Como em 'Bebê Rena', brasileira é perseguida há 7 anos: 'Tenho medo que piore'
Após ter inquéritos arquivados pela polícia, empresária recorre à Justiça para resolver 'descaso' das autoridades com sua situação
Uma empresária brasileira começou há sete anos a sofrer ataques e ameaças anônimas por e-mail, celular e nas redes sociais. Ela relata que, mesmo após diversas tentativas de procurar ajuda policial, ainda não sabe quem é seu agressor. Atualmente a legislação brasileira considera stalking como crime, aplicando penas que variam de seis meses a dois anos de prisão.
A série "Bebê Rena", sucesso mais recente da Netflix, voltou a levantar a discussão sobre a necessidade de medidas práticas e ágeis para coibir crimes de perseguição virtuais -- stalking, em inglês. Na série, que conta uma história real, um comediante escocês é perseguido e atacado por uma mulher durante anos.
Mas situações como a da série acontecem em todo lugar, inclusive no Brasil. Há sete anos, por exemplo, Nair Alice Stamoglou sofre com ataques e ameaças de alguém que a persegue -- ela ainda luta para descobrir a identidade do criminoso, e não sabe nem se é um homem ou uma mulher.
Tudo começou no final de março de 2017, quando a empresária recebeu o primeiro e-mail anônimo com um texto repleto de ofensas. Nair foi chamada de palavras como "feia", "horrorosa", "medonha", dentre outros termos agressivos. Desde então, os recados vêm por números não rastreáveis em mensagens no celular ou e-mail, sempre anônimos.
"A forma como me sinto, a dor no peito. É algo difícil de lidar. Choro de dor em ler tudo aquilo. Cada parágrafo parece uma facada. O ódio que a pessoa transfere é palpável", conta a vítima ao Terra Você.
O medo ficou ainda maior quando Nair passou a receber ameaças físicas de que se não tomasse cuidado, poderia ser atropelada e morrer.
"Eu saía de casa mandando minha localização para três pessoas. E a pessoa descrevia o local de onde eu vinha ou ia. Esse medo ainda vive comigo diariamente."
Até hoje ela não sabe quem comete os ataques. Mas, assim como o personagem principal de "Bebê Rena", não foi por falta de tentativas de resolver a situação com a polícia. "Foram cinco idas à delegacia, sendo jogada de um para outro, esperando horas por uma explicação", diz em uma série de vídeos que ela mesma publicou nas redes sociais em busca de alguma resolução.
"Em 2017 eu fui no DEIC, só que crime eletrônico não era ainda tão comum", relembra Nair sobre o primeiro pedido de ajuda, assim que os ataques começaram. "Fiz o BO, abriram inquérito e depois arquivaram." No ano seguinte, mais uma tentativa. "Em 2018 já abri o BO na delegacia, deram um pouco mais de atendimento, mas depois de meses arquivaram."
Falta de ação
Segundo a empresária, de todas as vezes em que foi a delegacias, se sentiu acolhida apenas uma vez, mas de forma geral, há um "total descaso" com sua situação. "Quem tem que nos defender, ajudar, orientar, são os primeiros a rir", lamenta. Apenas em 2021 a perseguição virou crime no Brasil. Mas, sem a identidade de seu stalker, a luta de Nair fica ainda mais complicada.
Nas redes sociais, a empresária cobra uma abordagem que não coloque em dúvida a experiência da vítima. "Eles apontam o dedo na nossa cara questionando o porquê daquilo, como se eu soubesse o motivo de eu ser agredida. Isso é muito complicado. Isso é muito violento no país (...) Por mais que falem que estamos protegendo as mulheres, o machismo continua forte."
Após desistir de resolver o enigma somente com a ajuda da polícia, Nair fez o caminho inverso. "Em 2022 entrei com liminar contra a Microsoft", conta. A vítima de stalking busca agora na Justiça o desbloqueio de informações para que ela tenha acesso aos autores das mensagens. A ideia é descobrir através dos servidores de internet qual é a identidade de seu agressor.
