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Meu ódio será sua herança

O que as amígdalas têm a ver com a guerra na Ucrânia?

30 mai 2023 - 06h00
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Foto: Olhar Budista / Reprodução

Salve, salve!!! Salve-se quem puder.

Segundo o Pai dos Burros, a definição de Ira, Raiva, Fúria ou Ódio são “um intenso sentimento de ódio, de rancor, geralmente dirigido a uma ou mais pessoas em razão de alguma ofensa, insulto etc., ou rancor generalizado em função de alguma situação injuriante; fúria, cólera, indignação.”

Tento imaginar o tamanho do ódio alimentado pelo delinquente mor Vladimir Putin contra a Ucrânia e seu povo. A coisa toda está sendo preparada desde 2014 ou mesmo antes. Por causa das decisões de um único homem, milhões de pessoas sofrem, se machucam e morrem. Crianças e adolescentes criam traumas para o resto da Vida. Famílias se separam por um longo período, e mesmo depois do reencontro as sequelas permanecem.

Os ucranianos seguem fugindo de suas pacatas cidades rumo ao desconhecido. Com sorte, encontram parentes na Polônia ou em algum outro país fora da zona de conflito e pra lá correm sem pensar muito.

Conhecemos alguns ucranianos por aqui. Os homens até sessenta anos que estão em sua terra natal não podem deixar o país. Tem sangue e rancor nos olhos, mesmo sem ter nada contra os russos antes dessa loucura começar. Vão continuar a defender seu país com unhas, dentes e balas, não tenham dúvidas. Mulheres e crianças foram mandadas pra fora numa tentativa de preservar parte das famílias e gerações futuras.

Graças à ira de um único homem contra a OTAN, os EUA, o Ocidente, o capitalismo e às humilhações impostas à ex-União Soviética após seu colapso. Já vimos isso antes e nunca terminou bem.

O ódio histórico do déspota russo pode ser explicado pela psicologia.

Não existem vencedores numa guerra.

A culpa é das amígdalas

No livro do psicólogo social Simon Laham, The Science of Sin: The Psychology of the Seven Deadlies – And Why They Are So Good for You (A Ciência do Pecado: A Psicologia dos Sete Pecados Capitais – e Por Que Eles São Tão Bons para Você, sem edição em português), a raiva surge quando nossos objetivos são bloqueados ou nos vemos diante de uma injustiça.

Quanto mais queremos alguma coisa, mais furiosos ficamos quando somos impedidos. As amígdalas entram em ação sem dó nem piedade. Como temos maior quantidade de córtex no lobo frontal do que um urso, conseguimos modular a raiva e decidir se vamos argumentar, xingar, bater ou mesmo matar o sujeito que nos impede de alcançar o que queremos.

Algumas vezes no trânsito já tive vontade de passar por cima do carro da frente. Queria, naquele instante, estar num caminhão gigante daqueles americanos com chaminés inoxidáveis bufando fumaça negra e acelerar pra cima do desgracado. Como não sou um urso, esse sentimento dura alguns segundos e se esvai. Talvez ainda escape uma buzinada ou um dedo do meio, já que não sou de ferro, e a Vida segue dentro da normalidade.

Segundo os investigadores do FBI que fazem perfil de criminosos, a raiva e o dogma bloqueiam os hemisférios cerebrais. Afeta a percepção geral das coisas a tal ponto até não ser mais possível identificar a realidade.

Nossas queridas serotonina e dopamina, neurotransmissores que tanto gostamos, estão ambas envolvidas num ataque de agressividade. A conexão entre amídalas e córtex pré-frontal que controlaria a raiva, pode ser influenciada pela serotonina.

Se você já deu a “sorte” de bater de frente com sua esposa faminta com TPM e sobreviveu, pode se considerar um urso. Elas partem pra cima de qualquer coisa comestível que estiver pela frente. Castanhas, iogurtes, sorvete, biscoitos, arroz frio, chocolate, suco de laranja, restos de sanduíche do filho e, se ao abrirem a geladeira uma pizza estiver dando sopa, vai pro fundo do estômago também.

Depois de matar a fome furiosa e incontrolável, olham candidamente pra você dizendo te amar ao infinito e além.

A pergunta que não quer calar: quem extirpou as amígdalas numa cirurgia é uma pessoa mais calma e menos raivosa do que antes?

Para ler, ver e ouvir

• Livro: Um Copo de Cólera (1978), Raduan Nassar. Livro curto, denso, poderoso e sintético como poucos. Vale cada palavra. Como podem apenas 64 páginas conter tamanho poder de síntese e causar tanto impacto no leitor? Um fluxo de consciência começa brando, em repouso e harmonia, e vai crescendo, se avolumando, até o caldo entornar numa tempestade odiosa cujas consequências são imprevisíveis. "A razão jamais é fria e sem paixão."

• Filme: Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia (1974), Sam Peckinpah. O ódio de El Jefe (Emilio Fernandez), um poderoso fazendeiro mexicano, quando descobre quem engravidou sua filha é a espinha dorsal motivadora da história. El Jefe emite uma ordem pedindo a cabeça do sujeito prometendo pagar um milhão de dólares por sua cabeça. Alfredo Garcia é o nome do alvo.

• Música: Rage Against the Machine. A raiva no palco desta lendária banda formada por Zack de la Rocha (vocal), Tom Morello (guitarra), Tim Commerford (baixo) e Brad Wilk (bateria) é notória e única. Não só na atitude diante das platéias, mas nas letras que são sempre um petardo contra a sociedade de consumo e o capitalismo. O Sistema sempre dá um jeito de se adaptar e voltar mais forte te engolindo como uma onda que não te derruba na primeira tentativa, mas recua, ganhando volume e voltando maior, mais forte e vingativa te jogando no chão e enchendo sua boca de areia.

(*) Pedro Silva é engenheiro mecânico formado na PUC/MG com Doutorado em Materiais pelo Max Planck Institut (MPIe) na Alemanha, vive em Viena, Áustria, tem estopim curto e escreve semanalmente sua newsletter Alea Iacta Est.

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