O desafio do desodorante e os riscos crescentes de jogos virais entre os jovens
A vulnerabilidade dos jovens a esses desafios está ligada a diferentes fatores psicológicos e sociais
No início desse mês, em Pernambuco, uma menina de 11 anos perdeu a vida após participar do “desafio do desodorante”, um jogo perigoso que incentiva crianças e adolescentes a inalarem grandes quantidades de aerossóis. O caso recente, mais uma vez, chocou o Brasil e reacendeu o alerta sobre esse tipo de prática, que já resultou em tragédias por aqui e em outras partes do mundo.
Em setembro do ano passado, um menino de 12 anos no Reino Unido também faleceu após inalar desodorante. No Brasil, casos semelhantes vêm sendo registrados pelo menos desde 2017. Na época, uma menina de 7 anos morreu em São Bernardo do Campo (SP) e um garoto de 10 anos morreu em Belo Horizonte (MG) após participarem de desafios semelhantes. A gente reuniu aqui alguns esclarecimentos sobre esse tema. Vamos lá?
O que são os jogos perigosos?
Assim como o “desafio do desodorante”, outros jogos virais com alto risco para crianças e adolescentes têm circulado na internet e redes sociais nos últimos anos. Um exemplo marcante foi o “desafio da baleia azul”, que, na mesma época, incentivava jovens a cumprirem uma lista de tarefas que incluía até automutilação e tentativa de suicídio.
Desde 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece os chamados hazardous games (jogos perigosos) como um padrão de comportamento que pode aumentar os riscos para a saúde física e mental.
Dentro dessa categoria, também se encaixam práticas como chroming ou huffing, que envolvem a inalação de substâncias químicas encontradas em artefatos domésticos, como esmaltes, solventes de tinta, marcadores de texto e sprays de cabelo. Por serem de fácil acesso, esses produtos acabam sendo utilizados por crianças e adolescentes que desconhecem seus impactos.
Quais os riscos da Inalação de aerossóis?
Os efeitos imediatos da inalação de produtos químicos incluem euforia, tontura, fala arrastada, falta de coordenação e desinibição. No entanto, os danos podem ser muito mais graves, com náusea, vômitos, arritmias, convulsões, fraqueza muscular, dificuldade para respirar e asfixia.
A morte pode ocorrer por diferentes causas. Em alguns casos, a inalação de aerossóis pode levar à asfixia, uma vez que partículas sólidas e líquidas chegam aos pulmões e impedem a absorção de oxigênio. Em outras situações, a rápida absorção de substâncias químicas pode desencadear arritmias cardíacas fatais. Além disso, reações alérgicas graves, como edema de glote, podem obstruir as vias respiratórias, resultando em sufocamento.
Por que crianças e adolescentes se envolvem nos desafios?
A vulnerabilidade dos jovens a esses desafios está ligada a diferentes fatores psicológicos e sociais:
- Dificuldade de identificar riscos – O cérebro dos adolescentes continua em desenvolvimento, o que pode comprometer a capacidade de avaliar as consequências de suas ações. A falta de experiência e de maturidade também têm peso importante nessa equação.
- Busca por desafios e adrenalina – A busca por experiências e situações novas e intensas que testam e ampliam limites faz parte da adolescência.
- Pressão social e aceitação pelo grupo – Muitos desafios ganham força por serem vistos como “testes de coragem”, assim os jovens que passam por eles ganham um certo status dentro do grupo.
- Ameaças e chantagens- Os desafios vêm acompanhados de ameaças nas redes, algo como: “se você não seguir essa etapa, alguma coisa muito ruim vai acontecer com você ou com sua família”. Por medo e imaturidade, o jovem segue as orientações recebidas.
- Chamar a atenção- Os desafios que envolvem riscos, embora secretos e feitos escondidos dos pais, podem ser uma forma inconsciente do jovem chamar atenção para algum conflito ou dificuldade emocional que está enfrentando.
Como evitar novas tragédias?
Os casos recentes mostram que crianças e adolescentes estão cada vez mais expostos a desafios perigosos e reforçam a necessidade de medidas urgentes para prevenir novas tragédias. Algumas ações fundamentais incluem:
Maior controle parental, principalmente durante a infância e pré-adolescência. Pais e responsáveis precisam estar atentos ao que os filhos consomem na internet e orientar sobre os riscos de desafios virais.
Educação digital desde cedo, tanto em casa quanto na escola. Ensinar crianças e adolescentes a reconhecer conteúdos perigosos e a desenvolver senso crítico sobre o que estão vendo pode fazer toda a diferença.
Maior responsabilidade das redes sociais, que devem investir ainda mais em mecanismos para limitar a exposição de crianças e jovens a conteúdos potencialmente nocivos.
Incentivar o diálogo permanente com os pais e educadores é uma estratégia central. É importante que toda vez que o jovem tenha dúvida ou se sinta ameaçado, ele possa recorrer a um adulto responsável para buscar ajuda e orientação.
A popularidade desses desafios mostra como o ambiente digital pode amplificar situações e comportamentos de risco entre os mais jovens. No entanto, com diálogo, informação e controle adequado, é possível reduzir a exposição das crianças e adolescentes a esse tipo de perigo e evitar que outras vidas sejam perdidas de forma tão prematura.
Jairo Bouer é médico psiquiatra e escreve semanalmente no Terra.