'A vida de influencer me levou à exaustão'
O estilo de vida do influenciador pode parecer incrível, mas a renda incerta, a exposição e a o trabalho de buscar patrocínio podem acabar pesando. Conheça as pessoas que viraram as costas para essa carreira.
Não demorou muito para Jessica Zollman acumular muitos seguidores no Instagram.
Funcionária da empresa — foi a quinta contratada e a 95ª usuária registrada, ainda em 2011 —, ela estava por dentro de tudo da gigante da tecnologia um ano após seu lançamento, aconselhando os usuários sobre as melhores práticas que agora são comuns nas redes sociais. Naturalmente, dezenas de seguidores procuraram a sua conta.
Fotógrafa profissional, Zollman, 34 anos, logo se viu nadando em oportunidades de trabalho. Então, ela deixou o Instagram em 2013 e ingressou em uma agência de fotografia e publicidade, tornando-se uma fotógrafa itinerante para marcas e endossando produtos com a publicação ocasional #sponsored.
Sua recém-descoberta fama rapidamente a fez embarcar "numa viagem bonita e misteriosa, em que ganhava uma quantia realmente impressionante de dinheiro" como influenciadora, diz ela. Mas, quatro anos depois, o volume de trabalho caiu, deixando-a com dificuldades financeiras.
"O mercado ficou saturado", diz ela. "As pessoas começaram a perceber o quão lucrativo era esse tipo de trabalho e, por isso, surgiu esse novo objetivo de se tornar influenciador". As marcas passaram a não pagar tanto porque as pessoas trabalhavam por menos — ou mesmo de graça. "Eu tive que diminuir meus valores. Eu tive que trabalhar duas vezes mais por duas vezes menos (dinheiro)", diz ela.
O impacto psicológico de precisar brigar por trabalho, associado à onda de competição, foi suficiente para Zollman abandonar o estilo de vida de influenciadora e voltar ao oposto: um trabalho tradicional das nove às cinco.
"Eu pensei: 'Por que tenho tanta vergonha da ideia de ter que conseguir um emprego?'", diz ela. Confiar no Instagram para validação criativa e renda regular a deixou emocionalmente exausta, e conseguir um emprego estável parecia a melhor coisa para sua saúde mental.
Zollman não é a única influenciadora que ficou desiludida com o que ela chama de "performance" da indústria. Especialistas dizem que é sinal de mudança; um tipo de fadiga que afeta não apenas os influenciadores, mas as marcas e os consumidores, que ficam céticos em relação a muitos dos posts patrocinados que bagunçam seus feeds.
Mercado saturado e evoluindo
Apesar disso, a indústria continua enorme: o marketing de influenciadores deve se transformar em um negócio de US$ 15 bilhões (cerca de R$ 60 bi) até 2022, e as marcas estão mais dispostas do que nunca a investir seu dinheiro na "próxima Kim Kardashian".
Por outro lado, as empresas estão se tornando cada vez mais cautelosas quanto à seleção de talentos influenciadores, de acordo com Karen Doolittle, diretora de mídia social de uma empresa de publicidade em Los Angeles.
Alguns casos de fraude — quando influenciadores aumentaram artificialmente o alcance de suas contas ou inventaram narrativas pessoais totalmente falsas — ajudaram o público a se tornar "mais perspicaz e exigente", diz ela, e agora há uma "hesitação e quase desconfiança da parte dos consumidores e das marcas" em relação às celebridades de redes sociais.
Uma agência de relações públicas na Austrália anunciou no início do ano que deixaria de trabalhar com influenciadores, alegando que as campanhas com eles eram muito caras e geralmente forneciam métricas falsas ou enganosas sobre o alcance online das marcas.
A agência observou, ainda, que os influenciadores estavam dando likes e comentando os posts uns dos outros para aumentar artificialmente seu desempenho.
Apesar desses sinais, Doolittle diz que as marcas continuam dispostas a investir em influenciadores. A demanda por conteúdo também continua a aumentar, diz ela, mas à medida que a concorrência cresce entre os influenciadores de nível médio e os micro-influenciadores, "um trabalho fixo como influencer será mais difícil de encontrar para muitos".
Vale a pena?
Esse mercado saturado, combinado com a demanda incessante por conteúdo, forçou alguns influenciadores a se perguntarem se a atividade ainda vale a pena.
Daniel Volland, 35 anos, certamente se sentiu assim. Ele deixou seu trabalho como optometrista para se tornar um influenciador em 2014, animado com o hype dos primeiros dias do Instagram.
Um ano depois, após fazer duas viagens pelos EUA patrocinadas, ele se viu morando de forma precária em Los Angeles, vivendo um clichê do trabalhador da área criativa, freelancer, subempregado na capital mundial do show business.
