas no presídio estão proibidas. As 30 peças apresentadas neste SPFW totalmente foram feitas com resíduos têxteis, ressignificados em looks mesclados com crochê. Na apresentação inspirada em máscaras também criadas por um ex-detento, Anderson Figueiredo, as peças ganham status de roupas para sair, modernas e com propósito.
Tem bermudas jeans com barras construídas com crochê, vestidos, leggings e regatas com a técnica, que lembram meias arrastão. Mas o destaque fica exatamente para as peças construídas com retalhos e finalizadas com os vários pontos altos e baixos do crochê, em imagens de patchwork que ganham dimensões fashion em looks exclusivos. Os fios usados para compor os looks foram os Anne, Verano, Encanto e Susi, do Círculo S/A, que apoia o projeto desde o início.
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Renata Buzzo
A conjunção astronômica entre Júpiter e Saturno, em dezembro de 2020, inspirou a estilista Renata Russo para fazer um poema que deu margem à criação da coleção apresentada neste SPFW. A ideia foi mostrar os desencontros de duas pessoas, uma vez que os dois planetas são muito difíceis de se encontrar. O próximo alinhamento será apenas em 2080.
As roupas são inspiradas nos elementos do poema: como superfícies que remetem aos desenhos dos acres de terra vistos de forma aérea (é como Ar enxerga Terra, de cima, de longe, quadrado, fronteiriço). Vegana, a estilista também aposta no aproveitamento quase total de matérias-primas, usando 98% de todo o tecido necessário.
O resultado foi uma coleção com looks amplos, em tons que também remetem aos astros: terrosos e rosados de Júpiter e amarelados de Saturno; e também nos elementos da natureza, azul pálido do Ar e Água, marrom da terra, laranja e avermelhados do Fogo, e o ocre da água pantanosa, lamacenta.
Destaque para as várias texturas em cada look, de modelagem mais ampla, em tecidos quentinhos, como veludo e tricô. Mangas amplas e um perfume anos 60 e 70, por conta da dita Era de Aquário, também se fizeram notar nos confortáveis modelos criados por Renata.
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Weider Silveiro
Não poderia ser diferente. O estilista Weider Silveiro estreou no SPFW em grande estilo. Com 30 looks feitos para uma mulher contemporânea, que preza por uma roupa bem feita, bem cortada para vários momentos do dia, o veterano das passarelas, da Casa de Criadores, apostou na tecnologia para apresentar o "desfile" gravado no telhado do icônico Edifício Copan, em São Paulo.
Com looks em cores fortes, como verde e azul, e também pretos e florais em tons escuros, as peças vêm em comprimentos alongados, sobrepondo túnicas com saias e calças. Plissados, transparências e tecidos mais encorpados pontuaram a coleção. Saias mais amplas e estruturadas também enfeitavam as produções.
O estilista se aliou à tecnologia para retratar essa mulher moderna, que está sempre conectada. Com aparelhos da Apple, como o Iphone 12, as modelos desfilavam e ao mesmo tempo se fotografavam, com os cliques sendo apresentados no vídeo.
Com modelos de várias décadas desfilando, como Silene Zepter, dos anos 1990, Daiane Conterato, que começou nos 2000, e new faces, a estreia de Weider foi muito bem-vinda, ainda que tardia. O estilista, que faz uma roupa primorosa, mereceria ter a vitrine do SPFW à sua disposição há mais tempo.
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Walério Araújo
O estilista Walério Araújo apresentou seu filme fashion com o tema "Minha História", apresentando looks incônicos de seus 30 anos de carreira. Coincidência ou não, partes do vídeo foi gravado no Edifício Copan, onde o estilista mora há mais de 25 anos, e que tinha sido cenário também de Weider Silveiro.
Elke Maravilha foi retratada por Vivi Orth. O performer e DJ Johnny Luxo encarnou Padre Cícero. E outros elementos e pessoas que marcaram a carreira do estilista, como o próprio Copan mixada com uma imagem de sua mãe, apareceram.
As calçadas de São Paulo, o cachorrinho Mazé de 14 anos também estiveram na apresentação do estilista, um ícone da noite paulistana e muito buscado também por famosas para o Carnaval e festas concorridas, como Sabrina Sato, entre outras.
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Flávia Aranha
A 51ª edição do SPFW terminou com uma singela, mas forte, apresentação de Flavia Aranha, estilista que iniciou sua grife já com a filosofia da sustentabilidade, há 11 anos. Conectada à natureza, começou o filme com uma mulher nua, interpretada por Lian Tai, jornalista, atriz e modelo descente de chineses, em meio à natureza. Por conta disso, o vídeo não deve ser postado no Instagram, que não permite nudez.
Quando começou a mostrar os modelos, mulheres de todas as idades com roupas amplas, leves, esvoaçantes mostravam o "Sopro" (tema da coleção), necessário para tempos tão difíceis como agora. Além de Lian, Prem Nishpara, Anaïs Sylla, Larissa Oliveira, Vita Christoffel, Savannah, Tete Oshima e Ivy Ferreira encarnaram todas as mulheres que hora eram borboletas, ora casulos, ora metamorfose.
"Respirar, suspirar, soltar. Uma dança infinita, um encontro entre a gente e o mundo, o mundo e a gente. O ar, o vento. Mulheres que sopram a vida", escreveu Flavia em seu material de divulgação.
As peças foram construídas a partir de 500 kg de resíduos acumulados pela marca durante o último ano da pandemia, por isso o aspecto de delicadas colcha de retalhos costurados com delicadeza e afeto. Flávia se inspirou nas cores do céu do amanhecer ao entardecer, em São Luiz do Paraitinga, em São Paulo, onde tem vivido nos últimos meses.
Para conseguir os tons, tingiu os tecidos com cascas de cebola, semente de abacate, caldo de arroz negro e feijão, palha de milho crioulo, catuaba. A palha foi do milho que ela mesma plantou no começo do ano. Um dos vestidos foi feito com a técnica de tecelagem em arraiolo por bordadeiras de Pernambuco, com lã do Rio Grande do Sul, tingids no ateliê, em São Paulo.
Essa união de talentos do Brasil e a reconexão com a natureza, como fez Flávia Aranha e várias outras grifes, são algumas das das lições que o SPFW deixa para que possamos realmente conseguir a "Regeneração", tema desta edição.