Você deixaria de ter filhos por causa das mudanças climáticas?
Como será que o clima está mexendo com a saúde mental e com o planejamento familiar dos brasileiros?
Essa semana estive em um evento em São José do Rio Preto, interior de São Paulo, com 42ºC, ar seco e céu cinzento da fuligem que ainda toma conta de boa parte do país. A camisa nem saiu de mala, e fiz palestra de camiseta mesmo.
O planeta está dando sinais. Secas e queimadas históricas Brasil afora. As inundações no Rio Grande do Sul no começo do ano. O furacão Milton se aproximando da Flórida. A Antártida, antes branca, nunca esteve tão verde. Só não acredita em mudanças climáticas quem não quer. Mas como será que o clima está mexendo com a saúde mental e com planejamento familiar dos brasileiros?
Você já ouviu falar do termo ansiedade climática ou ecoansiedade? É o sofrimento mental, uma combinação de preocupação e medo, que surge como consequência das mudanças climáticas que o mundo e as pessoas estão enfrentando.
Quem experimenta a ansiedade em relação ao clima acaba sentindo, em algum grau, tristeza, raiva, impotência e culpa em relação aos eventos catastróficos que têm se repetido com uma frequência cada vez maior. E a sensação de perigo iminente pode afetar o humor, as emoções, o comportamento, os pensamentos, o sono, a atenção, a concentração, os relacionamentos e até mesmo os projetos de vida.
Psiquiatras e psicólogos têm percebido um aumento de transtornos em saúde mental relacionados às mudanças climáticas. A ansiedade climática não chega a configurar um diagnóstico fechado mas, sim, uma condição marcada pela insegurança e incerteza em relação ao futuro do planeta e das próximas gerações. E ela acaba impactando mais os jovens.
Como parte das mudanças de planos e de projetos pessoais está o desejo de ter filhos em um mundo que se transforma e que parece cada vez menos seguro. O peso da ansiedade climática é maior nos países em desenvolvimento, talvez mais afetados pelas questões ambientais, e com menos recursos para lidar com as consequências desastrosas dos grandes eventos climáticos.
Não é de se estranhar então que casais mais jovens, sobretudo as mulheres que vivem nesses países, estejam se questionando sobre a decisão de ter ou não ter filhos.
Aliás, em um mundo que vive importantes transformações sociais e culturais, o projeto de criar filhos já vinha sendo colocado em xeque pelas novas gerações. O investimento nos estudos e na carreira, a violência, a maior demora para estabelecer relações mais estáveis, a existência de outros modelos de estruturação familiar que não passam necessariamente pela paternidade ou maternidade, entre outros fatores, têm levado mais jovens a uma reflexão mais profunda sobre esse tema.
A ansiedade climática pode ser mais um dos elementos que contribuem para o adiamento ou até mesmo o cancelamento do projeto de ter filhos: “eu abro mão de deixar descendentes em um mundo que vive em risco e, assim, me sinto melhor, menos angustiada“.
Em biologia evolutiva, muitas espécies podem deixar de investir em reprodução sexuada em um momento de crise ambiental. Os animais podem focar sua estratégia de sobrevivência em garantir recursos para si próprios por um período de tempo, ao invés de gastar energia para ter filhotes que podem não sobreviver em condições adversas.
Um outro recurso que algumas espécies usam nessa situação é a reprodução assexuada (fazer cópias de si mesmo), em uma tentativa de “povoar” mais rapidamente, sem investir tanta energia em variabilidade genética. O risco é que nenhum dos clones sobreviva às mudanças ambientais.
Ao ser humano resta pensar em estratégias individuais e coletivas para tentar reverter ou minimizar as mudanças climáticas. Além de cada um de nós se conscientizar do papel que tem nas transformações do mundo, e adotar estratégias menos nocivas ao ambiente, é importante que os grupos se organizem para ações coletivas que passem, por exemplo, pela criação e cobrança de políticas públicas que invistam na redução dos impactos ao clima.
Repensar o avanço das fronteiras agropecuárias e as consequentes queimadas e destruição das florestas nativas, a organização e sustentabilidade das grandes cidades, e a reestruturação da matriz energética do país são alguns dos focos para que os brasileiros sofram menos impactos do clima em sua saúde física e mental, e para que possam tomar decisões sobre seu futuro e seus projetos de vida que não precisem ser pautadas pelo medo, incerteza e insegurança. Já pensou nisso?
*Jairo Bouer é psiquiatra e biólogo e escreve semanalmente no Terra Você.