“Nenhuma agência séria quer imagem associada a prostituta”
Book rosa, drogas e 'arapucas': agências de modelos revelam o que é ficção e o que é realidade em 'Verdades Secretas'
“Nenhuma empresa séria vai querer ver sua imagem associada a uma puta ou drogada.” A frase de Eli Hadid, dono da agência de modelos Mega Model Brasil (que tem Isabelli Fontana entre as agenciadas), resume a realidade que não se vê na novela Verdades Secretas , de Walcyr Carrasco, exibida às 23h. Na obra, mistura-se uma agência de modelos de passarela e fotos com as que têm os famosos books rosa, com lista de garotas de programa, comandada por Fanny (Marieta Severo). “Um autor escreve o que quiser, afinal é ficção, tem de dar Ibope. E se o mundo da moda não tivesse tanta importância, não seria assunto para um enredo de novela”, completa Eli.
Mesmo assim, o mundo fashion está em polvorosa, principalmente pelo fato de criar uma falsa ideia sobre o trabalho das modelos, amedrontando principalmente as famílias que têm meninas promissoras começando a carreira. “Do jeito que está na novela, cria-se uma confusão entre o que é realidade e o que é ficção”, afirma Liliana Gomes, diretora da agência Joy, desde 2008 no mercado e que toma conta da carreira cerca de 80 modelos, entre elas, Laís Ribeiro, nova angel da Victoria's Secret. “Nenhuma agência de modelo que tenha garotas desse nível possuem o tal do book rosa”, garante ela, que foi modelo nos anos 90 e nunca presenciou nada parecido.
O Terra ouviu, além da Joy e da Mega, Anderson Baumgartner, dono da Way Models (que tem no casting Alessandra Ambrosio, Shirley Mallmann e Carol Trentini); Rodrigo Toigo, diretor da área fashion da Ford Models (com casting como Barbara Berger, Waleska, e a própria Camila Queiroz, protagonista da novela); além de Hemerson Fabiano, booker por 13 anos e desde 2008 dono da ABA MGT, que produz campanhas e editoriais de moda; e Thiago Bunduky, relações públicas da Joy e da ABA.
Pessoas de verdade x personagens
Um dos motivos de confusão de Verdades Secretas é o uso de pessoas reais do mundo fashion em cenas da novela. Muitas das modelos que aparecem também atuam em passarelas nacionais e internacionais (Alessandra Ambrosio e a própria Camila Queiroz), assim como estilistas (Alberto Hiar, da Cavalera, apareceu num dos desfiles) e preparadores de modelos, como Dinho Batista, que ensinou o booker Visky (Rainer Cadete) da agência a andar de salto alto.
“Eles fazem participação especial, mas não estão dentro do contexto principal da novela. Não dá para associar a aparição na novela com a vida real”, disse Anderson, que tem como agenciada Alessandra Ambrosio. “Eu acertei a agenda dela para a participação. É uma experiência como atriz. Trata-se de mais um trabalho”, acrescentou.
Rodrigo Toigo, da Ford, também é enfático ao dizer que Camila Queiroz batalhou muito para conseguir o papel de protagonista do folhetim. “A Ford agencia a Camila desde os 14 anos. Já fez trabalhos importantes, como campanha para a Armani. Ela estudou para ser atriz e conseguiu o papel. Não dá para misturar a carreira dela com a personagem. É a mesma coisa que dizer que Tony Ramos é açougueiro, ou que a história de ‘João e o Pé de Feijão’ é real.”
Ficção x realidade
Muitas cenas da novela mostram coisas que realmente não acontecem na vida real. Uma delas é a personagem Larissa (Grazi Massafera) jogando um líquido na passarela para a Angel/Arlete (Camila Queiroz) escorregar. Como destaque do desfile, a garota é alçada por um cabo e “voa” sobre a plateia. O efeito especial até pode acontecer na vida real, mas a sabotagem é difícil. “Até há rixas entre as modelos, mas não se chega a esse ponto. Impossível a modelo ter acesso a qualquer tipo de produto, além disso qualquer pessoa da plateia veria”, diz Anderson, da Way.
Outro ponto levantado por ele é o fato de uma dona de agência fazer a produção de um desfile, convidar as pessoas e ainda sentar na primeira fila. “Isso não existe. As agências são apenas o elo entre a modelo e a marca.”
“Agência não é prostíbulo”
Todos os entrevistados afirmaram que nunca presenciaram ou tiveram conhecimento de caso como o da novela. “Modelo não é puta. A menina que quer uma carreira sólida de top model não pode se submeter a esse tipo de coisa nunca”, complementa Hemerson Fabiano, da ABA Mgt.
“Nunca ouvi uma história parecida. E se tivéssemos tomado conhecimento, seria muita burrice compactuar com isso. Do jeito que está na novela, parece que só modelos são garotas de programa. Isso foi feito para vender novela, que cumpre a função de entreter. Não dá para achar que é verdade”, afirmou Rodrigo Toigo, da Ford.
“A Marieta Severo, dona da Fanny Models, até disse num trecho da novela que a agência dela faz esse tipo de trabalho com as modelos, mas não são todas que fazem. Parece que quis amenizar a confusão. O fato é que agências com modelos de alto nível, como muitas no Brasil, não atuam assim”, disse Anderson Baumgartner. “É tudo um absurdo. As agências de modelo não são prostíbulos.”