"Um grande componente para mim foi o estresse financeiro, não ser capaz de planejar um futuro", diz ele. Mudanças no aplicativo caíram mal na sua conta — ele perdeu muitos seguidores e também engajamento, curtidas, comentários etc. "Minha audiência estava diminuindo continuamente. Eu acho que em um certo momento eu disse, tipo: 'Qual é o sentido?'"
Ele também achou que a plataforma havia mudado. O Instagram começou como uma espécie de playground criativo para fotógrafos, mas Volland sentiu que a liberdade artística foi sufocada à medida que evoluiu para uma plataforma mais comercial, estruturada em torno de celebridades e anunciantes. "O que é valorizado no Instagram hoje é drasticamente diferente do que era valorizado no Instagram em 2012", diz ele.
Agora, Volland está de volta à optometria em tempo integral, trabalhando em seu próprio consultório em Anchorage, no Alasca. Embora ele ainda faça posts pagos em sua conta de 81.000 seguidores, ele agora está a milhares de quilômetros do mundo do conteúdo patrocinado.
'Pornografia da vulnerabilidade'
Mesmo aqueles que ainda vivem esse estilo de vida podem se ressentir de vez em quando. Brianna Madia, de 29 anos, vive uma vida que pode ser descrita como típica de uma influenciadora millenial, documentando suas viagens pelo deserto com o marido e dois cães.
Embora seu estilo de vida itinerante possa parecer um sonho para os seguidores, Madia diz que está cansada de atender a uma audiência de "285.000 chefes". Ela diz que excluir seu Instagram é algo com que ela sonha com frequência. "Eu sei que isso é temporário, que não vai durar para sempre", diz ela.
Ela se incomoda, principalmente, com o que chama de "pornografia da vulnerabilidade". É o público exigindo "quão vulnerável você pode ser? Que informação posso expor sobre mim? Quanto posso abrir meu peito para todas essas pessoas?", explica.
Jessica Zollman se identifica com essa ideia de vulnerabilidade performativa. Ela diz que os fãs desejam relacionamentos com influenciadores e celebridades que demonstram sinceridade online. Mas ela diz que há uma linha tênue entre veracidade sincera e vulnerabilidade falsa por engajamento.
Os fãs, por outro lado, podem ser rápidos nas críticas quando um post não atende às expectativas. "Às vezes pode parecer que [os fãs] estão esperando as pessoas que admiram falhem publicamente", diz ela. "Há algo realmente errado no fato de isso ser normal e aceitável."
Madia também diz que foi convidada a endossar todos os tipos de produtos que nunca usaria: pílulas dietéticas, tasers — armas que disparam cargas elétricas —, "revólveres cor-de-rosa projetados para mulheres".
Como o marido ganha um salário fixo, ela pode recusar sugestões de que não goste. Mas nem todos os influenciadores têm esse luxo — se Madia não endossar um produto, alguém o fará.
E a busca por endossos virais criou um frenesi de mercado, com as marcas cultivando seus produtos em uma rede cada vez maior de influenciadores. Isso criou uma maior possibilidade de falsificação nas campanhas — mais influenciadores endossando produtos que eles talvez não usem, o que é algo que os fãs rapidamente percebem e denunciam.
"É verdade que a confiança do público em relação aos influenciadores diminuiu à medida que o mercado se tornou mais saturado", diz Doolittle. Se o conteúdo patrocinado "ressoar e parecer relevante, as pessoas se envolverão. Caso contrário, eles deixarão de seguir."
Jasmine Sandler, especialista em marketing digital de Nova York, viu as campanhas de influenciadores falharem quando as marcas "escolheram o influenciador errado, que não tinha a ver com o público". À medida que o marketing de influenciadores avança, ela diz que é preciso promover um maior senso de "confiança e credibilidade" entre marcas e consumidores.
Menos nichos de nível intermediário
Doolittle concorda. Para acalmar o crescente ceticismo público, as marcas procurarão "parcerias que demonstrem o tipo de autenticidade" que falta ao que você pode ver hoje espalhado no seu feed do Instagram, diz ela. Para esse fim, haverá mais campanhas de longo prazo e também um foco em micro-influenciadores cujos públicos menores são mais ligados aos consumidores.
Mas provavelmente será cada vez mais difícil para criadores de nível intermediário, como Zollman e Volland, criar um nicho.
Para Zollman, deixar tudo para trás foi uma ótima decisão. Atualmente, ela supervisiona a fotografia e o marketing de uma empresa de café de Los Angeles como coordenadora visual, e não sente mais que sua autoestima está tão entrelaçada com seu trabalho. Ela ainda mantém uma página no Instagram e posta uma publicação patrocinada de vez em quando para seus 216.000 seguidores, mas o faz com suas próprias regras.
"Não sinto que desisti de algo", diz ela. "Sinto que tenho um emprego diário para que possa continuar fazendo arte, arte que me faça sentir bem."