Como sobreviver ao jantar com a família no Natal pós-eleições? As dicas de um especialista em resolução de conflitos
Depois de uma eleição que dividiu o país - e também muitas famílias -, as festas de fim de ano podem ser motivo de ansiedade.
Depois de uma eleição que dividiu o país - e também muitas famílias -, as festas de fim de ano podem ser motivo de ansiedade. O que fazer se aquele parente com opiniões políticas completamente opostas às suas puxar o assunto durante a ceia de Natal?
De acordo com o psicólogo social Peter Coleman, da Universidade de Columbia, em Nova York, que há décadas se dedica ao estudo de conflitos complexos, ninguém vai conseguir convencer aquele tio ou primo a mudar de posição política.
"Esses problemas, seja nos Estados Unidos, com as divisões em torno do presidente Donald Trump, ou no Brasil após as eleições, são profundos, de longo prazo. Não são facilmente resolvidos na mesa de jantar", disse Coleman à BBC News Brasil.
Mas Coleman afirma que ainda assim é possível passar por esses encontros sem sofrer e até mesmo ter uma experiência construtiva. Sua avaliação é baseada em sua longa experiência como diretor do Difficult Conversations Lab (Laboratório de Conversas Difíceis) e do Morton Deutsch International Center for Cooperation and Conflict Resolution (Centro Internacional para Cooperação e Resolução de Conflitos), ambos na Universidade de Columbia.
Coleman estuda há anos o que acontece quando duas pessoas com posições radicalmente opostas se reúnem para debater um assunto polêmico e quais as condições para que essas conversas difíceis acabem bem (ou mal).
"Nossa premissa é que as pessoas podem ter conversas construtivas sobre diferenças morais, mesmo nesses tempos de polarização. Mas são necessárias certas condições para que isso ocorra", destaca.
Prepare-se com antecedência
Coleman recomenda que, em vez de mergulhar cegamente em uma discussão sobre política, é melhor pensar antecipadamente sobre o que você quer fazer e o que espera alcançar durante o feriado. "Você quer se conectar com as pessoas que ama ou quer simplesmente vencer um debate?"
Alguns anfitriões podem estabelecer regras e decidir que determinados assuntos não serão debatidos. E você pode escolher se quer ou não entrar nesse tipo de discussão. Mas nem sempre é preciso evitar falar sobre política.
Segundo o psicólogo, se você realmente está interessado em entender por que seus familiares apoiam determinada posição, essas conversas podem ser positivas. No entanto, se sua motivação é simplesmente apontar falhas nos argumentos dos outros e vencer uma discussão, você terá problemas.
"Essas não são questões simples, não vão ser facilmente resolvidas em uma situação em que as pessoas já tomaram algumas taças de vinho", salienta.
Saiba como iniciar a conversa
Coleman ressalta que, caso você tenha interesse genuíno em aprender mais sobre o que pensa "o outro lado", a maneira de iniciar a conversa é crucial para o resultado da interação.
"Se você começa dizendo algo hostil, ou fazendo uma piada que pode insultar alguém, já começa mal, e a conversa provavelmente vai acabar mal", observa.
Ele cita pesquisas que mostram que 57% da população americana está ansiosa e exausta com a polarização política. "Imagino que no Brasil esteja ocorrendo algo semelhante."
"Nesse contexto emocional, mesmo pequenas diferenças ou aborrecimentos podem desencadear respostas desproporcionais, porque estamos todos estressados", alerta.
Avalie a natureza do relacionamento
Coleman salienta que, antes de entrar em uma discussão sobre política, é importante avaliar o tipo de relacionamento e o grau de confiança e intimidade que você tem com aquela pessoa.
"Se esta é sua família, seus irmãos, sobrinhos, tios, pais, você tem uma ideia do quadro emocional. Você sabe se seus relacionamentos com essas pessoas são bons, com confiança mútua e amor, ou se são relacionamentos tensos, em que há mágoas, e pequenas coisas podem desencadear uma explosão", ressalta.
"É um relacionamento em que vocês podem ter uma conversa difícil sobre esses temas e ainda assim sobreviver, e talvez até aprender com isso? Ou você está entrando intencionalmente em uma conversa que sabe que não vai levar a lugar algum?"
Desprezo x lealdade
O psicólogo lembra que, em períodos de polarização como o atual, costuma haver muito desprezo pelo outro lado e um enorme senso de lealdade a seu próprio grupo. "E há uma simplificação do que é um mundo muito complexo."
Segundo Coleman, pesquisas nos Estados Unidos mostram que, tanto na esquerda quanto na direita, as pessoas não estão prestando atenção às questões em si, mas estão simplesmente preocupadas apoiar o seu "time" e bloquear o "adversário".
"A principal motivação é pertencer a um grupo e ser um bom membro desse grupo. E isso entra em conflito com a necessidade de informação correta. Porque se você começa a levantar questões, você vai irritar o seu grupo. Eles não querem dissidentes, não querem ser questionados", observa.
Coleman ressalta que a maneira como uma informação é apresentada tem grande impacto no resultado da conversa, e a simplificação de questões complexas torna difícil ter uma discussão razoável.
Segundo ele, nas pesquisas em seu laboratório, quando quando um tema polêmico, como aborto, é apresentado aos participantes apenas com argumentos pró e contra, eles geralmente acabam prestando atenção na informação que apoia o que pensam e ignorando o outro lado, e a conversa acaba saindo de controle e não vai adiante.
Mas quando o mesmo tema é apresentado de forma mais complexa, com as múltiplas dimensões envolvidas, os participantes têm conversas mais flexíveis, com mais nuance, fazem perguntas e ouvem o outro lado e geralmente saem do encontro sentindo que, apesar de não terem solucionado a questão, foi uma experiência válida.
Progresso lento
Desde sua criação, o laboratório já analisou centenas de conversas. Inicialmente, os participantes respondem a uma pesquisa sobre suas opiniões a respeito de temas polêmicos e são então colocados em uma sala com uma pessoa que tenha posição completamente oposta.
Algumas vezes, são orientados a tentar entender mais sobre o assunto. Em outras, a tentar persuadir o interlocutor. "Essas duas motivações diferentes levam a tipos de conversas completamente diferentes, e a experiências e resultados diferentes", garante Coleman.
Após o encontro, que tem a presença de um mediador e dura em torno de 30 minutos, os participantes são separados e ouvem a gravação da conversa. Eles são convidados a falar sobre sua experiência emocional durante cada trecho do diálogo.
Coleman observa que as melhores conversas são aquelas em que há várias experiências emocionais, tanto negativas quanto positivas. "Não são conversas fáceis, mas você pode se sentir bem sobre algo que disse, ou sobre uma resposta do outro, ou sobre algo que aprendeu", resume.
Coleman adverte que o objetivo do laboratório não é fazer com que os participantes tenham experiências transformadoras que vão mudar suas vidas.
"Porque isso não acontece em meia hora. Especialmente nesses períodos de polarização, o progresso é lento."