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Desafio do cotonete e ataque de pânico podem ter relação?

Será que pais e responsáveis estão conseguindo participar do processo de construção da autonomia digital dos mais novos de forma adequada?

6 out 2023 - 05h00
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Na última semana recebi uma dúvida de um jovem que contava ter participado uma única vez do “desafio do cotonete” no último ano, e que vinha apresentando há um mês um quadro de crises de pânico, com sensação de morte iminente, na reta final da preparação para o Enem e vestibulares. 

Para quem não lembra, o desafio viralizou nas redes sociais no final de 2022 incentivando os jovens a acenderem uma das pontas de um cotonete com um isqueiro para inalar a fumaça. Problemas: a queima do plástico e do algodão pode liberar produtos tóxicos que irritam as vias respiratórias, além do risco de queimaduras na boca e no rosto. 

Crise de ansiedade

A participação frequente nesse tipo de desafio pode aumentar o risco de quadros alérgicos e de pneumonias químicas, principalmente em quem já enfrenta um problema respiratório. Mas é pouco provável que a experiência única do ano anterior possa ser a responsável pelo quadro de pânico. 

Na reta final da preparação para o vestibular e para o Exame Nacional de Ensino Médio, o mais plausível é que o cansaço, o estresse, o medo de não ser aprovado e a ansiedade sejam os gatilhos para as crises desse jovem. 

Nesse sentido, tentar controlar a ansiedade, usando técnicas de relaxamento e descompressão, gerenciando melhor o estresse, cultivando momentos de lazer, fazendo terapia e, nos casos mais graves, até mesmo usando medicamentos sob orientação médica, por um tempo limitado, são algumas das medidas possíveis para o controle desse quadro. 

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Desafios e autonomia

O desafio do cotonete e tantos outros que surgem nas redes nos lembram da importância de se discutir uma gestão compartilhada do uso que os mais jovens fazem das tecnologias. A construção da autonomia digital de crianças e adolescentes é um processo em que pais, responsáveis, educadores e os próprios jovens devem participar. 

Apesar de nativos digitais, eles não nascem sabendo tudo sobre segurança e formas de se evitar riscos. No auge da juventude e das crises de autoestima, ávidos por serem aceitos em grupos com os quais se identificam, desafiando seus próprios limites para provar para si mesmo que podem ter mais poder e liberdade, não é incomum que eles topem desafios, aceitem presentes digitais de estranhos e compartilhem informações e imagens sigilosas e sensíveis, sem medir consequências. 

Dessa forma, a educação digital desses jovens precisa começar desde cedo e ser feita de forma permanente. É um tipo de ação que só vai funcionar e ter fôlego se for construída conjuntamente.

Saúde Mental

Já o quadro de pânico evidencia uma questão muito importante nos dias de hoje: o quanto esses jovens têm estado vulneráveis do ponto de vista da saúde mental. Se por um lado, buscar a interlocução com um médico que cria conteúdo digital mostra uma proatividade para a resolução de uma angústia, pode revelar também o quanto ainda é difícil falar do tema com amigos, pais e responsáveis. Via de regra o jovem enfrenta sozinho essa dor, o que pode dificultar o acesso a avaliação e tratamento, colocando muitos deles em risco.

Investir em programas de saúde mental que mostrem para o jovem o quanto é importante vencer estigmas e tabus para poder falar o que sentem e pensam, pode aumentar a qualidade de vida e o bem-estar dessa geração. 

E o que pode ser muito útil é unificar a discussão de educação digital, autonomia nas redes e saúde mental. Da mesma forma que as tecnologias são úteis e fundamentais na vida dos jovens, elas também podem trazer vulnerabilidades, violências e exposição, comprometendo as emoções e as decisões deles. 

Aprender a perceber o que faz mal, poder limitar os usos das telas por conta própria, entender quais são os melhores caminhos a ser trilhado e poder buscar ajuda diante de situações que trazem risco ou desconforto são o começo de uma navegação que junta saúde mental e segurança. 

De novo, esse processo pode acontecer da melhor forma possível quando todos as partes interessadas podem participar e opinar. E, claro, ajustes e limites vão sendo feitos e revistos na medida em que o adolescente mostra que sabe se cuidar. E você: ainda acha melhor proibir ou começa a considerar que o importante é ensinar a usar? 

*Jairo Bouer é médico psiquiatra, comunicador e publica suas colunas no Terra Você às sextas-feiras. 

Fonte: Jairo Bouer
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