Elas comemoram mudança de carreira após os 40
Mulheres que trocaram de profissão depois dos 40 anos mostram que estereótipos de idade estão ultrapassados
Quando Lucia encontrou o que realmente gostava de fazer, tinha 60 anos. Formada em Física, hoje, aos 62, é corretora de imóveis autônoma e empreendedora na área de eventos. Nunca esteve tão feliz. Assim como ela, outras mulheres estão descobrindo que mudar de carreira depois dos 40 anos pode ser sim uma escolha de vida.
Mas por que trocar de profissão depois de certa idade ainda parece uma decisão fora dos padrões ou mesmo irresponsável? Para a mestre em gerontologia Denise Mazzaferro, como essa reinvenção não faz parte de um projeto de vida inicial, ela acaba soando como uma falta de opção ou até mesmo falta de escolha.
A verdade é que as mulheres não precisam ter a idade como critério para fazer ou deixar de fazer mudanças, principalmente se a questão é estar realizada na vida profissional. Um dos motivos mais fortes para trocar de carreira, segundo Denise, é a falta de propósito na profissão atual.
Inspiração no churrasco
Foi justamente o que sentiu a gaúcha Clarice Chwartzmann, 51, hoje conhecida como “A Churrasqueira”. Publicitária, Clarice trabalhou mais de 15 anos em uma empresa no sul do país, e depois como produtora cultural. Perto de completar 50 anos, entrou em uma crise “de muitas perguntas e poucas respostas”.
“Eu queria entender minha linha de vida, e identifiquei que o churrasco sempre tinha me acompanhado. Adoro reunir as pessoas, tenho uma churrasqueira na sala e me dei conta que eu era a única mulher que fazia churrasco nos meus grupos. Aí me perguntei: porque só eu faço? A resposta foi imediata, sem nenhum bloqueio”, conta Clarice.
Clarice então montou um curso em que ensina mulheres a fazer churrasco. Com turmas de cerca de 20 alunas, ela dá um passo a passo de como escolher a carne, como espetar, temperar, assar. As aulas fizeram sucesso, e Clarice já participou de diversos eventos como churrasqueira. “Encontrei algo em que sou muito feliz: diz respeito a quem eu sou”, afirma.
Permissão para desejar
Em qualquer momento da vida, o desejo é muito importante. É ele que determina quais serão os projetos e mudanças profissionais. “As pessoas acham que o desejo é um privilégio do jovem, mas não é: uma pessoa com 90 anos tem que ter motivação. E as mulheres, ao longo do tempo, foram oprimidas em seus desejos de carreira”, diz Denise Mazzaferro.
A história de Lucia, que você leu no início da reportagem, foi assim. Lucia Xavier da Cunha, 62, é de uma geração de mulheres que abriram mão de objetivos profissionais porque era esperado que se dedicassem à vida doméstica, ou porque as carreiras que escolhiam eram exclusividade dos homens.
“Fomos criadas por pais possessivos e autoritários, e entregues a maridos possessivos e autoritários. O que nos era direcionado, nós fazíamos. Meu sonho era fazer Engenharia Civil, mas em 1973 só homem cursava engenharia. Meu pai me proibiu, então optei por licenciatura em Física. Depois, com 45 anos, fui realizar meu sonho de ser engenheira”, conta Lucia.
Mas, quando cursou engenharia, ela teve uma surpresa: a carreira sonhada na adolescência não era mais seu objetivo profissional. “Eu não me apaixonei pela engenharia. Tive esse sonho quando adolescente, mas não depois. Se tivesse feito naquela época, teria amado”, conta.
Lucia não chegou a terminar a segunda graduação, e a inspiração para uma nova mudança de carreira veio depois de passar por uma cirurgia. Para superar alguns problemas que surgiram durante a recuperação, como falta de memória e concentração, resolveu estudar novamente. Dessa vez, optou pelo curso de corretora de imóveis, profissão que hoje concilia com a de administradora de um espaço para eventos.
“Foi uma mudança de carreira. Tive que planejar, correr atrás, criei garras. Antes, eu imaginava que já podia ter dado esse pulo há muito tempo, mas hoje acho que foi no momento certo. Me vejo madura, trabalhando. Meu próximo sonho é ter uma imobiliária. Na minha idade, encontrei minha profissão”.