Maconha e jovens: por que eles fumam?
Quais as principais motivações para os adolescentes fumarem maconha? Um estudo que acompanhou estudantes norte-americanos nas últimas seis décadas revela um aumento na procura da droga para lidar com os desafios habituais do dia-a-dia.
Os dados mostram que o número de adolescentes do último ano do ensino médio que está usando maconha para aliviar as dificuldades enfrentadas em sua vida cresceu de 1976 para 2022 de forma importante. O trabalho avaliou quase 125 mil jovens e foi publicado na revista Addictive Behaviors.
Os especialistas checaram as principais razões por trás do consumo da maconha entre os adolescentes no ano anterior à pesquisa. A necessidade de relaxar foi o motivo citado pela maioria, 53% deles. Escapar de problemas foi a causa mencionada por 25% dos estudantes, cerca de 18% usaram para lidar com raiva e frustração, e quase 11% fumaram para enfrentar a sua rotina.
Em resumo, os resultados sugerem que o uso de maconha pode estar acontecendo como forma de reduzir o estresse do cotidiano, de tentar resolver um sofrimento emocional, para fugir de problemas ou para suportar as responsabilidades comuns do dia-a-dia.
Mudanças na percepção dos riscos
Sabemos que toda vez que alguém utiliza algum tipo de substância com efeito no cérebro para aliviar emoções e sensações negativas ou para reduzir o estresse e poder enfrentar dificuldades e problemas, a chance de padrões mais complicados de uso (como o abuso e a dependência) pode aumentar, o que traz uma série de ameaças à saúde.
Quando esse uso acontece de forma frequente na adolescência, fase em que uma série de ajustes neurobiológicos, comportamentais e de autoestima estão acontecendo, os riscos associados também crescem (menor satisfação com a vida, alterações no desenvolvimento cerebral, dificuldades cognitivas e problemas com a aprendizagem). Não é à toa que mesmo nos estados e países em que o uso de maconha é legalizado, o consumo pelos menores segue proibido.
Além da maconha (depois do álcool) ser a substância mais consumida pelos adolescentes em muitos países ocidentais, a percepção em relação a ela tem mudado de forma importante com a legalização do uso recreativo e medicinal em várias partes do mundo. Isso talvez ajude a compreender a razão pela qual mais jovens têm recorrido à droga para tentar lidar com as dificuldades em sua vida.
Como lidar com desafios?
Esse cenário nos faz refletir sobre a importância de os jovens trabalharem frustrações, limites, estresse e angústias de outras formas. Não seria importante que eles enfrentassem essas questões comuns à vida contemporânea com seus próprios recursos emocionais, sem precisar recorrer à maconha? Falar sobre as dificuldades, dividir angústias com seus pares e pedir ajuda quando necessário são recursos práticos que podem ampliar a resiliência dos jovens.
Para essa geração tão digital, menos acostuma às interações interpessoais, a falta de habilidades sociais pode tornar mais complicado falar sobre o se sente, mas esse processo não pode ser visto como impossível. Eles podem, sim, aprender a desenvolver essas capacidades.
É claro que muitos enfrentam hoje questões concretas de ansiedade e depressão que precisam ser endereçadas por um especialista e tratadas com terapia e até com o uso de medicamentos por tempo limitado. Mas deixar os adolescentes livres para amenizar suas dores e sofrimentos com álcool ou maconha nunca vai ser o melhor caminho.
Uma chance para o crescimento pessoal
Em uma fase em que acontecem tantas mudanças e transformações não precisar recorrer a substâncias para lidar com dificuldades, ansiedade e angústias, pode ser uma chance importante desses jovens desenvolverem seu aprendizado social e emocional, que vai ser tão importante em toda sua vida.
Esse processo de crescimento pessoal também pode melhorar a autoestima e autoconfiança, além de proteger os adolescentes de uma série de prejuízos que podem estar relacionados ao uso precoce da maconha, como abuso, dependência, aumento de transtornos de ansiedade e depressão, prejuízo de memória e até sintomas psicóticos.
Voltamos aqui ao tema da importância de se falar em educação sobre as drogas em casa, na escola e na mídia, um tema que tem sido varrido para baixo do tapete nos últimos anos. Vamos nos ocupar de vez dessa discussão?
*Jairo Bouer é médico psiquiatra e comunicador e escreve semanalmente no Terra Você.