Em entrevista ao Terra na festa de lançamento da novela, a modelo Alessandra Ambrosio contou que a prostituição existe na moda. "Este mundo existe, mas eu nunca participei. Em todas as profissões tem pessoas profissionais e corruptas. Isso faz parte deste mundo e estão retratando [em Verdades Secretas] ." Alessandra aconselha: "é bom para abrir os olhos das meninas que estão querendo ser modelo. Meu agente é um dos caras mais sérios do país e quem me trouxe lá do Sul, então sempre procure tratar com pessoas sérias".
Sem 'cara de balada'
“Você acha que uma empresa que gasta milhões na sua imagem vai aceitar uma garota envolvida em prostituição e droga na sua campanha, no seu desfile ou em alguma ação relacionada ao seu nome? Isso não existe. Qualquer vacilo, a empresa, a agência e a modelo estão mortos no mercado”, diz Eli Hadid.
“Minha agência faz o casting para vários eventos, capas de revista, desfile etc. Se uma modelo chega com cara de balada nem participa da seleção. Modelo de comportamento duvidoso, quero longe do meu trabalho”, afirma Hemerson Fabiano, que abriu a agência em 2008.
“Ninguém quer modelo com cara de doente, anoréxica ou com pele ruim. A indústria da moda é muito grande, movimenta muito dinheiro. Não há espaço para profissionais com conduta duvidosa”, garante Anderson Baumgartner, da Way. “As modelos trabalham oito horas por dia, precisam cuidar do corpo e da saúde. Precisam dormir bem. E as agências devem zelar por isso. Não dá para se apresentar num cliente sem dormir, com cara de balada”, afirma Liliana Gomes, da Joy.
Drogas
Numa das cenas da novela, Grazi Massafera aparece no backstage do desfile e uma assistente diz para ela passar pó no nariz, porque está vermelho. “Sempre há uma ovelha negra em todos os lugares e em todas as profissões, mas é quase impossível que uma modelo se drogue ao se preparar para o desfile. É tudo muito sério”, diz Anderson Baumgartner. A personagem Larissa se afundará no vício e, em fim de carreira, fará programas para bancar a droga, além de ficar feia e muito mais magra.
Profissão: modelo
“Toda mulher que não tem profissão é chamada de modelo. É só ver nas redes sociais, muitas se intitulam modelo/atriz. Diferente dos Estados Unidos, onde há regulamentação até para as “escort girls’, aqui não, então todas colocam modelos”, diz Liliana, da Joy. O relações públicas Thiago Bunduky acrescenta: “modelo é uma profissão aqui, mas quem não tem qualificação se apropria do termo para ganhar status.”
Tanto é profissão, que para desfilar nos eventos de moda, além de ter mais de 16 anos, a garota precisa ter registro na carteira e no Sindicato de Modelos e Manequins. “Não se trabalha sem esse registro”, diz Anderson, da Way. Rodrigo Toigo conta que os cerca de 500 modelos da Ford possuem o registro.
A novela pode abalar a profissão?
Num primeiro momento, os entrevistados afirmam que Verdades Secretas pode sim fixar uma imagem errada da profissão de modelos para os leigos que não atuam na área. “O problema é que se mistura muita coisa e cria um mundo que as pessoas acham que é real. Muita gente não sabe o que acontece de verdade quando uma menina começa a ser alçada como modelo e acaba acreditando no que vê na novela”, reafirma Liliana Gomes.
“Acho que pode interferir no conceito das pessoas sim, pois novela faz parte da cultura nacional. Independentemente de a realidade ser outra, brasileiro acredita muito na TV. Isso pode limitar o acesso de novas modelos. Muitas meninas podem perder o interesse”, diz Rodrigo Toigo, da Ford.
“Nós que estamos no meio da moda, sabemos que o que passa lá não é verdade. Mas a menina que mora no interior do Rio Grande do Sul e tem potencial pode confundir as coisas e não querer apostar na carreira. Se seu Valdir, pai de Gisele Bündchen, visse a novela na época em que a filha foi chamada para o concurso jamais a deixaria participar”, vaticina Hemerson Fabiano.
“No Brasil, o trabalho que se faz na moda é muito sério. De uns anos para cá, o profissionalismo alcançou um nível invejável e nossos profissionais – modelos, fotógrafos, stylists – têm nível internacional e são cobiçados lá fora. Aí, vem a novela e coloca isso à prova para o grande público. Muitas mães vão pensar duas vezes antes de deixar a filha nas mãos de uma agência”, acrescenta Anderson, da Way.
E o que fazer?
Claro, há agências que são arapucas e podem iludir várias meninas que almejam se tornar uma “Gisele Bündchen”, mas os conselhos de todos os entrevistados são os mesmos. Antes de tentar a carreira ou quando recebe um convite de alguém, deve-se pegar todas as referências possíveis da pessoa e da agência.
A busca pela internet é uma ferramenta e tanto hoje. Deve-se ver quais modelos trabalham lá, histórico da empresa, além de ligar para o escritório, checar todos os dados. O diretor da Ford, Rodrigo Toigo, diz até que o site Reclame Aqui pode trazer informações sobre agências ruins. “As sérias sempre se reportam aos pais”, diz.
“Se a menina vai a uma espelunca sem consultar nada, corre riscos. Numa agência séria, isso nunca vai acontecer. Muita gente se passa por agentes e até modelos de empresas grandes. Eu mesmo já fui apresentado a uma ‘modelo’ que dizia que era da Mega. Nunca tinha visto a moça na minha agência”, conta Eli Hadid.