Perigo: homens no poder!
O que existe em comum entre alunos de medicina que exibem seus genitais e afirmações estapafúrdias de vereadores, prefeitos e congressistas?
Essa semana foi difícil acompanhar o conjunto das cafajestadas e visões desacopladas da realidade de alguns homens, líderes e futuros líderes em suas áreas de atuação, Brasil afora. Fica quase impossível reunir em um único texto todos os absurdos que tivemos de encarar. Mas será que dá para buscar alguns denominadores comuns a todas essas situações?
Estudantes de medicina pelados em jogos esportivos femininos, ataques no Congresso a direitos da população LGBT, defesa da castração de mulheres para controle de natalidade, sugestão de que autistas deveriam ser tratados na “peia” e na “chibata”, entre outras pérolas, estiveram entre os episódios registrados ao longo dos últimos dias. Dá vontade de perguntar: isso é sério? Em que mundo esses homens vivem?
O tema que gerou mais repercussão, sem dúvida, foi o vídeo de um grupo de cerca de 20 alunos da Unisa, de São Paulo, que não tiveram o menor constrangimento em exibir sua genitália durante um jogo de vôlei feminino, em uma competição esportiva entre alunos de medicina. Outros vídeos, envolvendo estudantes de outras faculdades começaram a pipocar nos últimos dias, mostrando que essa prática é mais comum do que se imaginava.
Machismo e masculinidade tóxica
No calor de uma disputa esportiva, esses jovens, futuros médicos, deixam o bom senso em casa, e se “contagiam” com o clima da testosterona, da pretensa irmandade entre eles, da sensação de invulnerabilidade, da arrogância, e tornam a reafirmar uma cultura machista e retrógrada dos que vieram antes deles.
Tendo passado por situações semelhantes, durante minha própria vida acadêmica na medicina, há quase 40 anos, pergunto: não deu tempo, em pleno século XXI, do homem conseguir enxergar com alguma nitidez como ele está enredado nessa armadilha da masculinidade tóxica, na representação de um papel que limita suas experiências vivenciais e que causa mal a ele próprio e a todos que o cercam?
A questão não é só na medicina, mas por se tratar de uma profissão que inspira tanta admiração e respeito, e que vai lidar diretamente com as fraquezas, sofrimentos e vulnerabilidades dos outros, questiona-se, com razão, qual é o grau de confiança que esses futuros médicos inspiram na população?
Quem te representa?
Os comportamentos abusivos, tóxicos, agressivos e inadequados de muitos homens começam ainda na escola, ganham corpo na universidade, e alcançam postos de trabalho e lideranças em todas as áreas, com especial destaque para aqueles que representam a população em cargos eletivos.
Nesse cenário, o prefeito de uma cidade de interior do Rio de Janeiro se sente à vontade para afirmar que garotas deveriam ser castradas para reduzir o crescimento da população, um vereador do Ceará diz que crianças autistas deveriam ser tratadas com violência para conter seu comportamento, e lideranças políticas conservadoras se acham no direito de definir quem pode ou não casar e adotar crianças com base em sua orientação sexual, além dos comportamentos reiterados de transfobia e homofobia de parte das lideranças cristãs no Congresso.
Um homem inseguro
A questão começa em uma cultura ainda arcaica, machista, heteronormativa, que insiste em garantir poder, destaque, liderança e impunidade para os homens. Mas se a gente aprofundar um pouco mais essa análise, encontra um homem amedrontado e inseguro frente as transformações que a nova ordem mundial aponta.
Assim, mostrar os genitais, propor ações agressivas e violentas, insistir em garantir privilégios, colocar sobre a mulher a responsabilidade pelo crescimento da população e querer controlar seus direitos reprodutivos, reafirmar preconceitos contra minorias, tudo isso parece uma tentativa desesperada de resolver, “no grito”, aquilo que ameaça uma suposta hegemonia e uma masculinidade frágil.
Que venham os novos tempos de vez! Para isso, o homem precisar ser reeducado desde a mais tenra infância para viver em um mundo de poder compartilhado, em que ele não precisa e não deve se sentir ameaçado. Pais e mães têm que começar essa transformação de mentalidades em casa, e as escolas devem se ocupar dessa discussão o tempo todo.
Enquanto as mudanças não vêm, quem comete crimes deve ser julgado e, se culpado, penalizado. Quem não tem condições de estar em uma posição pública ou em um cargo ou profissão que exige responsabilidade, respeito e cuidado com o outro, deve ser barrado, utilizando-se os instrumentos legais disponíveis. Um mundo em transformação exige que as pessoas mudem! O que você pensa a esse respeito?
*Jairo Bouer é médico psiquiatra, comunicador e publica suas colunas no Terra Você às sextas-feiras.