Elas contam por que se orgulham das cicatrizes que carregam
As marcas deixadas na pele de uma mulher podem ser sinônimo de superação e renascimento
Só ri de uma cicatriz quem nunca foi ferido. Este trecho do livro “Romeu e Julieta”, de William Shakespeare, fala sobre as marcas que a vida pode deixar em uma pessoa. Mas e quando estes sinais estão desenhados no rosto? Para a DJ Lu Vargas, 42 anos, as 98 cicatrizes do seu rosto não devem ser esquecidas, mas lembradas.
O mesmo acontece com a empresária Iracema Colombo, 53, que atribuiu a grande marca em seu rosto como milagre, e com a engenheira Fernanda da Cruz, 39, que acaba de retirar um tumor, está com um corte da orelha até a base do pescoço e pouco se importa.
O trio, que foi marcado por diferentes causas, comemora suas novas cicatrizes pelo mesmo motivo: sobrevivência. Elas têm orgulho das suas cicatrizes, pois elas registram um momento de renascimento.
Quando Lu tinha 15 anos, não era comum o uso do cinto de segurança. Ela, que estava na carona de um automóvel dirigido pela amiga, foi arremessada para fora do carro em um acidente. O vidro do para-brisa atingiu seu rosto e resultou em 98 cortes diferentes. “Na época, foi muito difícil. Eu era muito nova e sonhava em ser modelo”, fala.
Com o tempo, começou a aceitar e valorizar as marcas do seu rosto. “Elas foram ficando mais amenas. Hoje, tenho três mais aparentes do lado esquerdo e essas quase centenas de marquinhas que formam quem eu sou hoje”, conta. Lu garante que não esconde nunca suas cicatrizes. “Uso meu cabelo preso e não tenho vergonha nenhuma. Elas fazem parte de quem eu sou”.
Sem vergonha das marcas
Há 19 anos, Iracema se reuniu com a família para comemorar o dia de Nossa Senhora de Lourdes, na cidade de Boa Esperança, interior do Rio Grande do Sul. Ela lembra que todos os adultos foram de forma irregular, na caçamba de um caminhão, para a gruta da cidade, onde ia ocorrer um almoço. No caminho, o veículo atravessou um fio grosso de arame farpado. Como ela estava em pé, foi atingida pela corda de aço. “Perdi dois dentes e tive 72 pontos no rosto”, lembra.
Ela foi levada para o hospital da pequena cidade e, por coincidência, havia um cirurgião plástico de plantão. “Por muito tempo, eu me envergonhava do meu rosto. Até me dar conta que só estava viva por um milagre. Se o arame tivesse pego centímetros mais abaixo, não estaria aqui para contar isso. Foi proteção de Lourdes”, acredita.
Para Fernanda, a cicatriz é um troféu de guerra. “Sinal de que passei por uma cirurgia e estou aqui, pronta de novo. É uma marca de superação”, afirma. Como sua intervenção para a retirada do tumor ocorreu há poucos meses, ela ainda está se acostumando com a cicatriz nova, apesar de afirmar não se importar com ela.
"Olho no espelho e ela fala comigo primeiro que qualquer outra coisa. Mas pensar que ali tinha um tumor de sete centímetros e eu estou livre dele me lembra o quanto ela é e foi necessária. Posso garantir que dá pra conviver bem com isso”.
A engenheira afirma que as marcas deixadas na pele servem para as donas se lembrarem sempre que um desafio foi vencido. “Tenho orgulho do que me tornei e o que sou: isso vale para minha carreira, minhas conquistas e, claro, minhas cicatrizes, por que não? Nunca foi fácil, mas sempre foi recompensador! As cicatrizes só estão aqui pra lembrar do sucesso”.
Cicatrizes ocultas
Após deixarem o hospital, Lu e Iracema se depararam com outro desafio: enfrentar as pessoas. Iracema conta que se sentia constrangida diante de tantos olhares. “Eu tinha a impressão de que todo mundo parava para ver o meu rosto, prestar atenção em mim. Isso dificultou muito o meu processo de aceitação”, conta Iracema. Lu lembra que na época do seu acidente queria seguir a carreira de modelo. “Mas tive que interromper este sonho e foi bastante traumático”, revela.
Após o acidente de Lu e Iracema e a intervenção cirúrgica da Fernanda, a vida continuou para ambas e, claro, os sonhos também. “Eu estou cuidando mais de mim, uso pouca maquiagem e tenho orgulho das minhas marcas, das minhas sardinhas e das minhas rugas”, fala Fernanda, que garante se sentir uma mulher muito mais interessante.
Lu, hoje, viaja pelo Brasil como DJ e conta que seu sonho de ser fotografada não morreu. “Ao contrário, minha profissão me deixa muito exposta”. Iracema é dona do próprio negócio e nem lembra mais da cicatriz. “Quando eu vi que tem pessoas com problemas bem mais sérios, parei de notar a presença dela”.