Ana Hickmann e o aumento da violência contra a mulher
As mulheres no Brasil têm enfrentado uma onda crescente de todos os tipos de violências. O episódio envolvendo Ana Hickmann no ultimo sábado, dias antes da divulgação da nova pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostra a importância de se discutir esse tema. O que podemos fazer para mudar esse cenário?
Na última semana a internet foi tomada pelas repercussões do episódio de violência doméstica envolvendo a apresentadora Ana Hickmann. Ela teria tido uma briga no final de semana com o marido, o empresário Alexandre Correa, e sofrido uma agressão. Ana registou um Boletim de Ocorrência em Itu (SP) e precisou imobilizar o braço esquerdo para tratar uma contusão no cotovelo.
Na última quarta-feira, dia 15, ela reapareceu no Instagram dizendo que nem tudo o que foi veiculado é verdade, e que agradece o carinho e apoio dos fãs que vão ser fundamentais para enfrentar tudo que vem pela frente.
O caso de Hickmann está longe de ser um fenômeno isolado. Nos últimos meses, quase que diariamente temos sido impactados por notícias das mais diferentes formas de violência contra mulher, entre elas agressões físicas, violência doméstica, abusos psicológicos, ofensas sexuais e feminicídio. Na maior parte das vezes os agressores são companheiros, ex-parceiros ou familiares das vítimas.
Uma em cada três mulheres são vítimas de violência
Justamente nessa semana foram divulgados os dados da quarta edição do Fórum Brasileiro de Segurança Pública sobre a vitimização de mulheres no Brasil. Os dados são estarrecedores!
A pesquisa feita pelo Instituto Datafolha com o apoio da Uber mostra que mais de 18 milhões de mulheres sofreram alguma forma de violência em 2022. Em comparação às edições anteriores, todas as formas de violência contra mulher apresentaram crescimento acentuado no último ano.
Segundo o estudo, uma em cada três mulheres sofreu alguma forma de violência física ou sexual por parte do parceiro íntimo ou ex, e a própria casa, como no caso de Hickmann, é o espaço onde acontecem 54% dessas agressões.
Jovens em risco
Nos últimos 12 meses, entre todas as faixas etárias, praticamente todas as formas de violência foram mais comuns entre as mulheres mais jovens, de 16 a 24 anos, o que mostra que esse fenômeno acontece de maneira muito precoce, em uma fase da vida em que a garota, muitas vezes, não tem experiência, maturidade e condições de interromper esse ciclo de violências. Além do receio que elas têm de comunicar o que está acontecendo e de procurar ajuda.
Quanto menor a renda familiar, maior a vitimização dessas mulheres. Entre as mulheres negras (pretas e pardas), esses índices também são mais altos que da média da população.
A pesquisa também investigou o número de episódios de violência enfrentados pelas mulheres em 2022. Em média, as vítimas de violência sofreram 4 agressões ao longo do ano. A faixa dos 35 aos 59 anos foi a que teve a maior recorrência, com 6 episódios no ano, em média, um a cada dois meses.
Epidemia de violência
Essa epidemia de violência contra a mulher tem múltiplos fatores. Segundo o relatório, a convivência doméstica mais intensa forçada pela covid-19, o funcionamento mais precário dos serviços de acolhimento às mulheres em situação de violência durante a pandemia, a falta de investimento em politicas de enfretamento à violência contra a mulher no último governo, além do ataque sistemático de movimentos conservadores a questões de direitos femininos e igualdade de gêneros, estão entre as principais causas.
Para enfrentar essa situação é necessária uma ação integrada em que suporte psicológico, campanhas de conscientização e de denúncia da violência, educação da população a respeito da desigualdade de gênero, garantia de acesso às necessidades básicas para as mulheres em situação de violência, além de amplo apoio jurídico.
As políticas públicas que visam a proteção da mulher, como o aperfeiçoamento da Lei Maria da Penha, são essenciais para trazer mais segurança à população feminina, associadas ao fortalecimento da integração entre Polícias, Poder Judiciário e sociedade civil.
Em 2022, 45% das mulheres não tomaram nenhuma atitude em relação à agressão mais grave sofrida no ano. 17,3% buscaram apoio familiar, 15,6% procuraram os amigos, 14,0% fizeram denúncia em uma Delegacia da Mulher e 8,5% em uma delegacia comum. 3,0% recorrem à Igreja, 4,8% ao Disque 190 da Polícia Militar, 1,6% ao Ligue 180 da Central de Atendimento à Mulher e 1,7% denunciou o episodio à Polícia por registro eletrônico.
Em um país em que quase a metade das mulheres fica calada, por medo, incredulidade nas autoridades ou insegurança, atitudes corajosas como a de Ana Hickmann, que falou publicamente sobre o que enfrentou e registou um boletim de ocorrência, podem fazer toda a diferença para mudar esse cenário e ajudar a estancar essa onde crescente de violência contra as mulheres.
*Jairo Bouer é psiquiatra e comunicador e escreve semanalmente no Terra Você.