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Escritório é a estrada: mulheres atravessam o país viajando

Elas ficam mais de 8 horas sozinhas rodando de um estado para o outro e enfrentam todo o tipo de situação

2 set 2016 - 08h00
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Quando a engenheira agrônoma Memora Bittencourt, 31 anos, liga o seu carro para ir até o seu local de trabalho nem imagina o que encontrará pelo caminho. Isso porque ela roda centenas de quilômetros por dia nas estradas do Nordeste do país e sai de casa preparada para tudo – até mesmo para não voltar tão cedo.

“Já fiquei mais de 14 dias viajando, já tive que dormir dentro do carro inúmeras vezes, já senti medo, já me senti sozinha, já tive fome”, fala lembrando apenas de um sentimento que nunca compartilhou: a vontade de desistir. Motivo? “Sou apaixonada pelas estradas”. Ela mora na cidade de Bom Jesus do Piauí, no Piauí, e precisa seguir viagem todos os dias para os quatro cantos do estado para vender sementes e acompanhar produtores rurais. “Apropriedade mais próxima fica a uns 80 km e a mais distante a 530 km”.

Para Memora, com os 30 anos veio a vontade de viajar sozinha
Para Memora, com os 30 anos veio a vontade de viajar sozinha
Foto: Arquivo pessoal

Memora conta que o caminho que percorre é precário, o asfalto que contorna a região é estreito, sem acostamento, de má qualidade e com muitos buracos. Além disso, tem a presença de animais na pista, especialmente jegues. “E para chegar às fazendas é preciso andar nas estradas de chão, que são péssimas. No período seco, há o risco de atolar numa areia muito fina que se acumula em cima dos buracos e faz o carro patinar. Na chuva, o risco do atoleiro é na lama”, conta.

Ela lembra que uma vez ficou atolada das 18h às 22h sozinha em uma entrada deserta. “Estava chovendo muito, o carro com pane e eu no meio do nada. E precisava, pelo menos, chegar nas áreas de fazenda. Rezei, desliguei tudo o que eu podia para economizar bateria, acabei caindo em uma estrada que não dava para ver nada. Aí a caminhonete escorregou para o lado e eu atolei. Na hora pensei: daqui de dentro não saio. Pode ter onça, bicho... Aí pra minha sorte um cara passou de moto, no meio daquele temporal, e me rebocou. Naquele dia, quando cheguei em casa, eu quase fraquejei”, recorda.

Viajar também faz parte do trabalho da supervisora comercial Liliani Santos, 30. Ela, que conhece como ninguém as estradas do Tocantis e Maranhão, fala que o segredo para atravessar estados é o tanque cheio e água geladinha. “Se possível, um tereré”. Para Lili, a maior dificuldade é a situação das estradas, na grande maioria de pista simples e sem acostamento. “O que me faz redobrar a atenção no transito”.

Maturidade na estrada

Memora recorda que sua jornada se iniciou na passagem dos 20 para os 30 anos. Ela diz que a serenidade que a terceira década de vida trouxe é fundamental para enfrentar as situações de dificuldade. “Sempre gostei da estrada. No começo, é novidade. Depois dos 30, o sentimento muda, talvez hoje eu aproveite mais comigo mesma. Fico muito tempo sozinha, revendo os mesmos pensamentos”, reflete, afirmando que depois dos 30 não tem mais necessidade de companhia para pegar a estrada. “Eu faço o que eu quero, quando quero. Antes eu dependia das pessoas, hoje me sinto mais livre. Maturidade me trouxe prazer em viajar sozinha”.

Para Liliane, viver viajando é uma forma de se reencontrar
Para Liliane, viver viajando é uma forma de se reencontrar
Foto: Arquivo pessoal

Para Liliani, a possibilidade de rever as ideias enquanto está sozinha é a vantagem de pegar a estrada. “O mais legal de viajar é poder apreciar as belezas que a natureza nos traz, conhecer novos lugares e pessoas. Acredito que viajando também expandimos nossos horizontes”, fala. Para ela, a calma e a serenidade que a idade trazem são fundamentais para a sua profissão. “Passei por vários perrengues, já, mas tudo é história para contar”, lembra.

GPS pra quê?

Você não liga o carro sem o GPS? Pois tanto Memora quando Liliane sequer contam com ele. Conforme elas, é muito difícil pegar o sinal nas estradas que circulam. Por isso, o jeito é se guiar pelos pontos de referência na estrada. “Entre uma mangueira e outra eu vou me achando. Claro que se cortam a árvore eu me perco, como já aconteceu”, conta Memora.

Liliane fala que sai perguntando e pedindo indicações. “Mas na maioria das vezes eu lembro o caminho”, afirma. 

Memora afirma que viver na estrada é, muitas vezes, ficar 100% a mercê da sorte. Mas isso não parece intimidá-la. “Eu tenho muita admiração das pessoas. Claro que tem muita gente que acha que a mulher não dá conta. Quando fui contratada, meu chefe disse que chegaram a questionar a sua sanidade, pois trazer uma mulher para a região era muito perigoso. Mas eu fui lá e provei que era capaz de fazer aquilo. Eu acho que é perfil, não o gênero que conta”.

Fonte: Terra
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