Sabia que o celular pode arruinar suas férias? Desligue e aproveite!
Tenho visto gente se deslocando mundo afora mais preocupada em fazer imagens para poder compartilhar, do que realmente interessada em curtir
O final do ano chegou e muita gente vai sair de férias para “desligar” da correria do dia-a-dia. Receita número um: assim que chegar ao destino escolhido, abandone o celular e vença a tentação de ficar conectado o tempo todo.
Durante o ano a gente escreveu aqui várias vezes sobre os impactos que as tecnologias têm tido no comportamento, aprendizado e nas emoções dos mais jovens. Mas e nós, adultos, responsáveis pela administração do nosso cotidiano, onde ficamos nessa história?
É claro que ao chegar em um local desconhecido, precisamos das telas para conseguir informações sobre passeios, restaurantes, rotas e outras questões práticas da viagem. Mas como limitar esse uso para poder quebrar a rotina da conexão em tempo integral?
Tenho visto cada vez mais gente se deslocando mundo afora mais preocupada em fazer imagens para poder compartilhar, do que realmente interessada em viajar e curtir as férias. E não estou falando dos influenciadores que ganham a vida fazendo isso.
Outro dia vi um post de uma médica entrando em um avião e avisando seus seguidores que iria começar as postagens assim que desembarcasse do outro lado do mundo. Um mês de fotos posadas, vídeos editados e supostas curiosidades do além-mar.
Fico aqui imaginando o trabalho de ter que se preocupar em captar, tratar imagens e acompanhar todos os conteúdos, dia após dia, em um momento em que o foco deveria ser o descanso, a praia, o sol, os passeios, a família e o bem-estar.
Em outro post, alguém se preparava para fazer uma trilha em um lugar inusitado e sua preocupação central não era a proteção contra o vento, chuvas e frio e, sim, em aparecer bem nas fotos e, claro, não repetir a roupa de registros anteriores.
Do ponto de vista da tranquilidade era tão mais fácil viajar antes, no tempo das câmeras fotográficas, dos guias comprados em bancas e da vida longe do 5G e do Wi-Fi. Em poucos dias o modo ”férias”, sem outras preocupações, estava ativado. Hoje, não basta viajar, tem que publicar.
O grande problema dessa nova forma de funcionar é que fica muito mais difícil deixar a rotina para trás e dar uma pausa no cansaço acumulado ao longo do ano. O tempo todo a gente fica recebendo mensagens, lembrando de pendências que nunca acabam, e nosso cérebro segue quase “100% ligado”, o que acaba gerando mais estresse.
Se a ideia das férias é dar um tempo nas ansiedades do cotidiano, as tecnologias tornam esse objetivo mais distante. Uma pessoa disse outro dia: “vou entrar em férias modernas, daquele tipo em que gente sai mas fica meio disponível. Se precisar, pode chamar. Talvez demore um pouquinho, mas respondo!”
Acho que ia ser tão melhor se ela dissesse logo: “estou saindo de férias e a gente resolve essa questão na volta. Se for algo urgente, sugiro contatar meu colega que vai estar disponível no período”. Esse limite é importante!
O fato de não desconectar nunca pode gerar um fenômeno que os especialistas chamam de fadiga de disponibilidade, que pode levar ao esgotamento, ao estresse crônico e a diversas condições de saúde física e mental. Nosso corpo e nosso cérebro precisam de pausas. É um direito de todos nós. Aliás, essa é uma das razões da sociedade moderna ter criado um período anual de descanso.
Outra questão importante em relação às férias e as redes sociais é que elas geram uma pressão emocional permanente em quem está postando. Se eu subo uma foto, fico querendo saber quem viu, se meus seguidores estão curtindo, como estão os comentários e likes, o impacto alcançado, entre outros indicadorese métricas.
É um processo permanente, cíclico, de gerar estímulos em busca de recompensas. Preciso postar cada vez mais para continuar a me sentir reconhecido. Se não sou, me frustro, fico mal. Esse mecanismo de quase dependência pode estar por trás de boa parte das dificuldades emocionais que se tornaram mais frequentes na última década.
O uso frequente de filtros e a busca de fotos cada vez mais perfeitas das férias também podem gerar uma preocupação exagerada com a imagem corporal, o que desencadeia questões importantes de saúde mental.
Em resumo, pausas e descanso são fundamentais. Quando a gente “desliga”, descobre tempo para relaxar, pensar na vida, imaginar, criar e se sentir melhor. É por isso que precisamos de férias. É por isso que você deveria ficar um pouco mais longe do seu celular nesse período. Aproveito o último texto do ano para desejar um ano incrível, com mais saúde e menos tempo de conexão. Feliz 2025!
*Jairo Bouer é médico psiquiatra e escreve semanalmente no Terra Você.