"Tenho muito medo que piore. Mas, estou disposta a enfrentar isso e ajudar também. Está sendo uma forma de aliviar meu coração. É dolorido demais reler tudo, e lembrar, mas tudo isso atrapalha a minha vida", desabafa.
Uma da decisões difíceis que Nair teve de tomar foi a de deixar sua conta do Instagram aberta na tentativa de obter mais provas, já que recentemente também passou a receber algumas mensagens ameaçadoras pela rede social.
"Fechei inúmeras vezes [...] Se não vem por ali, vem no email ou no celular... Então, passei a manter aberto. Para peitar mesmo e ter mais provas para que as empresas pasem as informações que solicitamos via liminar. É doido? Num nível brutal... Mas eu quero acabar com isso", explica.
Consequências para a saúde mental e relacionamentos
Greice Potrick, especialista em psicologia positiva e autora do livro a Chave Mestra da Editora Leader por meio de seu Selo Editorial Série Mulheres, explica que o stalking pode ter sérias consequências para a saúde mental e o bem-estar da vítima, além de criar um ambiente de terror e insegurança. "Ela (a vítima) não consegue se sentir bem na própria casa", reflete.
Nair conta que a perseguição não afeta apenas ela, mas todo seu entorno. Uma de suas principais preocupações é com seu filho, que sabe da situação. "Eu converso com ele, mas nunca deixei ele ler ou ver absolutamente nada". Um dos motivos pelos quais não publicava nada sobre o tema era para tentar protegê-lo. Ela conta que a situação também afetou um relacionamento que teve:
"Agressão contra mulher não é só física. Muitas vezes a psicológica é pior, pois te bloqueia e afeta em todos os níveis de sua vida – profissional, amorosa, financeira, familiar, social. Você passa a desconfiar até de você no espelho. Você desconfia até do seu melhor amigo e isso te muda."
Nair Alice, vítima brasileira de perseguição
Perseguição é crime
Desde abril de 2021, a legislação brasileira considera que "perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade" como um crime que pode levar de seis meses a dois anos de prisão, além de multa.
A advogada Mayra Cardozo, mentora de Mulheres e Advogada, especialista em gênero e sócia do escritório Martins Cardozo Advogados Associados, dá dicas de segurança para evitar a ocorrência de um caso semelhante:
- Mantenha suas informações pessoais privadas, evitando compartilhar detalhes sobre sua rotina, localização ou informações sensíveis com pessoas desconhecidas. É também importante ajustar configurações de privacidade nas redes sociais, restringindo o acesso a informações pessoais e limitando quem pode ver suas postagens.
- Ainda, preste atenção em comportamentos suspeitos, ainda mais se sentir que tem alguém te seguindo ou monitorando de forma persistente. Caso isso aconteça, documente todas essas ocorrências - seja em forma de histórico de mensagens, capturas de telas; se precisar, faça gravações telefônicas também.
- Se as precauções não forem o suficiente, considere abrir um boletim de ocorrência na delegacia mais próxima e, em casos extremos, como o stalking envolvendo violência doméstica, procure medidas protetivas de urgência.
A especialista explica que há três requisitos para que haja, de fato, configuração do crime: ameaça à integridade física ou psicológica; restrição de sua capacidade de locomoção; e invasão de liberdade ou privacidade. "Não é necessário que esses requisitos sejam cumulativos", garante.
A advogada pontua ainda que a pena para o condenado é de seis meses a dois anos de prisão, podendo chegar a três anos se a vítima for mulher. Em caso de stalking cometido contra crianças, adolescentes ou idosos, por dois ou mais indivíduos ou com uso de arma, há aumento de 50% na pena inicial.
Em casos de stalking, as vítimas são orientadas a fazer denúncia à polícia, exigir apoio legal (medidas protetivas), receber apoio psicológico e buscar um abrigo seguro, de preferência desconhecido para o agressor.
"As vítimas de stalking sofrem danos psicológicos significativos, como ansiedade, depressão e trauma, em casos extremos levando as pessoas a uma vida de reclusão. Desse modo, é importante que seja oferecido um bom suporte psicológico para mitigar os efeitos do crime", defende Mayra.